No dia 31 de Dezembro completaram-se os cinquenta anos da chamada lei Debré, que regulamenta as relações entre o Estado francês e os centros de ensino privados.
Consiste esta lei num contrato de associação que permitia receber alunos a preços acessíveis, cumprindo ao mesmo tempo os requisitos gerais da chamada "escola republicana", mas sem que os centros renunciassem à sua "ideologia própria". O Estado suportaria os gastos de funcionamento, nas mesmas condições que os centros públicos. A escolaridade seria deste modo gratuita, se bem que a lei autorizasse os centros a cobrarem uma quotização às famílias, em função do carácter próprio do centro, o atendimento ao culto, dos gastos de transporte ou da utilização da cantina, que costuma ser mais cara que a média dos centros públicos, devido à desigualdade dos subsídios municipais.
Esta liberdade de ensino esteve prestes a desaparecer com a lei Savary, aprovada pela Assembleia Nacional em 1983, a qual previa "a inserção do sector privado no serviço público do ensino". A lei provocou as manifestações de protesto mais concorridas que Paris jamais vira. Criteriosamente, o então presidente François Mitterand decidiu não a promulgar, e Alain Savary viu-se obrigado a demitir-se.
Já antes, em 1977, a lei Guermeur tinha concedido aos professores do ensino privado as mesmas vantagens sociais que aos do público, sem lesar a liberdade da direcção do centro na escolha da sua equipa. Outras actualizações foram de somenos importância. Hoje, no entender da ex-presidente do Parlamento Europeu Nicole Fontaine, "praticamente ninguém pensaria em atacar a lei Debré, seja qual for a sua sensibilidade política" (La Croix, 16-12-2009).
Falta apenas estabelecer algum tipo de regulamentação que facilite o financiamento de novos centros educativos, especialmente em zonas menos favorecidas, como seria o desejo expresso do sector católico. Porque a verdade é que, embora se fale de escolas privadas sob contrato, na realidade 97% são centros católicos: estes são actualmente 8.984 e atendem 2.013.051 alunos, cerca de um sexto do total da população francesa em idade escolar.
Na prática, nos últimos anos as escolas privadas sob contrato tiveram em lista de espera à volta de 35.000 candidatos no processo de admissão de novos alunos, especialmente a partir de 2003, após os graves conflitos no sector público provocados pelos sindicatos da educação. Mas reflectem também o crescente prestígio da escola católica, que luta por recuperar a sua verdadeira identidade específica.
Deste modo se superou a confrontação entre público e privado. Desde a lei Debré que a coexistência de ambos os sistemas não provoca antagonismo, mas antes uma sadia emulação. E realizam-se muitas vezes transferências de alunos, quase sempre em busca de maior sucesso escolar. Calcula-se que quase metade dos estudantes fez, no decurso dos seus estudos pré-universitários, algum ano num centro privado. Esse facto mostra os inconvenientes reais causados pela bem-intencionada fórmula do mapa escolar (a "zonificação"), que não contribui para superar desigualdades mas antes para perpetuar diferenças e quase-guetos, também no sector público.
Um apoio de 83%
Uma sondagem realizada por ocasião deste 50º aniversário pelas associações de pais do ensino livre (APEL) e o diário La Croix mostra que 83% dos franceses são favoráveis a essa lei que tanto tem contribuído para a paz escolar, pois harmoniza liberdade de ensino e pluralismo. É certo que a proporção é maior entre os simpatizantes da direita (93%) que entre os da esquerda (79%), mas as antigas rivalidades neste campo parecem bastante superadas.
Além disso, 55% dos franceses (47% dos pais com filhos em idade escolar) gostaria de ver os filhos a estudar em centros privados. Uma vez mais são mais numerosos os da direita (74%) que os da esquerda (44%), mas confirma-se o avanço da paz escolar. Curiosamente, esse desejo é mais forte entre aqueles que não têm estudos (59%) que entre os que têm cursos de nível superior. No fundo, ao pôr de lado as preferências ideológicas, a escola privada pode servir para a promoção social dos filhos mais eficazmente que a pública.
Muito significativos se tornam, portanto, os resultados da sondagem: a grande maioria dos franceses (67%) é de opinião que o Estado deveria ajudar o ensino privado a abrir novos centros ou a aumentar o número das salas de aula. Esse desejo é ainda mais vivo entre os menores de 30 anos (80%) e os simpatizantes da direita (79%).
Por outro lado, os conteúdos didácticos comuns, juntamente com o respeito pelo carácter próprio do centro, permitem alcançar os objectivos da chamada "escola republicana", sem cair nos "comunitarismos" (especialmente islâmicos), que os franceses tanto temem. Na prática, a escola católica recebe cada vez mais alunos de outras religiões, até mesmo de famílias não crentes, porque confiam na qualidade da educação, no atendimento pessoal prestada aos alunos e na maior colaboração entre pais e professores.
Salvador Bernal
(Fonte: Aceprensa)
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