Texto de palestra na Faculdade de Teologia da Universidade Católica sobre os sinais políticos e intelectuais do nosso tempo (17 Fevereiro, nas jornadas de estudos teológicos, "Os Sinais dos Tempos")
Com este texto procurei cruzar o pensamento de Ratzinger com alguns dos sinais intelectuais e políticos do nosso tempo, deste nosso "ar do tempo" europeu. Gostava de destacar três desses sinais: a ilegalização de Deus, o declínio da Europa e abismo que separa os "direitos humanos" do "Direito Natural".
A Ilegalização de Deus e dos Teólogos
Ao convocar Ratzinger para uma discussão pública e política, eu estou a falar indirectamente do primeiro sinal: a ilegalização de Deus e dos teólogos. Porque, de facto, criou-se esta estranha ideia de que o pensamento religioso é apenas para os crentes, como se um não crente não tivesse nada a aprender com Santo Agostinho ou com Ratzinger. Qual é a origem deste facto mental? O sentimento anti-religioso que se espalhou pela Europa ocidental. O nosso ar do tempo fica desconfortável com religião. O nosso ar do tempo não tem os instrumentos mentais para pensar a religião (e isto até acaba por gerar efeitos engraçados ). Não por acaso, sente-se um desconforto quando quando D. Manuel Clemente vence um prémio cultural . Não por acaso, sente-se uma azia quando alguém diz que Ratzinger é um dos melhores intelectuais públicos da Europa (vejam este debate com Habermas).
Para se sentir confortável, o nosso zeitgeist precisa de ver Ratzinger numa redoma-só-para-crentes. Pior: gosta de ver Ratzinger no papel de prisioneiro dos escândalos que afectam a Igreja. Aliás, esse também parece ser o interesse dos supostos especialistas da Igreja. Em Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos, por exemplo, o entrevistador/especialista Peter Seewald perde metade do tempo com as questões, vá, mediáticas: pedofilia, casamento de padres, ordenação de mulheres. Com certeza: o Papa deve pedir desculpa pelos actos de pedofilia. Mas reduzir Ratzinger à condição de tipo-que-pede-desculpas e de tipo que gere-a-agenda-preferida-dos-media (quando é que os padres podem casar? E haverá mulheres no sacerdócio?) é muito poucochinho. Ratzinger é um dos grandes intelectuais públicos europeus e a sua voz merece ser ouvida sobre as grandes questões das nossas sociedades. A sua voz não pode ficar confinada à "comunidade de crentes" (T. S. Eliot dixit). Por outras palavras, apesar de ser um homem de Jerusalém, Ratzinger tem coisas a dizer sobre a gestão de Atenas. Podemos ou não concordar com essas posições, mas não as podemos descartar à partida, não podemos dizer "ah, são do Papa, logo, não interessam". Além de falta de inteligência, esta posição gozona revelaria intolerância.
(continua)
Henrique Raposo
(Fonte: site Expresso online na rubrica O TEMPO E O DESMODO assinada pelo autor)
Sem comentários:
Enviar um comentário