A
história do homem que morreu por o não abranger o cinto sugere-nos que, antes
de rematar estes considerandos, façamos uma reflexão mais, que na situação
atual se impõe: a fé não pode jamais ser uma desculpa fácil para que não tomemos
as precauções se impõem, pois Deus não socorre a quem se deita a dormir. Os
antigos Padres consideravam nomeadamente que não tomar medicamentos é um sinal
de orgulho, pois corresponde à presunção estulta de que Deus fará por nós o que
não faz pelos demais, como se a nossa pessoa fosse algo de especial.
A esse propósito vale a pena
recordar a historieta reportada por S. João Cassiano (Conferências, I, ii, 6) entre os ensinamentos do abade Moisés, um
dos mestres espirituais do deserto de Scetê, no Baixo Egito:
Que direi daqueles dois irmãos
que, como vivessem para lá do deserto da Tebaida, onde outrora estivera o
bem-aventurado Antão, movidos de uma indiscrição incauta ao internarem-se na
extensa vastidão do ermo decidiram não tomar alimento algum a não ser o que o
Senhor por Si próprio lhes facultasse. E como errando pelo deserto, já a
desfalecer de fome, os vissem de longe uns Mazices [berberes nómadas
considerados muito cruéis] e, contra a sua feroz natureza, os socorressem com
pães, um deles, sobrevindo-lhe a discrição, recebeu com alegria e ação de
graças os que lhe estendiam, como vindos do Senhor, considerando que sem Deus
não sucederia que gente sempre ávida de sangue humano, quando faltos de tudo já
desfaleciam, liberalmente lhes dessem o sustento. O outro, porém, recusando o
alimento como oferecido por mão de homem, à míngua e à fome se finou. E assim,
conquanto ambos de início tenham partido de uma persuasão repreensível, um
deles, sobrevindo-lhe a discrição, emendou o que incauta e temerariamente
concebera, ao passo que o outro, perseverando na sua estulta persuasão,
profundamente falto de discrição, tornou-se culpado de sua própria morte, que o
Senhor quis evitar, não querendo crer que tivesse sido por inspiração divina
que ferozes bárbaros, esquecidos da própria ferocidade lhe tivessem estendido
pães em lugar de espadas.
É
por estarmos cônscios de que tudo vem da mão de Deus, mas que tal consciência nos
não exclui do número dos filhos de Adão — que, como reza a Anáfora de S.
Basílio, o Senhor com justiça, expulsou do Paraíso para este mundo, fazendo-o
voltar à terra donde tinha sido tirado — que devemos aceitar com resignação a
situação presente, com todas as suas implicações. E dessas não é a menor uma
Páscoa no isolamento, privada da consolação da liturgia, a que para o bem de
todos somos forçados a renunciar.
(continua, são no total VII reflexões)
(continua, são no total VII reflexões)
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