Próculo nasceu na Calábria (Sul de Itália) no ano 272, numa época em que matar cristãos era um desporto habitual do império romano. O primeiro nome deste rapaz atlético (tinha 1,90 m) era Próculo, o apelido é o mês em que nasceu, Janeiro. Ainda muito novo, foi bispo na Itália do Sul. Morreu com 33 anos no dia 19 de Setembro de 305, decapitado, juntamente com bastantes outros cristãos, leigos, padres e diáconos.
Januário era estimadíssimo pelo povo, razão pela qual houve uma hesitação na sua condenação às feras, para evitar sublevações populares. Afinal, as autoridades ganharam coragem e cortaram-lhe a cabeça. Logo depois da decapitação, os cristãos conservaram o sangue, como era hábito. Compreende-se que os documentos cristãos tivessem guardado a memória da senhora cristã corajosa que se encarregou de recolher o sangue do bispo em duas ampolas: chamava-se Eusébia.
Três vezes por ano, o sangue de S. Januário, já com 17 séculos de história, volta a liquefazer-se, como sangue vivo. Desde há muitos anos, o milagre repete-se numa cerimónia soleníssima presidida pelo Cardeal Arcebispo de Nápoles e, no final, durante uma semana, as ampolas ficam à disposição dos fiéis, que as podem ver de perto e beijar.
O sangue liquefaz-se no início de Maio, aniversário da trasladação das relíquias, em Setembro, no aniversário do martírio, e no dia 16 de Dezembro, em memória de um rio de lava a escorrer do vulcão Vesúvio, que estacou à entrada de Nápoles, depois de o povo ter invocado S. Januário, no ano de 1631.
Geralmente, o sangue de S. Januário liquefaz-se nestas ocasiões mas, nalguns anos, isso não acontece, por razões que não se conhecem. Os devotos de S. Januário notam que esses casos têm coincidido com desgraças que acontecem à cidade. Existe na catedral um livro em que estão apontados todos os casos, ao longo dos séculos, em que o sangue não se liquefez, ou em que esse fenómeno ocorreu fora das datas habituais.
Muitos Papas peregrinaram a Nápoles mas nenhum se pronunciou sobre o eventual carácter milagroso da liquefacção do sangue contido nas duas ampolas. Paulo VI disse em 1966: «…tal como este sangue palpita em cada festa, assim a fé do povo de Nápoles possa palpitar, reflorir e afirmar-se». Comprometer-se, nada. Mesmo assim, em Nápoles e em toda a Itália, as pessoas gostam de olhar com devoção para aquelas ampolas e lembrar-se de que Deus cuida de nós, rodeado santos, de multidões de santos que foram fiéis e se interessam por nós.
Vem isto a propósito de algo que aconteceu pela primeira vez na passada festa de S. José, no dia 19 de Março de 2015. Nunca na história o sangue de S. Januário se tinha liquefeito durante a visita de um Papa a Nápoles: nem no século XIX com Pio IX, nem mais recentemente com João Paulo II, ou Bento XVI. Liquefez-se agora, no final das palavras que o Papa Francisco dirigiu aos fiéis e ao clero.
O Papa Francisco, falando sem discurso escrito, insistiu no amor à Igreja, «porque não se pode amar Jesus sem amar a sua Igreja», e na missão de evangelizar, «a Igreja existe para levar Jesus à gente». Falou também do amor a Nossa Senhora: «Jesus e Nossa Senhora são o ponto de partida». Lembrou o perigo da mundanidade, o exagero no conforto e nos gastos, «o espírito do mundo», que Jesus não queria. Falou a seguir do testemunho de vida dos cristãos: «isso é que atrai vocações!». Depois, referiu um aspecto característico do testemunho cristão, a alegria: «se há tristeza, qualquer coisa não funciona, na relação com Deus». Finalmente, alertou para o «terrorismo da murmuração»: «as críticas destroem, as diferenças discutem-se frente a frente».
Quando o fenómeno se começou a notar, a seguir ao discurso do Papa, o Cardeal de Nápoles disse ao microfone, entusiasmado: «é sinal de que S. Januário gosta de Nápoles e do Papa Francisco: metade do sangue liquefez-se!». A multidão aplaudiu longamente e o Papa comentou com o seu humor espontâneo: «Se se liquefez a meias, quer dizer que temos de nos esforçar mais, temos que ser melhores. O Santo só gosta de nós a meias». Um minuto depois, o sangue das ampolas liquefazia-se completamente.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar», «ABC Portuguese Canadian Newspaper», 30-III-2015
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