Esta maneira tão expressiva, usada pelo Santo Padre, para falar da santidade «comum», que nos passa quase despercebida, mas não aos olhos de Deus, aplica-se em primeiro lugar a Jesus, Maria e José.
À sua porta passavam vizinhos, parentes, amigos, colegas de ofício, clientes, forasteiros, mendigos, sem se darem conta da Santidade que ali «morava». Por isso, não se há-de entender a «classe média da santidade» - outra sugestiva expressão do Papa - como mediania nas virtudes, ou seja, como uma exigência menor, para os fiéis comuns, da que se espera dos consagrados, visto que todos somos chamados a atingir a plenitude cristã. Assim o confirma o Vaticano II: «Nos vários géneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus (…) Cada um, segundo os próprios dons e funções, deve progredir sem desfalecimento pelo caminho da fé viva, que estimula a esperança e que actua pela caridade» (LG 41).
É isso que é preciso «redescobrir» em cada geração cristã, sempre inclinados como somos a dividir-nos em categorias ou classes de perfeição, o que nos agrada enganosamente, ou por sentir-nos menos exigidos, ou mais privilegiados por Deus.
Então não poderemos comparar o nível espiritual de um sacerdote, imerso em teologia, em culto litúrgico, em serviço das almas, ou de um monge, de um missionário, etc., totalmente dedicados à oração e ao apostolado e com uma formação superior, ao nível que a Igreja pode esperar de um qualquer leigo, atolado no trabalho e absorvido por obrigações caseiras, ou mesmo de educação rudimentar, ou psicologicamente diminuído?
Não. Para o que diz respeito à santidade, não há diferenças, graus, nem categorias. S. Juan Diego era um «ignorante». Ignorantes, os pastorinhos de Fátima. Santa Isabel de Aragão, uma mulher imersa em questões políticas. S. Nun’Álvares, também. Etc., etc., etc. É verdade que, sem sacerdotes, não haveria Igreja; sem consagrados, teria sido um deserto de espiritualidade; sem missionários, um espaço cerrado por fronteiras… Quem duvida da necessidade de tantas e tão importantes vocações? Mas, quanto à santidade, a igualdade é absoluta. «Tens obrigação de te santificar. – Tu, também. – Quem pensa que é tarefa exclusivas de sacerdotes e religiosos? / A todos, sem excepção, disse o Senhor: “Sede perfeitos, como o meu Pai Celestial é perfeito”». (Caminho, 291).
Outra coisa é a dolorosa verificação de que a imensa maioria dos fiéis padece de ignorância crassa nos domínios da fé e da espiritualidade, justamente por causa dessa mentalidade ancestral que os marginaliza da santidade. Deviam ter desenvolvido a sua fé, doutrinal e prática, pelo menos em igual medida em que se desenvolveram intelectual e profissionalmente, mas, qual o quê! Inclusive entre os «praticantes», que sabe dos Evangelhos a maioria, ou do Credo? Ou sequer do Pai-Nosso? Manifestam virtudes admiráveis, tantos e tantas, mas com que relação a Deus Uno e Trino, a Nosso Senhor Jesus Cristo, à vida eterna, à vida sobrenatural?
Não interessa procurar causas, culpas e culpados; o que é urgente é dar a todos os baptizados a consciência da sua própria responsabilidade doutrinal, sacramental, ascética e apostólica, a que foram chamados pelo Baptismo. «Esta é a principal forma da catequese, porque se dirige a pessoas que têm as maiores responsabilidades e a capacidade para viverem a mensagem cristã na sua forma plenamente desenvolvida» (João Paulo II, CT, 41). Ou, como dizia muitos séculos antes S. Paulo, «até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, segundo a estatura própria da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos crianças flutuantes e levados ao sabor de todo o vento de doutrina» (Ef 4, 13-14).
H.A. («Celebração Litúrgica» 4 / 2018)
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