Amanhã, segunda-feira dia 19, Francisco regressa de uma
viagem ao Sri Lanka e às Filipinas. Paulo VI visitou estes países em 1970 e
João Paulo II esteve nas Filipinas em 1981 e em ambos os países em 1995. Na
segunda-feira passada, dia 12, Francisco partiu de Roma para repetir este
périplo, mas foi encontrar uma situação muito diferente da dos seus
antecessores.
Até há pouco tempo, por causa de questões tribais, os
budistas e os hindus do Sri Lanka defrontavam-se em luta armada e ambos os
lados sentiam aversão pelos católicos, que queriam a paz. Nesse ambiente,
boicotaram a visita de João Paulo II em 1995. Entretanto, a guerra acabou e,
embora os católicos não cheguem a 10% da população, o país passou a ver a Igreja
com outros olhos.
O Sri Lanka acolheu o Papa como a figura de referência nacional.
Houve uma guarda de honra solene, músicas e coreografias tradicionais de grande
efeito cénico, 40 elefantes em parada, vestidos com sedas trabalhadas e pedras
preciosas. Ao longo da rua, a população exibiu as melhores galas e festejou com
tal entusiasmo, que o cortejo do papamóvel demorou duas horas a percorrer os 30
kms do aeroporto até ao centro da capital. De pé, no papamóvel, o Papa
Francisco correspondeu àquela recepção calorosa. No final do trajecto estava
exausto.
Os budistas, os hindus e os muçulmanos, que desconheceram
João Paulo II em 1995, agora quiseram ouvir o Papa Francisco. A reconciliação
ainda não está completa. A guerra fez 100 mil mortos e até os católicos
apanharam pela tabela: várias igrejas foram destruídas, bastantes padres foram
mortos ou estão desaparecidos, muitas famílias cristãs foram atingidas pelo
terrorismo. Subsistem rancores entre as tribos mas, claramente, em pouco tempo,
o país mudou.
Com o Papa Francisco, o grande auditório do centro de
congressos Bandaranaike ficou repleto de monges budistas, de responsáveis hindus
e muçulmanos, cada um com os seus trajes característicos, com predomínio de tons
de vermelho e laranja. Os budistas receberam-no com um canto ritual; o líder
muçulmano, Maulawi Sheik Fazil, discursou condenando com veemência os ataques
terroristas em nome de Alá; o líder hindu ofereceu-lhe um manto de seda
laranja, sinal de grande honra, e as pessoas das primeiras filas, que tiveram
oportunidade de cumprimentar o Papa, entregaram-lhe recordações e peças de
valor.
A mensagem do Papa Francisco teve um grande impacto. Em
primeiro lugar, sublinhou a importância de tomar a verdade a sério: para o
diálogo ser útil, é preciso apresentar as próprias convicções com honestidade,
de forma completa e franca. Depois, é preciso ouvir os outros e entender que há
pontos em comum.
Reforça-se assim a estima, a cooperação e até a amizade.
Sentimo-nos irmãos e irmãs uns dos outros. Dava gosto ver os budistas, os
hindus e os muçulmanos a aplaudirem o Papa, sobretudo tendo em conta o conflito
armado, que durou 30 anos. Francisco lembrou que todas as religiões têm
princípios de paz e de convivência; não podemos deixar que alguém
instrumentalize uma religião para promover a violência ou a guerra. Todos
aplaudiam.
O número de católicos na Ásia ainda é pequeno, mas as
conversões são abundantes. Segundo as estatísticas, já há mais baptismos por
ano do que em toda a Europa.
Numa cerimónia diante do mar, o Papa canonizou o Padre José Vaz, nascido em Goa. A partir de 1660,
quando as armadas protestantes dominavam a região, as igrejas católicas foram
derrubadas e os católicos do Sri Lanka sofreram uma perseguição dura. Apesar
disso, em 1687, o Padre José Vaz conseguiu entrar clandestinamente no país,
reanimou a fé de muitos e gerou dezenas de milhares de conversões. A população
católica e as autoridades locais, não protestantes, apoiaram-no, mas acabou por
ser preso. Muitos católicos foram mortos nessa altura, mas alguns reis defenderam
o Padre Vaz e ele continuou a evangelizar. Para pregar com mais eficácia,
aprendeu as línguas tamil e cingalesa. O Papa considerou-o «um exemplo de caridade
cristã e de respeito por todos» e disse que «ainda hoje continua a servir-nos
de inspiração e de ensinamento». No momento da canonização, os sinos tocaram a
rebate em Goa.
É verdade que vários milhões de pessoas esperavam o Papa
Francisco nas Filipinas (ainda mais que em 1995, quando João Paulo II reuniu 4
milhões numa só Missa), mas parece-me que aqueles dias no Sri Lanka foram
especiais.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores», «Verdadeiro
Olhar», «ABC Portuguese Canadian
Newspaper», «Jornal da Boa Nova», 18-I-2015
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