A Cruz,
um símbolo horrível?
Em certo
sentido, a Cruz envolve um horror que não lhe devemos tirar. É o modo de execução
mais cruel que a Antiguidade conhecia e que não se podia aplicar aos romanos,
porque mancharia a honra romana. Ver que o mais puro dos homens, que era mais
do que um homem, é executado de modo tão cruel pode levar-nos, primeiro, a
ficar horrorizados. Mas precisamos horrorizar-nos connosco e sair do nosso
comodismo.
Neste ponto,
penso que Lutero estava com a razão quando disse que o homem tem de se horrorizar
consigo mesmo para chegar ao bom caminho.
Mas não se
há-de ficar no horror, não se trata apenas de horror, pois quem nos olha do alto
da Cruz não é um homem fracassado, um homem desesperado, uma das terríveis vítimas
da humanidade: esse Crucificado diz-nos uma coisa diferente do que nos dizem Espartaco
e os seus seguidores derrotados. Dessa Cruz, olha-nos uma bondade que permite
que a vida recomece mesmo no horror. Olha-nos a própria bondade de Deus, que se
entrega às nossas mãos, que se dá a nós e que, por assim dizer, suporta connosco
todo o horror da História. Numa perspectiva mais profunda, esse sinal, que nos apresenta
a dimensão perigosa do ser humano e todos os seus horrores, deixa-nos então contemplar
ao mesmo tempo o Deus mais forte, mais forte na sua fraqueza, e o facto de sermos
amados por Ele. É um sinal de perdão, na medida em que dá esperança, mesmo nos
abismos da História.
Actualmente,
faz-se muito a pergunta de como ainda seria possível falar de Deus depois de
Auschwitz e de como ainda seria possível fazer teologia. Eu diria que a Cruz
resume antecipadamente o horror de Auschwitz. Deus está crucificado e diz-nos
que esse Deus, aparentemente tão fraco, é o Deus que -incompreensivelmente -
perdoa, e que, na sua aparente ausência, é o Deus mais forte.
(Cardeal
Joseph Ratzinger in ‘O sal da terra’, págs.
22-23)
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