Pode parecer anacrónico, em pleno século XXI, o convite à penitência que, todos os anos, a Igreja renova por ocasião da quaresma, iniciada nesta passada quarta-feira, com a imposição das cinzas.
Para quê abster-se da carne, ou jejuar, se a vida já tem tantas contrariedades?! Não será cruel um Deus que pede sacrifícios?! Para que servem essas privações?! O entendimento de uma divindade que se compraz com esse tipo de sofrimentos não foi revogado pela revelação do Deus que é amor?!
É verdade que não é a cruz, mas o amor, que é a essência do Cristianismo. Por isso, São Paulo afirma que, se “entregasse o seu corpo para ser queimado e não tivesse caridade, de nada lhe aproveitaria” (1Cor 13, 3).
Mas, até humanamente, não há prémio sem sacrifício. O cientista, antes de encontrar uma explicação, tem muito que padecer. É com o suor da sua labuta que o pescador arranca ao mar os peixes que o sustentam e o agricultor colhe os frutos que semeou. O atleta, que se propõe bater um recorde, tem que se esforçar arduamente. Até o apaixonado, para conquistar o favor da sua amada, tem, em geral, que penar alguma coisa. Como dizia Guimarães Rosa, “é preciso sofrer depois de ter sofrido e amar, e mais amar, depois de ter amado”, enquanto Tom Jobim cantava: “Eu não quero mais amor, para não sofrer, não chorar…”.
Não é capaz de amar quem não é capaz de sofrer. Talvez seja esta uma razão do fracasso de muitas relações. Na quaresma, somos chamados a praticar a renúncia do que é supérfluo, para afirmar o maior amor, que é o de dar a própria vida. Que importa a dor, se é por amor? Afinal, tudo o resto mais não são do que adiadas cinzas.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in 'i' online AQUI
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