Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sábado, 25 de julho de 2020

O poder profético da “Humanae Vitae”

A propósito do 50º Aniversário (2018) da Humanae Vitae, recordamos um alguns dos pontos da encíclica publicada dois meses depois dos acontecimentos de maio de 68, que provocaram a “revolução sexual”. Paulo VI reafirmou nesse documento a visão cristã da sexualidade, na qual o Criador uniu duas dimensões de significado e de valor, que a encíclica chama “significado unitivo” e “significado procriativo”.

Em 2008, no seu 40 aniversário, a revista First Things publicou um ensaio intitulado “A Vindicação da Humanae Vitae”. Aí, fazendo eco de dados recolhidos de proveniências diferentes – da sociologia, da psicologia, da história, da literatura feminista actual -, defendia-se que: “Ao cabo de quatro décadas, confirmou-se empiricamente as previsões da encíclica, e para mais como poucas previsões se confirmam: de uma forma que os seus autores não podiam ter previsto, com dados que não se conheciam quando se escreveu o documento, por investigadores e especialistas que não tinham interesse nos ensinamentos do documento, e por vezes sem se quer se aperceberem por muitos orgulhosos adversários públicos da Igreja ”

Resistência

Certamente, que haver provas abundantes não significa que um argumento válido seja aceite sempre por todos, nem há cinquenta anos, nem há dez, nem tampouco hoje. A promessa de sexo a pedido, sem limite ou restrição alguma, talvez seja a tentação colectiva mais forte que a humanidade alguma vez conheceu. Daí que, desde a invenção da pílula contraceptiva, a resistência contra a moral cristã tradicional tem sido implacavelmente feroz e que muitos, tanto no mundo laico como clerical, querem rebaixar a sua exigência. Como disseram os discípulos de jesus ao escutar a sua doutrina sobre o matrimónio, esses ensinamentos são “duros”.

Mas confundir “duro” com “falso” é um grave erro. Se na verdade temos de ter em conta a “realidade”, da grande quantidade de provas empíricas de que hoje dispomos, só é possível tirar uma única conclusão. A mesma conclusão que era visível há dez anos, e que seguirá a sê-lo dentro de outros dez, cem, ou duzentos anos. E é simplesmente esta: o documento mais vilipendiado e o mais amplamente incompreendido a nível mundial do último meio século, é, ao mesmo tempo, o mais profético e o que melhor ilustra nossa época.

Mas deixemos de lado a teologia, a filosofia, a ideologia e outras abstracções e vamos reflectir, uma à uma, sobre as novas realidades que atestam a Humanae Vitae.

Da pílula ao aborto

A primeira realidade empírica é a seguinte: se deixarmos de lado as intenções das pessoas, atendendo somente a factos inquestionáveis, comprova-se claramente que a divulgação da contracepção conduziu a um aumento de abortos. Há cinquenta anos, quando se começou a generalizar os métodos contraceptivos, muitas pessoas de boa-fé defendiam o seu uso justamente porque acreditavam que isso tornaria o aborto supérfluo. Pensavam que o controlo responsável da natalidade prevenia o aborto. Mas as estatísticas de que dispomos desde os anos sessenta demonstram que esta ideia generalizada está errada.

Muitos estudos realizados no campo das ciências sociais durante décadas tentaram explicar o que, para a opinião secular comum, resulta em algo assombroso. Desde a invenção da pílula, a contracepção, longe de prevenir o aborto e as gravidezes indesejadas, trouxe precisamente o contrário: o uso de contraceptivos, os abortos e os nascimentos extra-matrimoniais dispararam simultaneamente.

Os contraceptivos serviram para debilitar a crença de que os homens têm uma igual responsabilidade no caso de uma gravidez inesperada

Num artigo publicado há 22 anos no Quarterly Journal of Economics, os economistas George A. Akerlof, Janet L. Yellen y Michael L. Katz resumiam desta forma a ligação inesperada entre estes fenómenos.

Antes da revolução sexual, as mulheres tinham menos liberdade, mas esperava-se que os homens assumissem a responsabilidade de garantir o seu bem-estar. Hoje as mulheres são mais livres de escolher, mas os homens sentem-se menos responsabilizados. “Se ela não está disposta a abortar ou a usar métodos contraceptivos – pode pensar um homem -, porque deveria eu sacrificar-me e casar com ela?”. Ao converter o nascimento de um filho numa opção física para a mãe, a revolução sexual converteu o matrimónio e o sustento dos filhos numa opção social para o pai.

Por outras palavras, os contraceptivos trouxeram consigo mais gravidezes e mais abortos porque serviram para debilitar a crença de que os homens têm uma igual responsabilidade no caso de uma gravidez inesperada. Como deixaram claro esses economistas, a contracepção reduziu drasticamente os incentivos que um homem tinha em casar-se, também para se casar com a sua namorada grávida. Numa nova ordem pós-pílula, a gravidez converteu-se na responsabilidade da mulher, e se o controlo da natalidade “falha”, isso não é um problema do homem.

Leis paralelas

Entre a contracepção e o aborto há também um vínculo jurídico. Como chamou à atenção recentemente, entre outros, Michael Pakaluk.

No que diz respeito à jurisprudência, o fruto da contracepção é o aborto. Até à década dos anos sessenta, em muitos estados dos EUA estavam em vigor as leis Comstock e, portanto, a venda de contraceptivos era ilegal também nos casos de uniões matrimoniais. Essas leis foram anuladas em 1965 com a polémica sentença do Supremo Tribunal no caso Griswold. Mas em 1973, somente oito anos depois, o Supremo Tribunal, em Roe vs Wade, do direito à contracepção deduziu que existia um direito ao aborto.

Por outras palavras: o mesmo raciocínio jurídico usado para justificar o direito à contracepção utilizou-se para justificar o direito ao abortar, e essa conexão faz cair a tese de que entre a contracepção e o aborto se pode estabelecer uma separação estrita. Ou melhor, poderíamos dizer que, a contracepção não era suficiente. Para além disso, fazia falta o direito para se eliminar o fruto de uma contracepção falhada.

Também a História mostra a mesma relação causal. O impulso a favor da despenalização do aborto no mundo inteiro não começou até ao primeiro terço do século XX, quando os métodos de controlo da natalidade começaram a ser amplamente difundidos. Nos Estados Unidos, os estados não despenalizaram o aborto até à aprovação federal da pílula contraceptiva, em 1960. Roe vs Wade chegou depois da pílula, não antes. E é um facto histórico que o uso maciço de contraceptivos provocou uma maior procura de abortos.

Num artigo publicado na National Catholic Bioethics Quarterly, em 2015, o investigador Scott Lloyd concluía também que a contracepção levava ao aborto; claro está que tal não acontecia de uma forma forçosamente em cada caso particular, mas sim regularmente e repetidamente enquanto fenómenos sociais relacionados. “Com os contraceptivos, a sensação de risco era menor, e isso favorecia encontros sexuais e relações que não ocorreriam de outra forma, o que proporcionava gravidezes em situações em que a mulher não se sentia preparada”.

Geração equivocada

Quando se estuda o passado, a misericórdia e o perdão têm de estar bem presentes em relação à geração do pós-guerra que fez da contracepção a sua bandeira. Quem, na altura, podia antever que a contracepção iria levar ao aborto numa escala nunca antes vista? Será que toda a polémica em torno da Humanae Vitae teria sido menor se todos os seus críticos tivessem conhecimentos do que revelam os dados hoje? Não haveriam talvez actuado de outro modo alguns católicos dissidentes – e outros – que criticaram publicamente a Igreja, se se tivessem dado conta de que o abraçar a contracepção conduziria a mais abortos? Em retrospectiva, é evidente que a “degradação geral da moralidade” prevista pela Humanae Vitae [n. 17] acabaria por levar não só ao desrespeito da mulher, mas também do feto.

Atendendo à realidade desde 1968 é impossível fingir que a contracepção não desempenhou um papel decisivo na tragédia do aborto. O próprio Papa Francisco rotulou o aborto de “pecado grave” e de “crime horrendo”. A velha argumentação de que a contracepção era uma alternativa ao aborto foi refutada pela força dos factos. A realidade de que ao contrário, esta fomenta o aborto, confirmou-se com o passar do tempo.

Reconsiderações protestantes

A realidade de que falámos foi confirmada por cinquenta anos de experiencia. Mas também se tornou evidente numa segunda realidade. Pessoas fora da Igreja Católica – nomeadamente, mas não só, alguns líderes protestantes – têm vindo a ver a Humanae Vitae a uma nova e mais favorável luz.

Esta forte tendência, sendo uma das notícias menos difundidas do nosso tempo, pode reconfigurar o cristianismo e substituir a desunião em torno do controlo da natalidade numa nova união. Ao reflectir sobre o que a revolução sexual trouxe, cada vez mais vozes protestantes questionam a indiferença com que antes se tratava a questão da contracepção. Esta reconsideração não deixa de estar longe de ser a visão maioritária, por enquanto pelo menos. No entanto, já de si expressa o que qualquer visão minoritária precisa de ter para convencer a maioria: provas e energia moral. Repare-se nalguns exemplos dos últimos dez anos.

Estas reconsiderações entre os Protestantes e outros não-católicos não supõem tanto uma ruptura radical com a tradição Católica, mas antes um retorno a esta. O ensino da Igreja acerca da contracepção, e também o das Igrejas Protestantes, seguiram uma mesma linha ininterrupta durante séculos.

Na altura, como agora, Protestantes que não estavam de acordo com abandonar o ensino tradicional viraram-se para Roma à procura de autoridade. Charles Gore, o Bispo de Oxford, foi um dos que se opôs à Resolução 15. Tinha “muitas razões para acreditar que no caso da Prevenção da Natalidade a “tradição muito forte da Igreja católica tem estado correcta, e que conta com a aprovação divina”. O movimento favorável da Humanae Vitae de alguns protestantes na actualidade, é, em parte, um reconhecimento tácito de que, olhando para trás, a postura do Bispo de Oxford foi a mais acertada.

Neocolonialismo contraceptivo

Em África, tanto protestantes como católicos tendem a manter a tradição da moral cristã. Neste caso, como noutros da história, é válida a máxima do sociólogo Laurence R. Innaccone: “ As igrejas estritas são fortes”, e, concomitantemente, as laxas, são débeis. É nessa África que mantém uma mentalidade mais tradicional que o Cristianismo cresceu exponencialmente desde a publicação da Humanae Vitae, em contraposição com aquelas nações onde lideres cristãos se esforçaram, e se esforçam ainda, para mudar a tradição.

Assim reflectia um estudo realizado pelo Pew Research Center há uns anos. “Os Africanos encontram-se entre os maiores opositores à contracepção por razões morais”. Um número substancial de pessoas no Quénia, Uganda, e outros países subsaarianos – católicos ou não – consideram que o uso de contraceptivos “é moralmente inaceitável”. No Gana e na Nigéria, mais de metade da população mantem esta opinião. Apesar de décadas de proselitismo secular, muitos em Africa resistiram a tentativas de reformadores que pretendiam incorporar um programa de sexual de um Ocidente secularizado, programa que inclui, como é obvio, diminuir o número de Africanos.

Obianuju Ekeocha, de origem nigeriana, autora do recente livro Target-Africa: Ideological Neo-colonialism of the Twenty-First Century, escreveu uma carta aberta a Melinda Gates, cuja fundação dedica grande quantidade de recursos a difundir o controlo de natalidade entre Africanos: “Eu vejo estes 4.6 biliões de dólares a comprarem-nos miséria. Vejo-os a comprarem-nos maridos infiéis. Vejo-os a comprarem ruas ausentes da gritaria inocente das crianças a conversar… vejo-os a comprarem-nos uma velhice sem o cuidado terno dos nossos filhos”.

Os Africanos não são os únicos beneficiários de campanhas para expandir uma Weltanschauung contraceptiva. Mas também não são os únicos a repudiar a ideia de que o mundo seria melhor se houvesse menos pessoas nele. Um famoso Indiano alvo de uma mensagem deste género há uns anos atrás afirmou assim, “É inútil ter esperança que o uso de contraceptivos ficará restrito à mera regulação da descendência. Só há esperança numa vida decente enquanto o acto sexual estiver definitivamente relacionado com a concepção da tão preciosa vida”. O autor destas afirmações não é Elizabeth Anscombe, que no seu famoso ensaio de 1972, Contraception and Chastity, defendeu a Humanae Vitae com base nessa mesma lógica. Em vez disso foi Mahatma Gandhi – mais um não-católico a afirmar a lógica por detrás do ensinamento moral Cristão. “Eu insto os defensores dos métodos artificiais a considerarem as suas consequências,” e explicou noutro lugar, “Qualquer amplo uso destes métodos é provável que resulte na dissolução do elo matrimonial e no free love”.

Também existe um medo bem fundado de que as “autoridades públicas” possam “impor” essas técnicas ao povo – como a Humanae Vitae advertia. Isto foi o que aconteceu, evidentemente, na China, através da sua desumana política do filho único, repleta de abortos forçados e de esterilizações involuntárias. Uma forma mais suave de coerção apareceu nos estados Unidos e noutras nações ocidentais onde esforços foram realizados para estabelecer um controlo obrigatório da natalidade. Por exemplo, nos anos 90 e seguintes, alguns juízes Norte-Americanos apoiaram imposições estatais de implementação de contraceptivos de longa duração em mulheres condenadas por crimes. Este tipo de coerção implícita gerou críticas (entre outras) da American Civil Liberties Union. “As recentes tentativas de obrigar mulheres a usas Norplant representam um retorno a um período de racismo aberto e de eugenia,” afirmou a ACLU.


Em prejuízo das mulheres

A realidade número três está relacionada com a situação da mulher moderna. A contracepção, afirmava-se constantemente e ainda hoje se afirma, tornará as mulheres mais livres e felizes do que alguma vez no passado. Será que sim? Os dados, obtidos pelas ciências sociais, sugerem o contrário. A felicidade feminina nos Estados Unidos e na Europa diminuiu com o tempo, ao som dos recorrentes lamentos proferidos pelo feminismo académico e popular e da crescente preocupação entre mulheres seculares de que o matrimónio tornou-se impossível e de que é tempo de seguir caminho sozinhas. Dez anos depois de se ter documentado esta tendência, há muitos mais dados a suportar a ideia de que a Humanae Vitae estava correcta ao indicar um aumento iminente na divisão entre os sexos. Vejamos dois exemplos. Consideremos brevemente duas imagens ilustrativas.


Em 2012, a Amazon Uk, anunciou que as Cinquenta sombras de Grey, de E. L. Jame, tinha superado a venda de livros do Harry Potter da J. K. Rowling, e se tinha convertido no livro mais vendido da sua história. Este fenómeno mostra o extraordinário interesse comercial demonstrado por mulheres, por uma história de um homem rico e poderoso, que humilha, faz bulling e comete actos de violência contra as mulheres uma e outra vez.

O sadomasoquismo é um tema destacado de outros âmbitos da cultura popular, também da feminina. Sobre a sua conexão com a indústria da moda, John Leo observou: “Apercebi-me pela primeira vez da ligação entre a pornografia e a moda em 1975, quando a Vogue publicou sete fotos de um desfile de moda em que aparecia um homem em roupão que golpeava uma modelo enquanto esta gritava, estando ela vestida num lindo macacão cor-de-rosa (marca Saks, 140 dólares; foto: Avedon)”. Bazaar, de Harper, reforçava o mesmo ponto desta forma: “Muito antes da Cinquenta Sombras serem um sucesso, designers inspiraram-se em BDSM. Desde verdadeiros chicotes a fitas para os pulos, tornozelos ou cintura, já para não falar da abundancia do uso do couro enquanto material: sem dúvida Christian Grey ficaria orgulhoso.” A violência contra a mulher, tanto implícita como explicita, sobeja nos jogos de consolas e, obviamente, na pornografia. Também na música pop o estilo sadomasoquista se tem estendido amplamente. O número de cantoras globalmente famosas que não prestaram homenagem à pornografia e ao sadomasoquismo é cada vez mais diminuto. Por que razão tantas mulheres aderem a esta imagem feminina de submissão e inferioridade numa época em que a sua liberdade é maior do que nunca? Será que o êxito das Cinquenta Sombras sugere que os homens se têm tornado tão difíceis de se conquistarem que qualquer meio para os atrair é lícito, independentemente de quão degradante este possa ser?

O assédio sexual

A alegria também não abunda noutra realidade pós-pílula: a dos contínuos escândalos sexuais no mundo secular em 2017 e 2018, e do movimento #MeToo. Parece que a revolução sexual deu carta-branca ao assédio sexual. Isto não é uma afirmação teológica mas empírica, prevista em parte pelo cientista social Francis Fukuyama. O seu livro a A Grande Ruptura, de 1999, chama a atenção para algor relevante que faz eco da Humanae Vitae, embora com base numa análise absolutamente secular:

Uma das maiores fraudes perpetuadas durante a Grande Ruptura foi a noção de que a revolução sexual era neutral do ponto de vista do género, beneficiando os homens e as mulheres em igual medida. Na realidade a revolução sexual serve os interesses dos homens, e no final, impões sérios limites aos ganhos que as mulheres poderiam de outra forma esperar da sua libertação de papéis mais tradicionais.

Quase 20 anos depois, este ponto tornou-se irrefutável. Os escândalos dos abusos mostram que a revolução democratizou o assédio sexual. Um homem já não precisa de ser um rei ou o mestre do universo para abusar uma mulher ou ser um predador implacável e obstinado, agindo com impunidade durante muito tempo. Só é necessário um mundo em que se assume que as mulheres usam contracepção, o mundo que temos desde os anos 60, o mundo que a Humanae Vitae previu.

O que foi a Superpopulação?

Isto leva-nos a outra realidade. Cinquenta anos depois da revolução sexual, um dos temas mais urgentes e cada vez mais importantes para os peritos não é o superpopulação, mas precisamente o oposto, o problema da baixa natalidade. Há dez anos atrás, revi os dados apresentados como base para as teses em torno do medo da superpovoação dos finais dos anos 60, e era só isso, medo. Não foi por coincidência que tal foi útil do ponto de vista ideológico aos que defendiam que a Igreja devia mudar o que ensinava do ponto de vista moral. Como chamei à atenção em 2008:

A teoria da superpovoação está tão desacreditada cientificamente, que este mesmo ano, o historiador da Universidade de Columbia Mathew Connelly pode publicar Fatal Misconception: The Struggle to Control World Population e receber uma crítica favorável da Publishers Weekly: tudo em benefício daquela que provavelmente é a melhor refutação dos argumentos anti natalistas que, alguns esperavam acabar por desacreditar o que ensinava a Igreja. O que torna toda esta ratificação ainda mais satisfatória é o facto de Connelly fazer tanta questão em deixar claro a sua hostilidade pessoal à igreja católica… Fatal Misconception é a prova (secular) decisiva de que a fantasia da superpopulação, que se utilizou para intimidar o Vaticano em nome da Ciência, foi desde o princípio um erro grotesco.


A epidemia da solidão

A última década deixou as coisas claras. Não é só o facto de a “superpopulação” ser uma quimera ideológica que vacilou, mas que precisamente se verificou o seu contrário. Um grande número de pessoas, especialmente no Ocidente, cada vez mais envelhecido e estéril, estão a sofrer precisamente aquilo a que os especialistas destas sociedades afligidas apelidam de a “epidemia da solidão”. Este fenómeno não surpreenderia o Papa Francisco, que numa entrevista recente com la Repubblica em 2013 considerou a “solidão dos velhos” um dos piores “males” no mundo de hoje. Cinquenta anos depois da adopção da pílula, inegavelmente, devido à adopção da pílula, a solidão está em expansão através daqueles países no mundo que prosperam materialmente.

No final do ano passado, o New York Times, publicou uma história horrível sobre a queda da natalidade: 4.000 mortes em completa solidão numa semana. Cada ano, no Japão, alguns morrem sem ninguém dar por isso e os seus vizinhos só se dão conta mais tarde através do cheiro.

A primeira vez que aconteceu, ou pelo menos a primeira vez que chamou a atenção nacional, o corpo de um homem de 69 anos que vivia perto da Sra. Ito estava jazido no chão há três anos, sem que ninguém se tivesse dado conta da sua ausência. A sua renda mensal e outros pagamentos eram debitados directamente da sua conta bancária. Finalmente, quando as suas poupanças se esgotaram no ano 2000 é que as autoridades foram a casa dele e se deram conta do seu esqueleto junto da cozinha, o seu corpo fora completamente devorado por insectos e larvas, isto a uns meros metros dos seus vizinhos do lado.

O artigo continua dizendo: “A extrema solidão dos idosos japoneses é tão comum que toda uma nova indústria nasceu em torno dela, especializada em limpar apartamentos onde restos em decomposição são encontrados”. De acordo com outro relatório publicado pelo The Independent, as empresas de limpeza estão em grande e algumas empresas de seguros oferecem apólices que protegem o senhoria em caso de um “solitário” falece na sua propriedade.

O Japão é apenas um dos países a enfrentar alterações demográficas pós-pílula. “A solidão está a converter-se num fenómeno comum em França” noticiava o Le Figaro há uns anos. O artigo, citando um estudo sobre as “novas solidões /novos isolamentos” da Fondation de France, apontava como principal factor para esta solidão: a “ruptura familiar”, especialmente o divórcio. De forma semelhante, em 2004 um estudo sobre “Socio-Demographic Predictors of Loneliness Across the Adult Life Span in Portugal” concluía que o divórcio aumenta a probabilidade de solidão – ainda que não estudasse a influência de ter ou não crianças. Curiosamente, podemos ler vários estudos sobre solidão sem que seja feita qualquer referência a filhos, uma omissão gritante que diz muito sobre a nossa época.

Sem filhos

A cultura laical está atenta. Na Suécia, em 2015, um documentário sobre a Teoria do Amor Sueco questionava o domínio da “independência” como ideal no país. Parece-se mais com uma maldição do que com uma bênção quando metade dos suecos vivem em agregados familiares de um. Como um relatório narrava retratava:

Um homem está sozinho no quarto. Jaz morto há três semanas – as pessoas só reparam quando um cheiro fétido surge nos corredores comunitários. À medida que as autoridades suecas investigam o caso descobrem que o homem não tem nem familiares próximos, nem amigos. É muito provável que tenha vivido só durante vários anos, sentado solitariamente em frente da sua televisão ou do seu computador. Ao fim de algum tempo, descobrem que tem uma filha, mas esta acaba por ser impossível de localizar… Aparentemente tinha muito dinheiro guardado no banco. Mas qual a sua utilidade se não tem niguém com quem partilhá-lo.

E depois temos a Alemanha. Num artigo, no Der Spiegel, intitulado “Alone by the Millions: Isolation Crisis Threatens German Seniors” o German Centre of Gerontology reportava:

Mais de 20 por cento dos Alemães com mais de 70 anos não tem contactos regulares ou apenas o estabelece com uma pessoa. Um em cada quatro recebe menos de uma visita por mês de amigos e conhecidos, e quase um em cada dez já não recebe qualquer tipo de visita. Muitos idosos já não têm quem lhes trate pelo primeiro nome ou que pergunte como têm passado.

Tamanha pobreza humana abunda numa sociedade inundada pela riqueza material. Isto, também, não foi previsto por aqueles discutiam a favor e contra a Humanae Vitae em 1968. Ainda assim, sem dúvida alguma, o que une estes tristes retratos é a revolução sexual que em meados de 1970 incendiava o Ocidente, levando a um aumento do número de divórcios, diminuindo o número de casamentos e esvaziando os berços. Não é necessário estudar demografia para fazer a ligação a evidência dos sentidos basta. Como uma vítima incisivamente sumarizava no Der Spiegel:

“ Para além dos pássaros quase ninguém visita as mulheres idosas. Erna J. tem cabelo branco e próteses ortopédicas pretas e como a maioria das pessoas da sua idade sofre de extrema solidão. Nasceu pouco depois da Primeira Guerra Mundial e mudou-se para este apartamento há 50 anos. Dez anos depois o seu marido faleceu. Viveu mais do que todos os seus irmãos e amigas. O seu marido não queria ter filhos. “Devia ter insistido” diz a antiga cozinheira, “ e talvez hoje não estivesse tão sozinha”.

Igrejas em decadência

Mais uma vertente a ponderar é a histórica e vale a pena reiterar que nalguns quadrantes existe a esperança de que a Igreja Católica deixe de parte a sua intransigência nalguns pontos doutrinais supostamente retrógrados. As igrejas que se adaptaram à revolução sexual conheceram o seu fim a partir do seu interior. Como uma manchete do The Guardian, em 2016, dizia sucintamente na véspera de uma conferência controversa em Lamberth onde representantes Africanos da comunhão Anglicana divergiam novamente de alterar os ensinamentos morais: “The Anglican schism over sexuality marks the end of a global church”. Em 1930, as pessoas ficariam chocadas se lhes dissessem que a guerra doutrinal sobre o sexo levaria à divisão da igreja Anglicana, que partes da comunidade iriam entrar em conflitos legais por igrejas e jurisdições assim como por questões doutrinais; que a separação entre Norte e Sul, Episcopalianos e Anglicanos, África e Europa, resultaria em divisões e subdivisões, em tristeza e amargura a uma escala global.

Em 1998 o Bispo John Shelby Spong de Newark, Nova Jérsia, um dos líderes da Igreja Episcopal que incitava a abertura à revolução sexual, publicou um livro chamado “Why Christianity Must Change or Die”, acentuando a destruição da Tradição. O Cristianismo de que falava de facto mudou, exactamente como ele e outros esperavam. E agora a nova versão pela qual lutavam está a morrer. Segundo David Goodhew, editor do volume de 2016, Growth and Decline in the Anglican Communion: 1980 to the Present realizado por Jeremy Bonner sobre a Igreja Episcopal mostra que:

Por volta de 2000 estabeleceu-se um declínio acentuado… A média da assistência ao Domingo diminuiu cerca de um terço ente 2000 e 2015… Que o número de Baptismos passou para quase metade em trinta anos… Mas o dado mais dramático refere-se aos casamentos, em 2015 a Igreja Episcopal celebrou menos de um quarto do número de casamentos celebrados em 1980.

Os tristes factos da história religiosa a favor da posição profética de Paulo VI falam por si. Um desastre acometeu a igreja Anglicana por fazer exactamente o que defendiam os dissidentes da Humanae Vitae: Fazer excepções para as regras que as pessoas acham difíceis. Seguramente qualquer pessoa que incite Roma a seguir o exemplo de Lambeth deve primeiro explicar de que maneira o fim do Catolicismo será diferente. Como David Goodhew também apontou no seu artigo “Facing Episcopal Church Decline”: “Se acreditamos que a fé Cristã são boas notícias deveríamos procurar a sua proliferação e preocupar-nos quando diminui.”




A encíclica que não arde

“Manuscritos não ardem”. Na obra-prima do século XX de Mikhail Bulgakov, Margarita e o Mestre, um autor desesperado encurralo dentro do regime opressivo soviético tenta queimar o seu próprio livro não publicado - apenas para aprender num desfecho redentor que é impossível. Bulgakov conseguia ver com a sua alma aquilo que nunca testemunharia com os seus olhos. Demasiado perigoso para ser publicado sob alçada do regime comunista Margarita e o Mestre apenas seria publicado quase trinta anos depois da morte do autor em 1940, tornando-se e permanecendo um fenómeno literário pelo mundo inteiro.

“Manuscritos não ardem” tornou-se num grito de guerra traduzindo a natureza indomável da verdade. Verdade, artística ou não, pode não ser desejada, inconveniente, ressentida, gozada nos melhores lugares, até acossada ou suprimida. Mas tudo isso não a torna nada menos do que verdade. Neste momento de vigilância interna e externa da Igreja uma comunidade global conhece as verdades da Humanae Vitae e transmite os seus ensinamentos como verdades, independentemente de serem incómodas ou difíceis. Encontram-se entre os últimos peregrinos numa linha que se estende por mais de dois mil anos. Fizeram inúmeros sacrifícios para se encontraram onde estão e continuam a fazê-los, abdicando inclusivamente da boa opinião pública num mundo ridicularizador.

Estes católicos de berço, convertidos e reconvertidos, e demais acompanhantes não-Católicos, tanto clérigos como leigos, têm todos a consolação de uma última realidade que pode ser a mais importante de todas. Quaisquer que sejam as ansiedades do momento, independentemente da proeminência ou da dispersão do descontentamento o aumento contínuo de dados empíricos continua a justificar a encíclica de Paulo VI. Humanae Vitae não arde.

Mary Eberstadt é uma investigadora do Faith and Reason Institute e autora de vários livros incluindo How the West Really Lost God e Adam and Eve After the Pill.

- Versão do artigo original publicada em Aceprensa.

Fonte: site do Opus Deis em https://opusdei.org/pt-pt/document/o-poder-profetico-da-humanae-vitae/ com seleção de imagens 'Spe Deus'

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