Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Eutanásia e o «mito da autonomia»

A solidariedade é sentida como o primeiro e mais expressivo dever de humanidade. Por isso se rebela a inteligência e o coração contra os muros que se erguem e contra os mortos que ninguém chora.

Uma só coisa é certa no debate da eutanásia: está em causa uma fronteira civilizacional. Ultrapassá-la ou defendê-la, depende da perspetiva.

A questão de fundo é inelutável: a centralidade da autonomia, como valor antropológico e jurídico.

É em nome da autonomia que se reclama o direito a decidir quando e em que circunstâncias podemos pôr termo à própria vida; é em nome da autonomia que se exige a assistência médica nesse momento singular; é em nome da autonomia que se postula uma leitura dignificante, altruísta, humanizadora do que até há bem poucos anos era sinal de barbárie… E é também em nome da autonomia que se condena qualquer visão diferente, catalogada como intolerante e sem direito de cidadania, porque, justamente, parece ameaçar a auto-determinação do sujeito.

Sucede, porém, que a autonomia é um mito: um novo dogma moderno com pouco sustentação na realidade. Não, não somos autónomos! Não o é o bebé recém-nascido, nem o idoso, nem o doente terminal. Nem sequer o adulto na plena posse das suas faculdades. Talvez gostássemos de o ser. Talvez até estivéssemos dispostos a queimar incenso no altar da velha Aytomatia grega… mas não somos autónomos!

Pelo contrário: o que é próprio da nossa experiência humana é a contingência, a fragilidade, a necessidade e a dependência face ao outro. Não há segundo da nossa existência em que não estejamos nas mãos de alguém.

Essa vulnerabilidade genética que todos experimentamos, não é aviltante. Pelo contrário: está associada ao que de mais belo e digno tem a nossa condição humana. Somos tanto mais humanos quanto mais somos dos outros e para os outros.

No mundo das ideologias, é possível conceber muitos sujeitos autónomos, mas na realidade da vida – da nossa vida concreta de todos os dias – é impossível encontrar uma única pessoa que o seja realmente.

Por isso, a solidariedade é sentida como um dever: o primeiro e mais expressivo dever de humanidade. Por isso se rebela a inteligência e o coração contra os muros que se erguem e contra os mortos que ninguém chora.

Ora, é justamente aqui que reside a falácia da eutanásia.

Ao reclamar uma plena autonomia para o sujeito, o que se está a fazer é a negar a solidariedade como um dever irrenunciável. Quando aquele que depende de mim pode morrer, que obrigação terei eu de lhe assegurar a vida?

Se a dependência é vista como um fardo, como um indignidade, o direito a uma morte rápida e indolor transforma-se facilmente num dever de morrer dignamente, de não ser pesado, de não onerar o outro com a minha existência.

Não tenhamos dúvidas: é isto o que está em debate na eutanásia. O sofrimento do outro – por quem, infelizmente, poucos realmente se interessam – é apenas um pretexto emocional para a discussão… tudo mais (menos cuidados paliativos, mais consentimento informado, etc.) são minudências de uma discussão que só não vê quem não quer.

Diogo Costa Gonçalves in Observador AQUI
(seleção de imagem 'Spe Deus')
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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