PROTEGER A FAMÍLIA – Jesus devolve à sua pureza original a dignidade do matrimónio. Unidade e indissolubilidade. – Apostolado sobre a natureza do matrimónio. Exemplaridade dos cônjuges. Santidade na família. – O matrimónio cristão.
I. O EVANGELHO DA MISSA de hoje1 mostra-nos Jesus ocupado em ensinar uma multidão que chegava de todas as cidades vizinhas. E, no meio daquela gente simples que recebe com avidez a Palavra de Deus, apresentam-se uns fariseus mal-intencionados, querendo pôr Cristo em choque com a Lei de Moisés. Perguntam-lhe se é lícito ao marido repudiar a mulher. Jesus disse-lhes: Que vos mandou Moisés? Eles responderam: Moisés permitiu escrever-lhe o libelo de repúdio e despedi-la. Era uma norma admitida por todos, mas discutia-se se era lícito repudiar a mulher por qualquer motivo2, por uma causa insignificante ou mesmo sem motivo algum. Jesus Cristo, Messias e Filho de Deus, conhece perfeitamente o sentido dessa lei: Moisés havia permitido o divórcio por causa da dureza de coração do seu povo, e com essa disposição – o libelo de repúdio – protegia a condição da mulher, tão denegrida na época que em muitos casos não ultrapassava a de uma escrava sem nenhum direito. Por esse certificado, a mulher repudiada recuperava a sua liberdade: era, pois, um autêntico avanço social para aqueles tempos de barbárie em tantos costumes3. Mas Jesus devolve à sua pureza original a dignidade do matrimónio, conforme Deus o instituíra no princípio da Criação: Deus os fez varão e mulher; por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não o separe. Este ensinamento do Senhor soou como uma exigência demasiado drástica ao ouvido de todos, a tal ponto que os próprios discípulos – conforme relata São Mateus – lhe disseram: Se tal é a condição do homem com relação à mulher, é preferível não casar-se4. A conversa deve ter-se prolongado, porque, já em casa, tornaram a interrogar o Senhor sobre a questão. E Jesus declarou para sempre: Aquele que repudia a sua mulher e se casa com outra comete adultério contra aquela; e se a mulher repudia o marido e se casa com outro, comete adultério. O Senhor sublinha que Deus estabeleceu já no princípio a unidade e a indissolubilidade do matrimónio. Comentando este ensinamento, São João Crisóstomo diz numa fórmula simples e clara que o matrimónio é de um com uma para sempre5. O Magistério da Igreja, guardião e intérprete da lei natural e divina, ensinou de modo constante que o matrimónio foi instituído por Deus com laço perpétuo e indissolúvel, e “que foi protegido, confirmado e elevado não por meio de leis vindas dos homens, mas do próprio autor da natureza, Deus, e do restaurador dessa mesma natureza, Jesus Cristo Senhor; leis, portanto, que não podem estar sujeitas ao arbítrio dos homens, nem sequer ao arbítrio dos próprios cônjuges”6. O matrimónio não é um simples contrato privado; não pode ser rompido pela vontade dos contraentes. Não existe nenhuma razão humana, nenhuma situação-limite, por mais iníqua que possa parecer, capaz de justificar o divórcio. Devemos rezar pela estabilidade das famílias – começando pela nossa – e tentar ser sempre instrumentos de união através de um apostolado de amizade, de exemplo de bom entendimento nos assuntos do nosso lar, que contagie muitas outras famílias. II. NOS SEUS ESFORÇOS por recordar o valor e a santidade do matrimónio, o cristão não deve deixar-se impressionar pelas dificuldades e mesmo pelas chacotas que possam surgir no seu ambiente, da mesma forma que o Senhor não se importou com o clima existente em Israel, contrário à sua doutrina. Ao defendermos a indissolubilidade da instituição matrimonial, fazemos um imenso bem a todos. Jesus Cristo, contrariando o ambiente da época a respeito do matrimónio, devolve-lhe toda a sua dignidade original e eleva-o à ordem sobrenatural ao instituí-lo como um sacramento chamado a santificar os cônjuges na vida familiar. E hoje, quando em tantos meios se olha com cepticismo para este sacramento e as suas propriedades essenciais, é um dever urgente dos cristãos defendê-lo com o mesmo vigor e desassombro de Jesus Cristo, e estabelecer as bases para que a família, unida e sólida, seja o fundamento da sociedade. A família “tem que ser objecto de atenção e de apoio por parte daqueles que intervêm na vida pública. Educadores, escritores, políticos e legisladores devem ter em conta que grande parte dos problemas sociais e mesmo pessoais têm as suas raízes nos fracassos ou carências da vida familiar. Lutar contra a delinquência juvenil ou contra a prostituição da mulher e favorecer ao mesmo tempo o descrédito ou a deterioração da instituição familiar é uma leviandade e uma contradição. “O bem da família em todos os seus aspectos tem que ser uma das preocupações fundamentais da actuação dos cristãos na vida pública. Deve-se apoiar o matrimónio e a família a partir dos diversos sectores da vida social, facilitando-lhes todas as ajudas de tipo económico, social, educativo, político e cultural que hoje são necessárias e urgentes para que possam continuar desempenhando as suas funções insubstituíveis na nossa sociedade (cfr. Familiaris consortio, n. 45). “Cumpre fazer notar, no entanto, que o papel das famílias na vida social e política não pode ser meramente passivo. Elas mesmas devem ser «as primeiras a procurar que as leis não somente não ofendam, mas sustentem e defendam positivamente os direitos e deveres da família» (ib., n. 44), promovendo assim uma verdadeira «política familiar» (ib.)”7. A exemplaridade e a alegria dos esposos cristãos devem preceder o apostolado com os filhos e com as outras famílias com quem se relacionam por motivos de amizade, por vínculos sociais, pelos objectivos comuns na educação dos filhos, etc. Essa alegria no meio das dificuldades normais de qualquer família, nasce de uma vida santa, da correspondência à vocação matrimonial. E os filhos realizam um bem muito grato a Deus quando se esforçam por empregar todos os meios ao seu alcance para colaborar com o ambiente próprio de uma família cristã, em que todos vivem as virtudes humanas: cordialidade jovial, sobriedade, amor ao trabalho, respeito mútuo... III. QUANDO ELEVADO à ordem sobrenatural, todo o amor humano se engrandece e se fortalece porque, pelo sacramento cristão, o amor divino penetra no amor humano, ampliando-o e santificando-o. É Deus quem une o homem e a mulher com um vínculo sagrado no matrimónio; por isso o que Deus uniu, o homem não o separe. Justamente porque Deus une marido e mulher com vínculos divinos, o que eram dois corpos e dois corações torna-se uma só carne, um só corpo e um mesmo coração, à semelhança da união de Cristo com a sua Igreja8. O matrimónio não é apenas uma instituição social; não é apenas um estado jurídico, civil e canónico; é também uma nova vida, abnegada, transbordante de amor, santificante para os cônjuges e para todos os que compõem a família. É bom que no seu diálogo com o Senhor, os pais e os filhos crescidos se detenham a considerar os diferentes aspectos da sua conduta diária: a convivência afectuosa, livre de discussões, de críticas ou de queixas; o cuidado com a boa ordem da casa e com o atendimento material dos filhos, dos irmãos, dos avós...; o aproveitamento do tempo nos fins de semana, evitando o ócio ou os passatempos inúteis; a serenidade diante das contrariedades; o respeito pela liberdade e pelas opiniões dos outros, juntamente com o conselho oportuno; o interesse pelos estudos e pela formação nas virtudes cristãs dos filhos ou dos irmãos mais novos; a solicitude para com os que requerem um cuidado e uma compreensão mais esmerados e mais sacrificados, etc. Se os pais se amarem, com um amor humano e sobrenatural, serão exemplares e os filhos se espelharão neles para encontrarem resposta a tantas questões que a vida suscita. Num ambiente alegre, o ideal cristão e as nobres ambições humanas florescerão e darão frutos abundantes de paz e de felicidade. E a família se converterá num lugar privilegiado para a “renovação constante da Igreja”9, para a nova evangelização do mundo a que o Papa João Paulo II nos anima. Peçamos à Santíssima Virgem, Mãe do Amor Formoso, graça abundante de seu Filho Jesus Cristo para a nossa família e para todas as famílias cristãs da terra. (1) Mc 10, 1-2; (2) Mt 19, 3; (3) cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos; (4) Mt 19, 10; (5) cfr. São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 62, 1; (6) Pio XI, Enc. Casti connubii, 31-XII-1930; (7) Conferência Episcopal Espanhola, Intr. Past. Os católicos na vida pública, 22-IV-1986, ns. 160-162; (8) cfr. Ef 5, 22; (9) João Paulo II, Alocução, 21-IX-1978.
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