Ir à raiz da máxima de Santo Agostinho “ama e faz o que quiseres” permite-nos entrar no mais fundo do pensamento de Bento XVI, tão bem expresso no título da sua primeira encíclica: “Deus é Amor”. É a partir daí que se compreende o seu pensamento, o apelo radical à exemplaridade e clareza do testemunho da existência do próprio Deus. Na defesa intransigente dessa Verdade, contestada a mil vozes pelos que fizeram da crença útil no relativismo, e na sua atraente aparência de tolerância e pluralismo, o melhor argumento contra a existência de Deus e a melhor forma de remeter as religiões para o reduto da intimidade das consciências, restringindo a sua expressão pública ao espaço confinado ao segredo das sacristias.
Dito assim, a mensagem do sucessor de Pedro ”Deus é Amor” parece uma constatação tão básica que mal compreendemos a necessidade da sua reafirmação. Mas o Papa é um homem do seu tempo e percebeu a absoluta necessidade de o proclamar de novo à humanidade sedenta de Amor que, nos últimos anos, parece ter excluído Deus da resposta a essa ânsia de felicidade.
Descobrissem os homens o Amor de Deus e eles não deixariam de abraçar essa alegria imensa. Mas para a grande maioria Ele permanece desconhecido...
Quantos de nós, cristãos, são testemunhos vivos do encontro com o Pai?
E porque Deus é Amor e responde às dúvidas e anseios dos homens de hoje, o Papa não se cansa de recomendar à sua Igreja que centre todo o seu discurso n’Ele. É d’Ele que deve falar esquecendo-se de si e das suas feridas.
Não porque Bento XVI as desconheça ou desvalorize.
A brutalidade daquela oração proferida em Roma, a poucos dias de receber o papado, na nona estação da via Sacra, mostra que conhece bem os seus pecados e debilidades. Dizia então Ratzinger: “(…) Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parecemos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. (…) O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos.
Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos.
Tende piedade da vossa Igreja: (…)”. O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que chamara a si o conhecimento pleno de todos os processos de pedofilia, sabia, provavelmente muito melhor do que nós agora, do que falava quando rezava assim. E não só não o escondia como o revelava ao mundo.
Os que conhecem a história da Igreja sabem que as nuvens actuais não são a pior das noites. O Papa também o sabe e por isso tem sido um fiel trabalhador da purificação da memória. Mas confia e reconhece também os milhares de outros exemplos de santidade dos seus membros.
A imagem de “fariseu hipócrita” que os m.c.s tentam colar-lhe não joga com a sua insistente postura de publicano implorando repetidamente o perdão, reclamando apenas simpatia, e não reverência disciplinada, à “pessoal” visão da vida de Jesus de Nazaré expressa no seu livro .
Fora ele o mais analfabeto dos pescadores da margem do Lago de Tiberíades, e os crentes que nele reconhecem o vigário de Cristo na Terra correriam, na mesma, a saudá-lo nas praças e nas ruas de Lisboa, Fátima ou Porto. Sendo ele o que é, merece também dos não crentes pelo menos o olhar interessado e atento de quem tem oportunidade de escutar, de perto, um dos mais desafiantes e importantes vultos da actualidade. Não vale tentar encostá-lo à direita na intransigente defesa da moral e dos valores básicos da nossa civilização europeia ou à esquerda na sua feroz crítica ao capitalismo e à recusa das soluções liberais. Para crentes ou não crentes: ele virá falar de DEUS!
Graça Franco
(Fonte: ‘Página’, grupo Renascença, na sua edição especial sobre a visita de Bento XVV com data de 10.05.2010)
Sem comentários:
Enviar um comentário