A unidade prevalece sobre o conflito
226. O conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceitado. Mas, se ficamos encurralados nele, perdemos a perspectiva, os horizontes reduzem-se e a própria realidade fica fragmentada. Quando paramos na conjuntura conflitual, perdemos o sentido da unidade profunda da realidade.
227. Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam-se as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projectam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de ligação de um novo processo. «Felizes os pacificadores» (Mt 5, 9)!
228. Deste modo, torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada só por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda. Por isso, é necessário postular um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a unidade é superior ao conflito. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, torna-se assim um estilo de construção da história, um âmbito vital onde os conflitos, as tensões e os opostos podem alcançar uma unidade multifacetada que gera nova vida. Não é apostar no sincretismo ou na absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste.
229. Este critério evangélico recorda-nos que Cristo tudo unificou em Si: céu e terra, Deus e homem, tempo e eternidade, carne e espírito, pessoa e sociedade. O sinal distintivo desta unidade e reconciliação de tudo n’Ele é a paz. Cristo «é a nossa paz» (Ef 2, 14). O anúncio do Evangelho começa sempre com a saudação de paz; e a paz coroa e cimenta em cada momento as relações entre os discípulos. A paz é possível, porque o Senhor venceu o mundo e sua permanente conflitualidade, «pacificando pelo sangue da sua cruz» (Col 1, 20). Entretanto, se examinarmos a fundo estes textos bíblicos, descobriremos que o primeiro âmbito onde somos chamados a conquistar esta pacificação nas diferenças é a própria interioridade, a própria vida sempre ameaçada pela dispersão dialéctica. Com corações despedaçados em milhares de fragmentos, será difícil construir uma verdadeira paz social.
230. O anúncio de paz não é a proclamação duma paz negociada, mas a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito numa nova e promissora síntese. A diversidade é bela, quando aceita entrar constantemente num processo de reconciliação até selar uma espécie de pacto cultural que faça surgir uma «diversidade reconciliada», como justamente ensinaram os Bispos da República Democrática do Congo: «A diversidade das nossas etnias é uma riqueza. (…) Só com a unidade, a conversão dos corações e a reconciliação é que poderemos fazer avançar o nosso país».
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