Desta vez, o Papa
Francisco conseguiu. Bento XVI aceitou dar uma entrevista ao jornalista Wlodzimierz
Redzioch, para um livro dedicado a João Paulo II. É um facto consumado. A
entrevista já foi gravada e o texto já está na gráfica.
A editora garante que o
livro vai estar em todas as bancas de Itália a tempo da canonização de João
Paulo II, a 27 de Abril, e neste momento os jornalistas já têm autorização para
espreitar as 256 páginas do livro. Isso quer dizer que os leitores deste jornal
também estão autorizados a espreitar. Se gostam de leituras indiscretas, é só
pedir.
Além da entrevista a
Bento XVI, o livro reúne histórias únicas, verdadeiramente impressionantes, das
pessoas mais próximas de João Paulo II. Mas como o espaço não dá para tudo, falemos
só de Bento XVI.
Nos anos 60, o Bispo Karol
Wojtyla e o Pe. Joseph Ratzinger estiveram no Concílio Vaticano II e trabalharam
até no mesmo documento, a Constituição pastoral «Gaudium et spes», mas o
Concílio era tão grande que nunca se encontraram.
A capa do livro que contém a entrevista ao Papa emérito, Bento XVI. |
Na década seguinte, já
tinham lido trabalhos um do outro, e queriam conhecer-se pessoalmente, mas as
oportunidades falhavam. Cruzaram-se finalmente no conclave que elegeu João
Paulo I mas, logo a seguir, quando os bispos polacos foram à Alemanha, João
Paulo I escolheu o Cardeal Ratzinger como seu representante pessoal para ir à
República do Equador... e perdeu-se mais uma oportunidade.
Ratzinger recorda a
categoria intelectual de Wojtyla, nos encontros prévios ao conclave de 1978. «Mas,
sobretudo, − diz Bento XVI − imediatamente percebi com força o fascínio da sua
personalidade e, vendo-o rezar, dei-me conta de que vivia profundamente unido a
Deus».
Um capítulo divertido são
os convites de João Paulo II, recém-eleito, pedindo a Ratzinger que fosse para
Roma e as desculpas que ele dava, para não ir. Em 1980, perante a insistência
de João Paulo II, Ratzinger começa finalmente a perceber que devia obedecer ao
Papa, mas ainda pôs uma última condição, que lhe parecia impossível de aceitar.
Só que João Paulo II concordou! E deste modo começou uma colaboração
estreitíssima, durante mais de 20 anos.
Reuniões todas as
semanas, almoços de trabalho que eram ao mesmo tempo momentos aprazíveis de
amizade... Quantos projectos desenvolvidos em conjunto! Ainda por cima, João
Paulo II conhecia muito bem a literatura alemã contemporânea, o que fazia as
delícias do Cardeal Ratzinger.
Salto as recordações de
Bento XVI sobre os temas que teve de afrontar, por encargo e sob a orientação
de João Paulo II: os equívocos da teologia da libertação, as dificuldades do
ecumenismo, os assuntos de Moral, de Sagrada Escritura... Salto também a
síntese que faz do magistério de João Paulo II. E os aspectos mais espirituais
que Bento XVI testemunhou, relacionados com a Eucaristia, o sacerdócio e a
devoção a Nossa Senhora... que o convenceram de que João Paulo II era verdadeiramente
um santo.
Destaco apenas um pequeno
parágrafo, a meio de uma resposta:
− «[João Paulo II] era de
uma bondade extraordinária e de uma enorme compreensão.
Muitas vezes teria tido
motivos suficientes para culpar-me ou para pôr fim à minha função de Prefeito
[da Congregação para a Doutrina da Fé] e no entanto apoiou-me sempre com uma
fidelidade e uma simpatia absolutamente inexplicáveis. Deixe-me dar-lhe um
exemplo. Depois da agitação que a Declaração “Dominus Iesus” originou, disse-me
que, na alocução do “Angelus”, ia defender inequivocamente o documento.
Pediu-me que escrevesse um texto firme, definitivo, que eliminasse qualquer
margem para dúvidas. Ele queria que ficasse perfeitamente claro que aprovava
incondicionalmente o documento. Preparei um breve discurso, evitando ser
demasiado brusco, procurando ser claro, sem dureza. Quando o leu, o Papa ainda
me perguntou: “Isto é suficiente para acabar completamente com as dúvidas? ”. Eu achei que sim. (...) Mas, houve logo quem dissesse que o Papa
tinha querido distanciar-se do texto».
Afinal, cabem mais duas
linhas:
− «A minha recordação de
João Paulo II é plena de gratidão. Não podia nem devia tentar imitá-lo, mas
procurei continuar a sua herança e a sua missão o melhor que pude. Por isso
estou seguro de que ainda hoje a sua bondade me acompanha e a sua bênção me protege».
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores», (16-III-2014)
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