O homem na recepção olhou para a senhora de idade e perguntou se sofria de alguma perturbação mental. A senhora considerou por momentos. Perturbação? Não, na verdade, acreditava que não. Tinha feito uma cirurgia – à vesícula – mas há mais de dez anos. Sofria de glaucoma, porém estava controlada. Não, assim de repente, a senhora podia assegurar que não sofria de perturbações mentais. Tomava comprimidos para a tensão arterial, mas tendo em conta a sua idade, enfim... Uma coisa natural. O homem da secretaria do hospital encolheu os ombros. A senhora não tinha queixas. Nem documentos, telemóvel, família. O homem sentado atrás do balcão de atendimento permanente estava treinado, sabia lidar com pessoas de índole variada. Tinha paciência, era diligente. Não se considerava especialmente bom, era apenas eficaz e não compreendia o que deveria fazer com a senhora de idade que estava, ansiosa, a olhá-lo por detrás de uns óculos de massa infinitos. Então, a senhora suspirou, debruçou-se, quase ligeira, sobre o balcão e, mais perto do homem do que seria aceitável, disse-lhe que queria ser admitida no hospital por qualquer razão. O que ele entendesse ser melhor. O que lhe permitisse passar ali mais tempo. Não se importava de fazer exames, mesmo evasivos invasivos. Só não queria ir para casa. O homem tentou, pela enésima vez, explicar que o sistema hospitalar não funcionava assim, havia regras e procedimentos. Uma urgência, afinal, serve para atender casos urgentes. Era a quarta vez que dizia aquela frase.
A senhora voltou à sucessão de suspiros. O homem perguntou pela existência de um filho, irmão, primo, sobrinho, afilhado, vizinho. A senhora foi abanando a cabeça. Cansado, o homem decidiu sair do seu cubículo burocrático e convidou a senhora a ir à na cafetaria. Antes, com um aceno de cabeça, pediu à colega para o substituir. A senhora fazia-lhe lembrar alguém, uma professora da escola primária, uma professora com paciência para a sua dislexia.
Levou gentilmente a senhora até à cafetaria. Perguntou se um chá seria adequado. Ela acenou e sentou-se numa das mesas junto à janela. O homem colocou-se na fila a pensar no problema da senhora, na melhor forma de o resolver. Teria de falar com o chefe, estava visto. Foi reunindo uma bandeja, guardanapos, pacotes de açúcar, uma colher de plástico. Quando chegou a sua vez pediu o chá e um pastel de nata. Pagou e recebeu o troco sem conferir. Quando regressou à mesa a senhora estava morta.
Tinha ido ao hospital para morrer.
(Crónica de Patrícia Reis http://vaocombate.blogspot.com/ publicada no Semanário Económico de 14 de Fevereiro de 2009)
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