No ano de 2009, em Portugal, era de 9563 o número de crianças e jovens acolhidos no sistema de promoção e protecção. Um universo considerável de gente frágil, retirada (ou privada) da sua família biológica, em trânsito (ou estacionada) para um projecto de vida e um novo destino. Que pode chegar, ou não. Uma viagem que se inicia, quase sempre, por um facto degradante ou violento e que, muitas vezes, não tem um final feliz.
Os dados revelados pela análise do Plano de Intervenção Imediata 2009, mostram que é preciso fazer mais, melhor e mais depressa. E isto é assim porque a intervenção, quando se trata de menores, só é eficaz se for célere, mais célere que o tempo útil de que estes dispõem. Mas também porque, nesta análise, não nos confrontamos propriamente com conclusões, mas sim com constatações: tudo já estava à vista. Não é o que se conclui do discurso oficial reproduzido nos media que, à força de querer desdramatizar, tropeça em indicadores tirados do contexto e em explicações pouco fundamentadas.
São exemplos disto os tempos de permanência por resposta de acolhimento que em todos os casos ultrapassam grandemente a média recomendada, para não falar de 12% das crianças acolhidas que estiveram desde que nasceram institucionalizadas (!). A deslocalização de muitas crianças e jovens para outros distritos, antes de o acolhimento se processar, desenraizando-os do seu habitat e dificultando uma eventual reintegração familiar. O fraco incentivo à resposta do acolhimento familiar, que praticamente não se desenvolveu, representando apenas 6,7% da população acolhida. Tudo velhos problemas que, constatamos, permanecem sem resposta.
Mas outros há, mais gravosos, que vale a pena referir. Ficámos a saber que das 3016 crianças e jovens que cessaram o acolhimento em 2009, 472 tinham iniciado o acolhimento nesse mesmo ano. Esta passagem de menos de um ano pelo sistema só pode resultar de uma de duas coisas: ou o diagnóstico não foi correcto e não estavam esgotadas as possibilidades de se manterem em meio natural de vida, ou saíram precipitadamente apenas para que se cumprisse a taxa de desinstitucionalização "recomendada" pelo Governo. Em qualquer caso este indicador só nos pode preocupar.
Também constatámos que 61% das situações que necessitam de acolhimento situam-se na faixa etária dos doze anos ou mais. É uma população com problemas comportamentais, de toxicodependência, de pre-delinquência, de saúde mental ou de deficiência física. Ora as instituições de acolhimento prolongado, que em média acolhem trinta crianças e jovens (entre os 2 e os 21 anos) mantêm em coabitação estas diferentes problemáticas e perfis, comprometendo a possibilidade de elaborar e concretizar os planos individuais de cada um e a satisfação de necessidades tão diferentes. Perante o risco de transformar estas instituições em depósitos humanos é urgente assumir que esta casuística precisa de outras respostas específicas, que exorbitam a Segurança Social, no âmbito da saúde e da justiça.
Este perfil - mais velhos e mais problemáticos - não constitui propriamente uma surpresa. Deve-se a diversos factores, todos conhecidos: pais com poucas competências parentais ou com vidas de trabalho que impossibilitam uma vigilância permanente; uma saúde mental que só agora está a reestruturar-se e que foi deixando sem resposta situações emergentes; reduzidos apoios à deficiência. E também, porque não dizê-lo, a tentação de confundir situações de delinquência com situações de exclusão.
O sistema de promoção e protecção de crianças e jovens não vive por si só e não terá os necessários resultados sem uma forte articulação com outros sistemas como a Justiça, a Saúde e a Educação. Também não será eficaz se não houver um forte investimento nas famílias biológicas e uma mudança de mentalidades no modo como a adopção é vista. É o que se retira da análise do PII. Nada de novo mas igualmente grave.
Maria José Nogueira Pinto
(Fonte: DN online)
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