Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sábado, 1 de agosto de 2020

De Maria Zarco a Maria Rueff

Acompanho habitualmente o blogue cultural onde Maria Zarco assina a coluna «Vai um gin do Peter’s?» (no endereço http://adeus-ate-ao-meu-regresso.blogspot.com/search/label/Maria Zarco). No último artigo fala de Maria Rueff, a actriz portuguesa mais relevante da comédia humorística, muitas vezes contracenando com Herman José.

No final de Março passado, convidaram Maria Rueff para um serão, para falar, diante de uma plateia concorrida, do que mais lhe importa na vida. A conversa foi gravada no endereço https://rr.sapo.pt/2019/03/28/religiao/como-o-papa-francisco-deu-a-maria-rueff-uns-sapatos/noticia/146073/. Aproveito os apontamentos de Maria Zarco:

«Percebe-se o diálogo regular de Maria Rueff com Deus, o seu “amigo de almofada”. Entram juntos em palco e atravessam juntos o dia-a-dia da actriz. Até o humor, que lhe corre nas veias, foi depurado pela fé, a partir de um livro que intitulou de “O Sorriso de Deus”, apenas lembrando bem que o autor era jesuíta. É possível que o título seja antes “Deus Ri: Alegria, Humor e Riso na Vida Espiritual”, de James Martin, SJ. Qualquer que seja o canhenho, aprendeu naquelas páginas a esquivar-se da piada trocista, maldosa, que fere e humilha o caricaturado, para descobrir o lado vitamínico e catártico da comédia, capaz de iluminar um pouco uma existência pejada de claros-escuros. Passou a destrinçar os dois territórios do cómico pela fronteira que as preposições demarcam: “rir com”, nunca “rir de”. E concluiu: “Sinto-me ao serviço do outro e foi assim que resolvi [a questão] no meu coração. Encaro o humor como espelho do outro e não como uma farpa”».

«Lembra-se de um conselho maternal que mais ninguém da sua geração terá recebido, tal a originalidade da senhora: quando faltavam a Rueff umas décimas para entrar em medicina, disse à filha – “Ainda bem, porque a tua vocação é o teatro. Vai antes p’ró Conservatório”. Identifica a marca de Deus na família pela facilidade em falarem uns com os outros: “Em casa, sempre mantivemos o hábito de conversar. (…) Deus está muito, muito presente, é como se estivesse ao meu lado. É uma relação absolutamente íntima, próxima”». Maria Zarco anota que cita de memória e continua:

«A conversa flui com ritmo, percebendo-se que Rueff reflecte a sério sobre a vida e a sua condição. A “arte do ridículo” fê-la crescer, distanciando-a de uma dor relativizada, para transfigurar a percepção da vida através da “pirueta” saudável e discernida que o humor opera».

«Adoptou um lema do Papa Francisco “levai a vida com humor”, entendendo-o como aceitação do outro, exactamente como ele é. Exemplificou-o com (...) um contratempo de infância, quando chegou a Lisboa, depois da família perder tudo em África. A catequista queria excluí-la de uma procissão por não ter sapatos pretos! À data, a criatividade da mãe solucionou-lhe o problema: [pintou de preto os únicos sapatos que tinha e a filha pôde participar]. Rueff vê Francisco como alguém que saberia sempre acolher aquela pequenina com os sapatos da cor que fossem».

«O santo da sua devoção, que lhe serve de bússola no trabalho, é o pouco conhecido S. Filipe de Nery (1515-1595) – um italiano jocoso, que não se coibiu de brincar com o Papa e com Santo Inácio de Loyola. Maria chegou a ir à igreja dedicada a Nery, em Roma, onde lhe pediu ajuda para se manter nesse trilho exigente e sub-reptício da comédia bondosa».

«O que Deus lhe pede? “Acho que Ele nos pede escuta”».

«O que lhe falta fazer? “Deus sabe! Agradeço tanto a Deus. Não fiz nada, só recebi, embora trabalhe muito”».

«Está preparada para um dia partir? “Faço muito o exame de consciência, dos jesuítas, e o exercício do perdão. Já pedi perdão a figuras com quem brinquei e poderei ter magoado... Também agradeci a quem devia. Estou preparada para Deus me dizer ‘vá, está na hora’ ”».

«Correm em acelerado aqueles 50 minutos de “flashes” sobre uma vida com garra, graça e atenção aos outros. O olhar lúcido e meigo dá uma imensa frescura ao seu humor, que entra naquele registo raro, imune ao cinismo que cede à piada fácil, amargo-corrosiva. Em Rueff, a vontade de viver aproxima-a de quem a rodeia, para “amar o outro como ele é. É isso que o humorista faz, de alguma forma”».

Não preciso de assinar este artigo, basta agradecer à Maria Zarco as frases que copiei do seu bloco de notas.
José Maria C.S. André

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