Chegou a altura de o povo britânico conhecer a sua história,
é o que agora pensam os historiadores do Reino Unido. Não basta ler o que há
escrito? J. J. Scarnbrick, Christopher Haig, Eamon Duffy, Diarmaid MacCulloch e
outros académicos dizem que a história foi distorcida, ao serviço de uma
mensagem, e é preciso recuperar as fontes. Tudo muda. Os novos livros fazem
lembrar as obras antigas monumentais do Lingard, do Milner, ou a síntese do
Cobbett, geralmente desprezadas como «propaganda católica».
O impacto deste novo olhar sobre os últimos quinhentos anos
de história é imenso, porque, em certo sentido, é a própria identidade deste Povo
que está em causa. Além disso, o movimento «revisionista» não é uma moda
extravagante, é a unanimidade dos principais especialistas. Dizia-me um
professor da universidade que a história do Reino Unido já não volta atrás,
depois do revisionismo. Começa a aparecer um «pós-revisionismo», mas nada que
ponha em causa aquela ruptura com a história habitual.
Ao mesmo tempo, é interessante notar que os revisionistas são
revisionistas por razões científicas. Em geral, não alteraram as suas convicções
religiosas. Alguns já eram católicos ou converteram-se ao catolicismo, mas a
maioria continua a achar que o catolicismo é uma religião de pobres e
italianos. O surpreendente – reconhecem os historiadores – é que esses
marginais tenham realizado coisas tão extraordinárias, apesar de séculos de
perseguição. Tiveram um papel determinante na educação e ainda hoje são maioria
nas áreas da enfermagem e do apoio social, além de que produziram figuras de
primeiro plano no âmbito da cultura.
A nova visão da história tem facetas inesperadas e até
divertidas do ponto de vista turístico, como os «priest holes». A maioria já
desapareceu, mas ainda se conservam muitas centenas, que se podem visitar.
Estes buracos são cavidades no interior das paredes, ou poços por baixo do soalho,
para esconder os padres que iam, de casa em casa, celebrar a Missa. A polícia
vigiava (numas épocas mais do que noutras) e o jogo era a sério. Os disfarces e
os sistemas para alimentar os padres dentro do buraco eram variados e
imaginativos. Um passo em falso significava morte. Porque, desde o tempo de
Henrique VIII, houve o cuidado de considerar que o catolicismo não era uma religião
mas uma traição à pátria. Assim, evitava-se reconhecer a perseguição religiosa
e as penas eram mais pesadas e sem apelo.
Li relatos de católicos ingleses que viajavam ao estrangeiro
e ficavam escandalizados pela pressa com que se celebrava a Missa, mesmo em
Roma. Imagino que estivessem habituados a Missas pouco frequentes, às
escondidas, celebradas por um padre saído do «priest hole», alimentado através
da gaveta da cómoda.
Ser padre, naquela época, era complicado. Os rapazes ingleses
tinham de fugir do país para ir estudar para um seminário, em Roma, em França,
em Espanha, na Bélgica. Até em Lisboa havia um seminário, na Travessa dos
Inglesinhos, que funcionou até 1973. Para as famílias não serem perseguidas, os
estudantes mudavam de nome, mal desembarcavam no continente. Em Roma, S. Filipe
de Neri ajoelhava na rua, quando passava em frente do colégio dos ingleses e
honrava-os como se tivessem sido mártires. Terminada a formação no seminário e
ordenados, os padres regressavam clandestinamente à sua ilha e, de casa, em
casa, dedicavam-se a atender os católicos. Às vezes, a coisa acabava mal. Mas,
enquanto durava, era bom.
Os católicos ingleses nunca sabiam quando podiam voltar a
confessar-se e assistir à Missa, de modo que queriam saborear esses momentos.
No Continente, a Missa era tão rápida! Nem dava tempo para a pessoa se
concentrar. Pelo menos, é o que os ingleses achavam.
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores»,
«Verdadeiro Olhar», 31-VIII-2014
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