Não se sabe se será já nesta segunda-feira, mas vai ser muito em breve, e provavelmente numa segunda-feira, que o Supremo Tribunal dos EUA se vai pronunciar sobre a sentença «Roe contra Wade» de 1973. Este acórdão foi um erro colossal e por isso é muito importante —para os EUA e para todo o mundo— que a decisão seja revertida.
Entre outras coisas, tratou-se de
uma violação flagrante do princípio da separação de poderes, elemento-chave de
um regime civilizado. Este princípio consiste em separar os principais poderes
do Estado em órgãos independentes: o poder legislativo, o executivo e o
judicial. O primeiro elabora as leis, o executivo gere a coisa pública e o
poder judicial arbitra os conflitos, de acordo com o estipulado na lei.
Numa sociedade saudável, cada um
destes poderes limita-se à sua missão própria. Quem legisla não aplica a lei,
quem julga cumpre essa lei e não a inventa, quem governa respeita as leis e a
independência dos tribunais.
O caso mais clamoroso de arbítrio
foi a decisão «Roe contra Wade», que declarou que a Constituição obrigava a
permitir o aborto. É evidente que a Constituição dos EUA jamais obrigou tal coisa,
mas o poder desmedido subiu à cabeça de alguns juízes do Supremo e, 7 votos contra
2, impuseram ao país a sua opinião.
A indústria do sexo, em
particular o negócio do aborto, aplaudiu a clarividência destes iluminados juízes
e muitos cidadãos ficaram igualmente satisfeitos com o resultado. Contudo, nos
últimos 50 anos tem vindo a crescer, entre os juristas e o público, a consciência
de que não compete aos juízes do Supremo inventar leis. Neste momento, segundo as
notícias disponíveis, a maioria dos actuais juízes do Supremo é favorável a
aceitar a separação de poderes e não pretende aproveitar a sua posição para
inventar leis.
Assim, é provável que a decisão «Roe
contra Wade» seja revertida e, finalmente, o Supremo Tribunal reconheça que a
Constituição dos Estados Unidos não obriga a permitir o aborto.
Este reconhecimento não altera
nenhuma lei, apenas restabelece a separação de poderes. Esse triunfo é, em si
mesmo, de extrema importância, porque a separação de poderes é um dos pilares
da vida social civilizada. Depois, a prazo, vai permitir que os Estados em que
a maioria da população defende o direito à vida ajustem a lei no sentido de a proteger
efectivamente.
Esta evolução cultural que se verificou
nos EUA não foi acompanhada noutros países. Por exemplo, em Portugal, a maioria
dos juízes do Tribunal Constitucional ainda não resiste à tentação de usurpar a
função legislativa e executiva, sempre que lhes apetece. Nalguns casos, com
descaramento.
Nas últimas semanas veio a
público o escândalo dos que votaram contra a nomeação do Prof. Almeida e Costa
para o Tribunal Constitucional. Este professor de Direito Constitucional da
Universidade de Coimbra é das pessoas mais competentes na matéria e é reconhecidamente
honesto. Infelizmente, não era isso que se pretendia. O argumento para o
rejeitarem não foi a falta de conhecimentos ou a inexperiência: simplesmente ele
não defende o aborto e não se podia contar com ele para apoiar agendas
tresloucadas. No fundo, havia o grave risco de o Prof. Almeida e Costa
respeitar escrupulosamente a Constituição.
O mais triste não é terem votado
contra a sua nomeação, é a desfaçatez de deixarem claro que queriam um militante
ideológico e não alguém que cumprisse com seriedade a Constituição.
Numa das próximas
segundas-feiras, dia em que geralmente se divulgam os acórdãos do Supremo
norte-americano, é provável que a infeliz decisão «Roe contra Wade» seja
revertida. Por cá, continuamos à espera que o espírito democrático amadureça.
José Maria C.S. André
(N. Spe Deus: artigo escrito antes de se conhecer a decisão final do Supremo Tribunal, com a concordância do autor optou-se por apenas se atualizar o título. Obrigado!)
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