Há na basílica de S. Pedro vários pormenores que dizem muito à cultura açoriana. Um deles, ocupa toda a cabeceira da basílica, a chamada ábside. É a parede frontal, com 58 m de largura e 46 m de altura. Se fosse um biombo, podia tapar completamente um edifício com 15 andares de altura. Mas, justamente, não é um biombo! É uma porta aberta, uma «porta» muito especial.
Quando se assiste à Missa celebrada pelo Papa na basílica, esta parede é o cenário que se vê por trás. Uma pessoa não se cansa de o admirar. Sobretudo, há uns minutos especiais em cada dia, em que esta composição do século XVI (da autoria de Gian Lorenzo Bernini) ganha vida e faz o peregrino recuar 2000 anos na história. É preciso estar lá à hora certa, pouco mais ou menos às sete da tarde.
Até esse momento, reina o silêncio e a calma. O sol entra suavemente pelos janelões e pela cúpula, reflecte-se nas paredes e nas estátuas, inunda a basílica de uma luminosidade homogénea. É a célebre luz rosa e dourada do entardecer de Roma. A harmonia acolhedora daquele ambiente fala-nos da beleza da fé e convida a pensar no Céu.
É então que, à hora certa, o sol poente irrompe por trás da figura do Divino Espírito Santo. A Pomba, com 3 m de largura, parece voar majestosa, a 30 m de altura, como uma ave triunfante de paz. A pedra da imagem e a pedra à volta da imagem é de um alabastro tão fino, que deixa passar o sol como um vitral e, em contraluz, vemos um clarão vibrante, que não queima os olhos, projectar-se em todas as direcções. Dessa espécie de vitral de pedra irradiam raios fulgurantes, luminosos e dourados, que penetram através de nuvens difusas de talha dourada e se projectam pela parede como estilhaços de uma explosão, entre um alvoroço de anjos.
Quem assiste a esta efusão luminosa sente-se a reviver 2000 anos de história, quando os Apóstolos rodeavam Nossa Senhora e, de repente, «como que um vento impetuoso se abateu sobre eles» enchendo toda a casa e umas «como que línguas de fogo» pousaram sobre eles. O Espírito Santo marcou a alma dos primeiros cristãos e a pequenina Igreja, que cabia inteira naquela sala, saiu, cheia de coragem, a anunciar a Boa Nova.
O Evangelho atravessou os séculos com a força desta Presença. Para quem ignore o Espírito Santo, a história fica incompreensível. Por um lado, a traição, o pecado, a oposição de dentro e de fora, o cansaço dos cristãos. Por outro, uma vitalidade inesgotável, uma «Boa Nova» que não acaba. Sobretudo, uma santidade que é sempre maior do que todas as fraquezas humanas.
O Divino Espírito Santo é o retábulo do altar papal na basílica de S. Pedro porque desde sempre a Igreja se alimenta desta Presença.
Nos nossos dias, o Papa Francisco diz que a Igreja tem de tomar consciência do vento impetuoso do Pentecostes e ser fiel a esse chamamento de Deus. Na Exortação apostólica «Evangelii gaudium» (A alegria do Evangelho), acerca da urgência de evangelizar, o Papa Francisco fala 111 vezes do Espírito Santo. Agora, é o momento de sair ao encontro dos outros. Agora, o Divino Espírito Santo quer converter-nos e fazer de nós apóstolos. Agora, é o momento decisivo em que podemos ser-lhe fiéis, ou podemos fugir.
O Papa garante que, se formos fiéis, Deus encherá a nossa vida de uma alegria que nada poderá tirar. Por isso começa a Exortação apostólica com esta promessa: «A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus». A palavra alegria aparece 97 vezes no texto e também, muitas vezes, as palavras felicidade, júbilo, etc.
A imagem deslumbrante do Divino Espírito Santo, na ábside da basílica vaticana, não faz lembrar um muro: pretende ser a porta da felicidade, uma porta escancarada para dentro do Céu.
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores» e «Verdadeiro Olhar», 8-VI-2014
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