A personalização da Palavra
149. O pregador «deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não lhe basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade». Faz-nos bem renovar, cada dia, cada domingo, o nosso ardor na preparação da homilia, e verificar se, em nós mesmos, cresce o amor pela Palavra que pregamos. É bom não esquecer que, «particularmente, a maior ou menor santidade do ministro influi sobre o anúncio da Palavra». Como diz São Paulo, «falamos, não para agradar aos homens, mas a Deus que põe à prova os nossos corações» (1 Ts 2, 4). Se está vivo este desejo de, primeiro, ouvirmos nós a Palavra que temos de pregar, esta transmitir-se-á duma maneira ou doutra ao povo fiel de Deus: «A boca fala da abundância do coração» (Mt 12, 34). As leituras do domingo ressoarão com todo o seu esplendor no coração do povo, se primeiro ressoarem assim no coração do Pastor.
150. Jesus irritava-Se com pretensiosos mestres, muito exigentes com os outros, que ensinavam a Palavra de Deus mas não se deixavam iluminar por ela: «Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar» (Mt 23, 4). E o Apóstolo São Tiago exortava: «Meus irmãos, não haja muitos entre vós que pretendam ser mestres, sabendo que nós teremos um julgamento mais severo» (3, 1). Quem quiser pregar, deve primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra e fazê-la carne na sua vida concreta. Assim, a pregação consistirá na actividade tão intensa e fecunda que é «comunicar aos outros o que foi contemplado». Por tudo isto, antes de preparar concretamente o que vai dizer na pregação, o pregador tem que aceitar ser primeiro trespassado por essa Palavra que há-de trespassar os outros, porque é uma Palavra viva e eficaz, que, como uma espada, «penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração» (Heb 4, 12). Isto tem um valor pastoral. Mesmo nesta época, a gente prefere escutar as testemunhas: «Tem sede de autenticidade (…), reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar como se eles vissem o invisível».
151. Não nos é pedido que sejamos imaculados, mas que não cessamos de melhorar, vivamos o desejo profundo de progredir no caminho do Evangelho, e não deixemos cair os braços. Indispensável é que o pregador esteja seguro de que Deus o ama, de que Jesus Cristo o salvou, de que o seu amor tem sempre a última palavra. À vista de tanta beleza, sentirá muitas vezes que a sua vida não lhe dá plenamente glória e desejará sinceramente corresponder melhor a um amor tão grande. Todavia, se não se detém com sincera abertura a escutar esta Palavra, se não deixa que a mesma toque a sua vida, que o interpele, exorte, mobilize, se não dedica tempo para rezar com esta Palavra, então na realidade será um falso profeta, um embusteiro ou um charlatão vazio. Em todo o caso, desde que reconheça a sua pobreza e deseje comprometer-se mais, sempre poderá dar Jesus Cristo, dizendo como Pedro: «Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou» (Act 3, 6). O Senhor quer servir-Se de nós como seres vivos, livres e criativos, que se deixam penetrar pela sua Palavra antes de a transmitir; a sua mensagem deve passar realmente através do pregador, e não só pela sua razão, mas tomando posse de todo o seu ser. O Espírito Santo, que inspirou a Palavra, é quem «hoje ainda, como nos inícios da Igreja, age em cada um dos evangelizadores que se deixa possuir e conduzir por Ele, e põe na sua boca as palavras que ele sozinho não poderia encontrar».
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