Na
sua fragilidade humana nenhum de nós pode saber quanto tempo durará a situação presente,
nem que consequências terá, a curto, médio ou longo prazo. Tampouco sabemos
quantos e quais de nós serão atingidos. Pelo menos as consequências económicas,
sofrê-las-emos todos; e ainda que não sejamos diretamente tocados, teremos o
nosso quinhão de dor e sofrimento — quanto mais não seja ao ver os outros
sofrer, já que quem ama padece, porque se compadece.
Em 261 A. C. o rei indiano Axoca,
o primeiro a unificar a Índia, apoderou-se do reino de Kalinga, na costa
oriental da península. Foi uma campanha dura, em que pereceram milhares de
pessoas, espetáculo de tal modo terrível que o rei se converteu ao budismo,
religião pacifista, e, convicto de que "a primeira de todas as vitórias é
a vitória da Lei", desistiu de proceder a mais conquistas. E em vários
lugares dos seus reinos mandou gravar uma inscrição em que, além de recomendar
aos seus sucessores que se abstivessem de novas guerras, deixava exarado:
Oito anos após a sua sagração o
rei amigo dos deuses e de olhar amigo conquistou o Kalinga. Cento e cinquenta
mil pessoas foram deportadas; cem mil foram mortas; e muitos mais ainda
acabaram por perecer. Desde então, ardentes são junto ao rei amigo dos deuses,
o exercício da Lei, o amor da Lei e a pregação da Lei (…). E mesmo os felizes
que puderam conservar as suas afeições, uma vez que a infelicidade tocou os
seus amigos, familiares, companheiros ou parentes, foi também para eles um
violento golpe. Esta participação entre todos os homens é um pensamento que
aflige o amigo dos deuses…
Sentimentos idênticos, ou melhores
ainda, devemos acalentar nós, os que recebemos a luz do Evangelho. Por isso,
sejamos atingidos ou escapemos, na nossa pessoa ou na do outros, todos sofreremos.
Quer nos seus desígnios inefáveis
Deus tenha decidido que pereçamos ou pereçam os nossos, quer não, cantemos pois
como cantou Habacuc, ao entrever que o triunfo de Deus envolve dor para as
criaturas; mas que acima de todo o sofrimento paira a glória do Senhor:
Senhor, ouvi a Tua fama e
enchi-me de temor,
contemplei
as Tuas obras, fui tomado de estupor. (…)
O Senhor virá de Teman,
e o Santo
do monte de Faran,
de um
monte sombrio e frondoso.
A sua majestade cobre os céus,
de seu
louvor está cheia a terra. (…)
À Sua frente caminha a peste,
jorra a febre
de Seus pés. (…)
Ouvi e estremeceram-me as
entranhas
meus lábios
tremeram com a notícia;
a cárie
penetrou-me os ossos
e
vacilaram os meus passos. (…)
Contudo conclui:
Pode não dar rebentos a
figueira;
pode
faltar na vinha o cacho,
ser um
engano a frutificação da oliveira,
e não
darem mais os campos que comer;
podem
desaparecer as ovelhas do redil
e dos
estábulos os bois.
Mas eu exultarei no meu Senhor
rejubilarei
em Deus meu Salvador.
O Senhor meu Deus é a minha
força,
Ele dará a
meus pés a rapidez da corça;
far-me-á
subir às alturas, vencedor,
cantando-lhe
salmos ao som da minha lira.
(Hab 3, 2, 19)
Se
tivermos de morrer, morramos ao menos como mártires, na acepção etimológica do
termo, ou seja, como testemunhas:
testemunhando que, como gostam de repetir os muçulmanos, Allahu akbar, "Deus é o maior!".
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