O Papa Francisco enviou uma
mensagem aos jovens reunidos esta semana em Medjugorje falando-lhes da
possibilidade de que Deus tenha alguma coisa para lhes dizer, como aconteceu a
dois discípulos, num dia preciso, às quatro da tarde.
Vários poetas exploraram o
mistério das quatro da tarde. O aviador Antoine de Saint-Exupéry escolheu essa
hora como referência da amizade:
– «Se vens, por exemplo, às quatro
da tarde, a partir das três começarei a ser feliz. À medida que a hora se
aproximar, sentir-me-ei mais feliz. E às quatro, agitar-me-ei e inquietarei; descobrirei
o preço da felicidade!».
As cinco da tarde também marcaram
a literatura, num sentido diferente. García Lorca celebrizou as cinco horas da
tarde no poema dramático do toureiro (Ignacio Sánchez Mejías) que morre «a las
cinco de la tarde», como repete o refrão. Os cornos do touro rasgaram a carne e
a angústia da morte chega inevitável: «¡Ay qué terribles cinco de la tarde! ¡Eran las cinco en todos los relojes! ¡Eran las cinco en sombra de la tarde!».
Vai uma grande distância entre o
fuso horário da amizade feliz de Saint-Exupéry e o da amizade atormentada do
poema de Lorca. Não é só uma hora de diferença, os dois episódios estão nos
antípodas, como se o relógio de cada um deles avançasse em direcções opostas.
Como o texto de Saint-Exupéry, a
mensagem do Papa refere-se às quatro da tarde, à hora a que irrompe a vida e
começa o amor. Só o contraste recorda uma existência adiada, à espera da morte
fatídica, às cinco da tarde.
O encontro de Medjugorje (1 a 6
de Agosto) foi acerca do momento único em que Deus se mete directamente na vida
de alguém. Com um sobressalto, a pessoa descobre o caminho que Deus lhe propõe
para a vida. O chamamento apanha-a talvez de surpresa, como uma amizade que desemboca
inesperadamente num pedido de casamento ou numa proposta de grande alcance.
Sim? Não? A vida fica pendente daquele momento decisivo.
A vocação depende da iniciativa
de Deus, mas também da atenção de quem escuta. Depois, a coragem da resposta
marca definitivamente a vida inteira, abrindo um horizonte insuspeitado. O
chamamento de Deus desvenda, de forma nova, um abismo de amor e a pessoa decide
fiar-se, dar um salto para os braços de Deus. Não há aventura mais intensa.
A mensagem do Papa lembra os dois
discípulos que, vendo João Baptista apontar o Messias, começaram a seguir
Jesus. Voltando-se, Jesus pergunta-lhes: «Que procurais?». Disseram-lhe: «Mestre,
onde moras?». «Vinde e vede».
Toda a mensagem do Papa gira à
volta desta resposta, «vinde e vede», que é o começo de uma história impossível
de prever. Os dois discípulos de João Baptista acompanharam Jesus e ficaram com
Ele aquele dia. «Eram as quatro da tarde» (Jo 1, 39). Muitas décadas depois,
quando João escreve o seu Evangelho, o encontro conserva no seu coração a
emoção do primeiro instante e ele lembra-se muito concretamente de quando Jesus
lhe disse «vinde e vede» naquele dia preciso, às quatro da tarde.
Passaram esta semana 75 anos
sobre as explosões atómicas de Hiroshima e Nagasaki, a primeira às oito da
manhã de 6 de Agosto, a segunda às onze da manhã de 9 de Agosto. Morreram
centenas de milhar de pessoas sem função militar, em particular quase todos os
católicos japoneses, porque a maioria dos católicos vivia nestas duas cidades.
A localização geográfica, no ponto de chegada das naus europeias que viajavam
para o Japão, foi a razão de Hiroshima e Nagasaki terem sido as primeiras
cidades a ser evangelizadas. A sua localização e as circunstâncias
meteorológicas de há 75 anos ditaram que fossem também elas a sofrer o castigo
exemplar infligido ao Japão por ter desencadeado a guerra.
A violência das explosões esmagou
os relógios de Hiroshima e Nagasaki à hora precisa das explosões mas, por mais
que a morte violenta possa ficar registada a determinada hora, nada se compara
com o momento maravilhoso em que a pessoa é visitada pelo amor, um amor que
decide a vida. Aconteceu a João, lembra o Papa, às quatro da tarde.
José Maria C.S. André
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