Detalhe da Anunciação de Caravaggio |
O último número da «Civiltà
Cattolica» (uma revista editada pelos jesuítas, que funciona há quase 200 anos
como órgão oficioso da Santa Sé) transcreve o diálogo do Papa Francisco com os
Superiores Gerais das ordens religiosas, em 25 de Novembro passado. A conversa
aborda muitos temas e as respostas são densas e interessantes. Também falaram
do sacrifício e o Papa referiu-se concretamente ao cilício. Contou que lho
apresentaram logo que entrou nos Jesuítas e afirmou que era útil: «mas atenção:
não é para eu mostrar como sou bom e forte. A verdadeira ascese deve fazer-me
mais livre. Considero que o jejum continua actual: mas como é que eu jejuo? Simplesmente deixando de comer? (...) Há uma ascese diária, pequena, que é uma mortificação
constante».
Não sei justificar o efeito do sacrifício.
Acredito no valor do sacrifício exactamente como na presença de Jesus na
Eucaristia, porque Ele o disse. Em diversas circunstâncias, Jesus colocou os
seus discípulos entre a espada e a parede, com perguntas do género: «também
quereis ir embora?». Passados tantos séculos, ainda não se arranjou resposta melhor
que a de Pedro. Em suma: não percebo, mas se és Tu quem o diz... Pedro é a sensatez
em pessoa, porque Deus não Se engana nem nos pode enganar, mas a incompreensão
permanece, independentemente de se acreditar em Deus e na Igreja. Porque é que
o sacrifício é útil? Mistério!
Há casos simples. O sacrifício
de um tratamento médico compreende-se. O sacrifício de acompanhar alguém que
precisa de ajuda também. Até se compreende o treino desportivo, ou o esforço
para ganhar uma competição. O difícil é compreender o sacrifício de Jesus,
jejuando 40 dias e 40 noites; ou o sacrifício que a Igreja nos pede de jejuar
certos dias da Quaresma: para quê?
Quando o Anjo apareceu aos Três
Pastorinhos, em Fátima, fez-lhes um pedido estranho: «Oferecei constantemente
ao Altíssimo, orações e sacrifícios de tudo o que puderdes, em acto de
reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos
pecadores». E, logo no primeiro encontro com eles, Nossa Senhora perguntou: «Quereis
oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser
enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de
súplica pela conversão dos pecadores?».
A proposta é simples: a pessoa sacrifica-se
(sem ninguém ver) e isso redunda em bem para os outros. Mas como? O Anjo lá
sabe... As crianças, não perguntaram como. Aceitam? Aceitaram. A partir daí, ofereciam
muitas vezes o almoço aos pobres, procuravam coisas amargas, não bebiam água no
auge do calor, apertavam uma corda áspera à volta do corpo, até magoar, e
ofereciam a Deus as doenças, as incompreensões e o medo.
Com a perspectiva dos anos que já
passaram, o Anjo tinha razão. O sacrifício daquelas crianças beneficiou uma
multidão que elas não podiam imaginar, nem chegaram a conhecer. Pelo efeito
misterioso desses sacrifícios escondidos, muitíssimas pessoas se converteram e
mudaram de vida, em Portugal e no resto do mundo.
Deu resultado, mas permanece a incógnita acerca de como
esses sacrifícios transformaram o mundo. Não sei responder, mas pergunto-me: se
um Anjo, ou o Papa, me fizessem a proposta de me sacrificar mais nesta
Quaresma, como é que eu reagiria?
José Maria C.S. André
26-II-2017
Spe Deus
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