Desta conclusão tiro pretexto
para uma quarta reflexão. Se nos não é lícito dizer que tal ou tal
acontecimento sobreveio como castigo de Deus para tal ou tal pessoa, é-nos
possível, mesmo desejável, ver nas tribulações que de quando em quando nos
afetam apelos do Senhor, que através delas nos educa. Recordemos o ensinamento do
próprio Cristo, reportado por S. Lucas (13, 1-5):
Nessa ocasião
apareceram alguns a dar-Lhe a notícia dos galileus cujo sangue Pilatos havia
misturado com o dos sacrifícios deles. Disse-lhes Ele em resposta:
"Julgais que esses galileus por terem sofrido tal pena eram mais pecadores
que todos os outros galileus? Não, digo-vos Eu; mas se não vos arrependerdes,
perecereis todos igualmente. E aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de
Siloé e os matou: julgais que eram mais culpados que todos os outros habitantes
de Jerusalém? Não, digo-vos Eu; mas se vos não arrependerdes, perecereis todos
da mesma maneira!"
De facto, a pedagogia divina tem
por vezes de recorrer a modalidades mais fortes, já que, por falta de
sensibilidade e atenção, nem todos conseguem apreender as mais fracas. Isso
recorda-me o comentário de S. Agostinho ao milagre da multiplicação dos pães,
no seu 24º Tratado sobre o Evangelho de
João:
Os milagres que fez nosso Senhor Jesus Cristo
são deveras obras divinas e movem a mente humana a compreender Deus a partir de
cousas visíveis. Já que sua substância não é tal que se possa ver com os olhos,
e os milagres pelos quais rege todo o mundo e administra toda a criatura,
devido à sua assiduidade, perderam preço, a ponto de quase ninguém se dignar
atender às admiráveis e estupendas obras de Deus em qualquer grão de semente,
segundo a sua própria misericórdia reservou para si algumas, para as fazer em
tempo oportuno, contra a ordem e curso habitual da natureza: para que as
admirassem não por serem maiores, mas mais raras que as quotidianas, que
perderam o valor. Maior milagre é, com efeito, o governo de todo o mundo que a
satisfação de cinco mil pessoas com cinco pães. E no entanto, com aquele
ninguém se admira, não porque esta seja maior, mas porque é mais rara. Quem é
que agora alimenta o mundo inteiro, senão Aquele que de poucos grãos cria as searas?
(continua, são no total VII reflexões)
(continua, são no total VII reflexões)
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