HUMILDADE E ESPÍRITO DE SERVIÇO – Sem humildade, é impossível servir os outros, e podemos tornar infelizes os que nos rodeiam. – Imitar o serviço de Jesus, exemplo supremo de humildade e de entrega aos outros. – De modo particular, devemos servir àqueles que o Senhor colocou ao nosso lado. Aprender da Virgem Maria.
I. NO EVANGELHO DA MISSA de hoje, o Senhor descreve na sua crua realidade como os escribas e fariseus se sentaram na cátedra de Moisés e, preocupados somente consigo próprios, abandonaram os que lhes haviam sido confiados, as pessoas simples que andavam maltratadas e abatidas como ovelhas sem pastor1. Só lhes interessavam os primeiros lugares nos banquetes, os seus filactérios e as suas franjas, os cumprimentos nas praças e que os chamassem mestres2. Haviam sido constituídos como sal e luz do povo de Israel, e tinham deixado o povo sem sal e sem luz. Eles próprios estavam às escuras. Tinham trocado a glória de Deus pela sua própria glória: Fazem todas as suas obras para serem vistos pelos homens. A soberba pessoal e a busca da vanglória tinham feito com que perdessem a humildade e o espírito de serviço que caracteriza os que desejam seguir o Senhor. Cristo previne os seus discípulos: Vós, porém, não vos façais chamar mestres... O maior dentre vós seja o vosso servo3. E Ele mesmo mostrou constantemente o caminho: Pois quem é o maior: aquele que está sentado à mesa ou aquele que serve? Não é aquele que está sentado à mesa? No entanto, eu estou no meio de vós como quem serve4. Sem humildade e espírito de serviço, não é possível viver a caridade. Sem humildade, não há santidade, pois Jesus não quer ao seu serviço amigos de peito inchado: “Os instrumentos de Deus são sempre humildes”5. Na acção apostólica e nos pequenos serviços que prestamos aos outros, não há lugar nem motivo algum para a auto complacência ou para a altanaria, pois quem verdadeiramente faz as coisas é o Senhor. Sem a graça, de nada serviriam os maiores esforços: Ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão sob a acção do Espírito Santo6. Somente a graça pode potenciar os nossos talentos humanos e levar-nos a realizar obras que estão claramente acima das nossas possibilidades. E Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes7. Devemos estar vigilantes, porque a pior ambição é a de procurarmos a nossa própria excelência, como fizeram os escribas e os fariseus; a de nos procurarmos a nós mesmos nas coisas que fazemos ou projectamos.”Arremete (a soberba) por todos os flancos, e o seu vencedor encontra-a em tudo o que o circunda”8. Se não formos humildes, podemos desgraçar a vida dos que nos rodeiam, porque a soberba infecciona tudo. Onde há um soberbo, tudo acaba por ser vítima da sua auto-suficiência: a família, os amigos, o lugar de trabalho... O soberbo exigirá que o tratem com atenções especiais, porque se julga diferente, e será necessário tomar muito cuidado para evitar ferir a sua susceptibilidade... A sua atitude dogmática nas conversas, as suas intervenções irónicas – não interessa que os outros fiquem mal, desde que ele fique bem –, a sua tendência para cortar conversas que surgiram naturalmente, etc., são manifestações de algo mais profundo: um grande egoísmo que se apodera das pessoas quando situam o horizonte da vida em si mesmas. Estes momentos de oração podem servir-nos para examinar na presença do Senhor como é o nosso relacionamento com os outros e se está repleto de um humilde espírito de serviço. II. JESUS É O EXEMPLO supremo de humildade e de dedicação aos outros. Ninguém teve jamais dignidade comparável à sua, ninguém serviu os homens com tanta solicitude: Eu estou no meio de vós como quem serve. E essa continua a ser a sua atitude para com cada um de nós: Ele está sempre disposto a servir-nos, a ajudar-nos, a levantar-nos das nossas quedas. Como é que nós servimos os outros, na família, no trabalho, nesses favores anónimos que talvez nunca despertem o menor agradecimento? O Senhor nos diz hoje na primeira leitura da Missa9, por meio do profeta Isaías: Discite benefacere: Aprendei a fazer o bem... E só o aprenderemos se pusermos os olhos em Cristo, nosso Modelo, se meditarmos frequentemente o seu exemplo constante e os seus ensinamentos. Dei-vos o exemplo – diz o Senhor depois de lavar os pés aos discípulos – para que, como eu vos fiz, assim façais vós também10. Deixa-nos uma lição suprema para que entendamos que, se não formos humildes, se não estivermos dispostos a servir, não poderemos segui-lo. E deixa-nos também uma regra simples, mas exacta, para vivermos a caridade com humildade e espírito de serviço: Tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o vós a eles11. A experiência das coisas que nos agradam ou nos aborrecem, que nos ajudam ou prejudicam, é uma boa norma para avaliarmos o que devemos fazer ou evitar no trato com os outros. Todos desejamos ouvir uma palavra de ânimo quando as coisas não nos correm bem, uma palavra compreensiva quando, apesar da nossa boa vontade, tornamos a errar; que tenham em conta as coisas positivas que fazemos, mais do que as negativas; que exista um ambiente de cordialidade no lugar onde trabalhamos ou ao chegarmos a casa; que nos exijam no trabalho, sem dúvida, mas com bons modos; que ninguém fale mal de nós pelas costas; que haja alguém que nos defenda quando nos criticam e não estamos presentes; que se preocupem verdadeiramente de nós quando estamos doentes; que nos advirtam quando fazemos mal alguma coisa, ao invés de a comentarem com outros; e que rezem por nós e... Estas são as coisas que, com humildade e espírito de serviço, devemos fazer pelos outros. Aprendei a fazer o bem. Se nos comportarmos assim, continua a dizer o profeta Isaías, então: Ainda que os vossos pecados sejam escarlates, tornar-se-ão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como a púrpura, ficarão brancos como a lã12. III. O MAIOR ENTRE VÓS seja o vosso servo, diz-nos o Senhor13. Para isso, devemos deixar de lado o nosso egoísmo e descobrir essas manifestações da caridade que tornam felizes os outros. Se não lutarmos por esquecer-nos de nós mesmos, estaremos dia e noite ao lado dos que nos rodeiam e não perceberemos que precisam que lhes digamos umas palavras de alento, que apreciemos o que fazem, que os animemos a ser melhores e que os sirvamos. O egoísmo cega e não permite que vejamos os outros; a humildade abre caminho à caridade em detalhes práticos e concretos de serviço. Este espírito alegre, de abertura aos outros e de disponibilidade, é capaz de transformar qualquer ambiente. A caridade penetra como a água pelas fendas das pedras e acaba por quebrar as resistências mais duras: “Amor traz amor”, dizia Santa Teresa14, e São João da Cruz aconselhava: “Onde não há amor, põe amor e tirarás amor”15. Como a mãe que acaricia os seus filhinhos, assim, levados pela nossa ternura para convosco, desejávamos não só comunicar-vos o Evangelho de Deus, mas ainda a nossa própria vida16, manifestava São Paulo aos cristãos de Tessalónica. Se o imitarmos, teremos frutos parecidos aos seus. De modo especial, devemos viver este espírito do Senhor com os que estão mais perto de nós, no seio da própria família: “O marido não procure unicamente os seus interesses, mas também os da esposa, e esta os do marido; os pais procurem os interesses dos filhos, e estes por sua vez procurem os interesses dos seus pais. A família é a única comunidade em que todo o homem «é amado por si mesmo», pelo que é e não pelo que possui [...]. Como ensina o Apóstolo, a observância desta norma fundamental explica que não se faça nada por espírito de rivalidade ou por vanglória, mas com humildade, por amor. E este amor, que se abre aos outros, possibilita que os membros da família sejam autênticos servidores da “igreja doméstica”, onde todos desejam o bem e a felicidade de cada um; onde todos e cada um dão vida a esse amor com a urgente busca de tal bem e tal felicidade”17. Se actuarmos assim, não veremos, como sucede em tantas ocasiões, a palha no olho alheio sem ver a viga no próprio18. As menores faltas dos outros deixarão de ser observadas com uma lente de aumento, e as nossas maiores faltas deixarão de tender a reduzir-se e a justificar-se. A humildade far-nos-á reconhecer em primeiro lugar os nossos próprios erros e as nossas misérias. Estaremos então em condições de ver com compreensão os defeitos dos outros e de lhes prestar ajuda. E estaremos também em condições de estimá-los e aceitá-los com essas deficiências. A Virgem, Nossa Senhora, Escrava do Senhor, ensinar-nos-á a entender que servir os outros é uma das formas de encontrarmos a alegria nesta vida e um dos caminhos mais curtos para encontrarmos Jesus. Para isso vamos pedir-lhe que nos faça verdadeiramente humildes. (1) Mt 9, 36; (2) cfr. Mt 23, 1-12; (3) cfr. Mt 23, 8-11; (4) Lc 22, 27; (5) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 15; (6) 1 Cor 12, 3; (7) Ti 4, 6; (8) Cassiano, Instituições, 11, 3; (9) Is 1, 17; (10) Jo 13, 15; (11) Mt 7, 12; (12) Is 1, 18; (13) Mt 23, 11; (14) Santa Teresa, Vida, 22, 14; (15) São João da Cruz, Carta à M. Mª. da Encarnação, em Vida; (16) 1 Tess 2, 7-8; (17) João Paulo II, Homilia na Missa para as famílias, Madrid, 2-XI-1982; (18) Mt 7, 3-5.
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