Uma observação
que sempre faço é que a alegria genuína se tornou mais rara. A alegria está
hoje, por assim dizer, cada vez mais sobrecarregada de hipotecas morais e
ideológicas. Quando uma pessoa se alegra, até tem medo de faltar à solidariedade
com os muitos que sofrem. Pensa-se: Na realidade, nem posso alegrar-me num
mundo em que existe tanta miséria, tanta injustiça.
Posso
compreender isso. Estamos perante uma atitude também moral. Contudo, essa atitude
é um erro. Porque o mundo não se torna melhor graças à perda da alegria: e,
pelo contrário, o "não se alegrar" por causa do sofrimento também não
ajuda os que sofrem.
Mas, por outro
lado, o mundo precisa de pessoas que descubram o bem, que se alegrem por causa
dele e que, desse modo, encontrem a energia e a coragem para o bem. A alegria,
portanto, não exclui a solidariedade. Quando é correcta, quando não é egoísta, quando
vem da percepção do bem, então também quer comunicar-se e se perpetua. O que volta
sempre a chamar-me a atenção é que se encontram, nos bairros pobres, por exemplo,
na América do Sul, muito mais pessoas rindo, alegres, do que entre nós.
Manifestamente,
apesar de destituídas de tudo, ainda têm a percepção do bem, que as orienta
como força inspiradora.
Nessa medida,
precisamos outra vez dessa confiança originária, que, em última análise, só a
fé pode dar: [a confiança de saber] que, no fundo, o mundo é bom, que Deus está
presente e é bom, que é bom viver e ser humano. Daí vem também a coragem para a
alegria, que, por sua vez, leva a que outros se alegrem e possam receber a Boa
Nova.
(Cardeal Joseph Ratzinger em ‘O sal
da terra’ págs. 30-31)
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