Começamos a Quaresma com a receção das cinzas: «Lembra-te que és pó da terra e à terra hás de voltar» (cf. Gn 3, 19). O pó sobre a cabeça faz-nos ter os pés assentes na terra: recorda-nos que viemos da terra e, à terra, voltaremos; isto é, somos débeis, frágeis, mortais. No longo decorrer dos séculos e milénios, passamos num ai; comparados com a imensidão das galáxias e do espaço, somos minúsculos; somos um bocado de pó no universo. Mas somos o pó amado por Deus. Amorosamente o Senhor recolheu nas suas mãos o nosso pó e, nele, insuflou o seu sopro de vida (cf. Gn 2, 7). Por isso somos um pó precioso, destinado a viver para sempre. Somos a terra sobre a qual Deus estendeu o seu céu, o pó que contém os seus sonhos. Somos a esperança de Deus, o seu tesouro, a sua glória.
Deste modo, a cinza recorda-nos o percurso da nossa existência: do pó à vida. Somos pó, terra, barro; mas, se nos deixarmos plasmar pelas mãos de Deus, tornamo-nos uma maravilha. Todavia muitas vezes, sobretudo nas dificuldades e na solidão, vemos só o nosso pó! Mas o Senhor encoraja-nos: o pouco que somos, aos olhos d’Ele tem valor infinito. Coragem! Nascemos para ser amados; nascemos para ser filhos de Deus.
No início da Quaresma, amados irmãos e irmãs, consciencializemo-nos disto. Porque a Quaresma não é o tempo para fazer cair sobre o povo inúteis moralismos, mas para reconhecer que as nossas míseras cinzas são amadas por Deus. É tempo de graça, para acolher o olhar amoroso de Deus sobre nós e, assim contemplados, mudar de vida. Estamos no mundo para caminhar da cinza à vida. Então, não pulverizemos a esperança, nem incineremos o sonho que Deus tem sobre nós. Não cedamos à resignação. Dizes tu: «E como posso ter confiança? O mundo vai mal, o medo alastra, há tanta malvadez e a sociedade está a descristianizar-se...» Mas tu, não acreditas que Deus pode transformar o nosso pó em glória?
A cinza, que recebemos na testa, abala os pensamentos que temos na cabeça. Lembra-nos que nós, filhos de Deus, não podemos viver correndo atrás do pó que desaparece. Pode descer da cabeça ao coração esta pergunta: «Para que vivo eu?» Se vivo para as coisas do mundo que passam, volto ao pó, renego aquilo que Deus fez em mim. Se vivo só para arrecadar algum dinheiro e divertir-me, procurar um certo prestígio, fazer carreira, então estou a viver de pó. Se julgo má a vida, só porque não sou tido suficientemente em consideração, ou não recebo dos outros o que acho merecer, estou ainda com o olhar no pó.
Não estamos no mundo para isso. Valemos muito mais, vivemos para muito mais: para realizar o sonho de Deus, para amar. A cinza pousa nas nossas testas, para que, nos corações, se acenda o fogo do amor. Com efeito, somos cidadãos do céu. E o amor a Deus e ao próximo é o passaporte para o céu; é o nosso passaporte. Não poderão valer-nos os bens terrenos que possuímos – são pó que desaparece! –, mas salvar-nos-á o amor que oferecemos na família, no trabalho, na Igreja, no mundo: tal amor permanecerá para sempre.
A cinza que recebemos recorda-nos um segundo percurso: o percurso contrário, que vai da vida ao pó. Olhamos em redor e vemos pó de morte, vidas reduzidas a cinzas: escombros, destruição, guerra. Vidas de bebés inocentes não acolhidos, vidas de pobres rejeitados, vidas de idosos descartados. Continuamos a destruir-nos, a fazer-nos voltar ao pó. E quanto pó existe nas nossas relações! Vejamos em nossa casa, nas famílias: quantas brigas, quanta incapacidade de neutralizar os conflitos, quanta dificuldade em pedir desculpa, perdoar, recomeçar, enquanto com tanta facilidade reclamamos os nossos espaços e direitos! Há tanto pó que suja o amor e embrutece a vida. Mesmo na Igreja, a casa de Deus, deixamos depositar tanto pó, o pó do mundanismo.
E olhemo-nos dentro, no coração… Quantas vezes sufocamos o fogo de Deus com a cinza da hipocrisia! A hipocrisia: é a imundície que hoje, no Evangelho, Jesus pede para remover. De facto, o Senhor não diz apenas para fazer obras de caridade, rezar e jejuar, mas que tudo isso seja feito sem fingimento, sem falsidade nem hipocrisia (cf. Mt 6, 2.5.16). E, contudo, quantas vezes fazemos algo só para ser louvados, para meter figura, para me vangloriar! Quantas vezes nos proclamamos cristãos e, no coração, cedemos sem problemas às paixões que nos escravizam! Quantas vezes pregamos uma coisa e fazemos outra! Quantas vezes nos mostramos bons por fora e dentro incubamos rancores! Quanta duplicidade temos no coração... É pó que suja, cinza que sufoca o fogo do amor.
Precisamos de limpar o pó que se deposita no coração. Como fazer? Ajuda-nos o veemente apelo de São Paulo na segunda Leitura: «Deixai-vos reconciliar com Deus!» Paulo não o exige; suplica-o: «Em nome de Cristo suplicamo-vos: deixai-vos reconciliar com Deus!» (2 Cor 5, 20). Nós teríamos dito: «Reconciliai-vos com Deus». Mas ele, não; usa o passivo: deixai-vos reconciliar. Porque a santidade não é obra nossa; é graça. Sozinhos, não somos capazes de tirar o pó que suja o coração, pois só Jesus, que conhece e ama o nosso coração, pode curá-lo. A Quaresma é tempo de cura.
Que fazer então? No caminho rumo à Páscoa, podemos efetuar duas passagens: a primeira, do pó à vida, da nossa humanidade frágil à humanidade de Jesus, que nos cura. Podemos colocar-nos diante do Crucificado, ficar lá olhando-O e repetindo: «Jesus, Vós me amais; transformai-me! Jesus, Vós me amais; transformai-me…» E depois de ter acolhido o seu amor, depois de ter chorado à vista deste amor, a segunda passagem, para não voltar a cair da vida ao pó: vai-se receber o perdão de Deus, na Confissão, porque lá o fogo do amor de Deus consome a cinza do nosso pecado. O abraço do Pai na Confissão renova-nos por dentro, limpa-nos o coração. Deixemo-nos reconciliar, para viver como filhos amados, pecadores perdoados, doentes curados, viandantes acompanhados. Para amar, deixemo-nos amar; deixemo-nos erguer, para caminhar rumo à meta – à Páscoa. Teremos a alegria de descobrir que Deus nos ressuscita das nossas cinzas.
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