O enigma é este: como explicar o forte contraste entre o cardeal Jorge Mario Bergoglio da Argentina e o Papa Francisco
de hoje?
Obviamente, o contraste não é absoluto.
Nos seus 15 anos de arcebispo de Buenos Aires, Bergoglio esteve comprometido com os pobres, tentou reacender o fogo missionário da Igreja, viveu uma vida de simplicidade evangélica.
Tudo isso ele trouxe para o papado.
No entanto, há claramente uma diferença de
estilo e personalidade, porque o Bergoglio da Argentina jamais faria pensar nele como uma estrela de popularidade.
Enquanto cardeal raramente apareceu em público e quase nunca deu entrevistas formais.
Quando teve de aparecer no espaço público, os amigos acharam-no "tímido" e os críticos "chato".
Ninguém disse que ele tinha deslumbrado o mundo com o seu sorriso. De facto, é difícil encontrar uma foto com um Bergoglio radiante, antes da sua eleição, há dois anos.
Ele nunca foi a "máquina" de produzir "sound bites" que hoje o mundo vê. Ele era muito controlado, mais cauteloso, preferindo sempre actuar nos bastidores, e não à vista de todos.
Quando em abril de 2013 perguntei à irmã o que ela pensava desta mudança, Maria Elena Bergoglio, disse-me em tom de brincadeira:
"Eu não reconheço esse tipo!"
A questão, portanto, é: o que é que
aconteceu?
Por natureza, não sou dado a tentar explicações sobrenaturais das coisas, sou muitas vezes céptico quando tais teses pairam por aí.
No entanto, seguindo Sherlock Holmes, que dizia que depois de termos eliminado o impossível, aquilo que resta, por mais improvável, deve ser a verdade, acho que estamos perante um caso em que é necessária uma explicação mística.
Vamos pôr a questão doutra maneira, o próprio Papa Francisco parece
convencido de que há um fundo místico para o tipo de papa em que ele se tornou.
Eis um relato vindo de dentro que publico no meu livro e que toca no ponto:
"Durante o Natal de 2013, um veterano cardeal latino-americano que conhece Bergoglio há décadas marcou audiência para ver o seu velho amigo em Santa Marta, o alojamento do Vaticano, onde o papa escolheu viver.
(Ocupa o quarto 201, um quarto ligeiramente maior do que aquele em que ficou durante o conclave que o elegeu, e que tem espaço suficiente para o pontífice para receber convidados confortavelmente).
O cardeal, que não quis ser identificado, disse que ele olhou para o Papa Francisco e, referindo-se à exuberância e espontaneidade que agora são marcas da sua imagem pública, disse-lhe à queima-roupa:
"Tu não és o mesmo homem que eu conheci
em Buenos Aires.
O que é que te aconteceu?
De acordo com o cardeal, esta foi a resposta
de Francisco:
'Na noite da minha eleição, eu tive uma experiência da proximidade de Deus que me deu uma grande sensação de liberdade interior e paz e essa sensação nunca mais me abandonou.'
Por outras palavras, Francisco acredita que experimentou um milagre.
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