«Let us dream: the path to a better future» (Vamos sonhar: o caminho para um futuro melhor) é o título de um livro de entrevistas de Austen Ivereigh ao Papa Francisco, que vai estar disponível nas livrarias do mundo a partir do próximo dia 1 de Dezembro.
Austen Ivereigh é um jornalista muito conhecido na área da informação religiosa. Foi também porta-voz do Cardeal inglês Murphy-O’Connor, que promoveu com outros cardeais a eleição do Papa Francisco. Ivereigh fundou, com algumas pessoas do Opus Dei, um projecto de evangelização baseado no testemunho público da gente jovem intitulado «Catholic Voices», que teve grande eco no Reino Unido e se estendeu a uma dúzia de países. Na sequência desta iniciativa, publicou o livro «How to defend the faith without raising your voice» (Como defender a fé sem levantar a voz). Em 2014, publicou uma das biografias mais completas de Francisco, editada em português pela 20|20 Editora com o título de «Francisco, o grande reformador – os caminhos de um Papa radical».
É este mesmo autor que publica
agora o resultado de várias conversas com o Papa durante o último Verão, em boa
parte autobiográficas, de que antecipamos alguns apontamentos.
Uma das ideias-força refere-se à
importância de evangelizar o mundo e de tomar a sério o cuidado dos outros.
Francisco expressa-se muito por «slogans» e um deles é «ninguém se salva
sozinho». Repete-o a propósito de muitos temas, por exemplo, como lição a tirar
da Covid: um país que queira manter-se livre da infecção, enquanto o vírus se
espalha no resto do mundo, acaba por ser contagiado. O mesmo se diga de quem se
preocupa com os efeitos da poluição só no seu território, ou queira ser
próspero economicamente sem se importar com os outros.
A preocupação com os outros reflecte-se
especialmente no anúncio da boa-nova do Evangelho, que o Papa considera dever e
missão de toda a Igreja.
O livro relata muito sofrimento pessoal na vida do Papa, e mesmo ocasiões de perigo iminente de morte. Estas experiências difíceis levaram-no a Deus e ensinaram-lhe «que quem sofre muito, mas se deixa mudar, sai melhorado; se, pelo contrário a pessoa levanta barricadas, sai pior». A chave é sempre encontrar Deus.
A urgência de evangelizar
traduz-se também noutro «slogan»: «chegou a hora da verdade». A hora de
abandonar os falsos ídolos, a mentalidade tecnocrática que promete a felicidade
pela via do consumismo, o ídolo do egoísmo que desrespeita os outros.
Outro chavão parecido, que
remonta a João Paulo II, é o de «ecologia integral»: encontrar Deus na obra da
criação, respeitá-la como dom de Deus à humanidade, «amar cada ser humano,
criado por Deus, que nos ama a todos». O adjectivo «integral» refere-se a que
não se trata de nos prendermos a coisas, mas a pessoas. «Quem aceita o aborto,
a eutanásia, a pena de morte, tem dificuldade em se preocupar sinceramente com
a poluição dos rios e a destruição das florestas. E vice-versa». O Papa insiste
que verdadeira ecologia é uma atitude coerente, «integral». É também esse o
sentido da «hora da verdade»: «é hora de sermos coerentes, é preciso
desmascarar a moralidade selectiva das ideologias e assumir em plenitude a
consequência de sermos filhos de Deus».
Outra vertente do «ninguém se
salva sozinho» é o dever de se opor o mais possível ao aborto e aos outros
atentados contra a vida humana. Diz Francisco: Deus «pede-nos uma cultura do
serviço, não uma cultura do descarte». Por exemplo, «não nos podemos calar em
relação aos mais de 30 ou 40 milhões de vidas não nascidas que são descartadas
por ano por meio do aborto».
O livro recolhe muitas histórias
pessoais do Papa, que o amadureceram e nos deixam a pensar. Por exemplo, o
contacto com os «cartoneros» de Buenos Aires, que percorrem as ruas de noite à
procura de papel e de outros produtos que possam reciclar. Uma noite, viu uma
carroça de cavalos e, quando se aproximou, percebeu que, em vez de um cavalo,
era puxada por duas crianças de menos de 12 anos. Este mundo do trabalho mal
recompensado, carregado de sofrimento e desprezado por certas pessoas bem instaladas,
ensinou-lhe muitas coisas. Para Francisco, «os “cartoneros” são o paradigma de
um movimento verdadeiramente popular, de uma gente que se organiza na periferia
da sociedade para sobreviver e defender a dignidade. Quando os “descartados”
não se associam atrás de uma ideologia ou para conquistarem poder, mas para
terem acesso às três realidades que caracterizam uma vida digna –terra, casa,
trabalho– podemos dizer que são um sinal, uma promessa, uma profecia».
José Maria C.S. André
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