Uma probabilidade não é um facto e a história constrói-se a partir da realidade e não na base de meras suposições
Reza a crónica que Reza Aslan, de 41 anos, muçulmano iraniano mas a residir nos Estados Unidos da América desde 1972, é académico e professor de escrita criativa na Universidade da Califórnia, Riverside. O seu recente livro, «O Zelota – A vida e o tempo de Jesus de Nazaré», agora vertido para português e objecto de ampla reportagem no jornal «i» de 15/02/2014, confirma a sua enorme criatividade, porque mais não é do que uma obra de ficção histórica, em que qualquer parecença com a realidade é mera coincidência.
É curioso que, embora nascido numa família não crente, Aslan, desde cedo, sentiu um especial fascínio pelo transcendente. Contudo, a sua vida conheceu não poucas ambiguidades: entusiasma-se com o fervor religioso da revolução iraniana, mas expatria-se na supostamente terra de Satã, que nem agora, que é muçulmano praticante, troca pelos rigores da ortodoxia maometana da sua pátria. Mais tarde, depois de participar num campo de férias evangélico, adere ao cristianismo, mas numa versão protestante e fundamentalista. Finalmente abraça a fé islâmica mas, paradoxalmente, continua a dizer que Jesus de Nazaré «é um homem interessante, que (…) deu um exemplo que devemos seguir», muito embora ele não só não o siga como o tenha trocado por Alá e pelo seu profeta…
É de saudar este interesse de autores muçulmanos por Cristo, mas é estranho o seu silêncio sobre Maomé. Será que a sua religião, ao contrário da cristã, que reconhece liberdade de pensamento e de expressão teológica aos seus fiéis, não lhes permite opinar em termos teológicos? Ou será que este mal disfarçado empenho em desacreditar Jesus de Nazaré é, afinal, uma acção da vanguarda do proselitismo islâmico no ocidente?
Apesar de se dizer, na referida reportagem, que «O Zelota» é «um retrato histórico, fruto de uma investigação intensa», a verdade é que a pesquisa deve ter sido escassa, porque as conclusões nada têm de histórico, nem de inédito.
Alguns exemplos. Afirma-se que o nascimento de Jesus em Belém é um mito, mas não se apresenta nenhum dado histórico, nem se cita nenhuma fonte que permita negar a veracidade dos dois textos bíblicos do século I que o atestam, nem a antiquíssima tradição local nesse sentido. Sendo de Nazaré Maria e José, julga Aslan que Jesus «deve ter nascido» lá, mas esta suposição carece de fundamento. Não é inverosímil que se nasça noutra terra que não a de que são naturais os progenitores: sei de uma família de oito irmãos, cujos pais e avós eram todos de Lisboa e, no entanto, quatro filhos nasceram no estrangeiro. Na história, como na vida, nem tudo o que parece, é.
Outra afirmação infundada: Jesus era «provavelmente um homem casado». Alguma prova? Nenhuma, mas Aslan acha que «é mais provável que Jesus tenha tido filhos e sido casado». Com a mesma razão, ou falta dela, poderia também supor que, sendo a maioria dos actuais cidadãos portugueses casados e com filhos, também qualquer padre deveria ser, para ele, «provavelmente um homem casado» e com geração… Acontece que uma mera probabilidade não é um facto e a história constrói-se a partir da realidade e não na base de fantasiosas suposições.
Talvez para aproximar o nosso Cristo do seu Maomé, apresenta Jesus como um mal-sucedido revolucionário. Esquece, no entanto, que o divino carpinteiro de Nazaré nunca pretendeu qualquer poder humano, mesmo quando este lhe foi oferecido pelo povo, que o aclamou como rei. Mais ainda, a ambição do poder é, para o Evangelho, a pior tentação, que Cristo liminarmente rejeitou. Não assim para Maomé, cuja crença se assume como política e está na origem dos regimes islâmicos teocráticos.
É tal a imaginação do autor que chega a pormenores que resultam ridículos, como quando sentencia que «Pilatos não terá lavado as mãos» (?!). O facto é irrelevante em si mesmo, mas não a gratuidade da afirmação, para a qual não apresenta, mais uma vez, nenhum suporte histórico credível.
Afinal, «O Zelota» não é uma outra história de Jesus de Nazaré, mas uma estória de um Jesus imaginário, que não o Jesus da história. Só este é, de facto, o Cristo da fé.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
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