Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

domingo, 25 de novembro de 2012

Carta de D. Javier Echevarría Prelado do Opus Dei por ocasião do “Ano da Fé”


O Prelado do Opus Dei escreveu uma carta extensa por ocasião do Ano da Fé, iniciado no passado dia 11 de Outubro. Nesta carta, assinala a necessidade de uma nova evangelização assim como a exigência de conhecer e professar a própria fé, unindo-se a Cristo através da oração

(Proibida qualquer divulgação pública, total ou parcial, sem autorização expressa do titular do copyright)

Descarregar a carta em formato PDF ou aceder ao texto integral da carta clicando abaixo. Muito obrigado e votos de boa e pausada leitura!

Queridíssimos: que Jesus vos guarde!

1. Todos tivemos uma grande alegria com a Carta Apostólica Porta fídei, em que o Papa nos anunciou o Ano da Fé. Bento XVI não poupou esforços para apresentar os conteúdos fundamentais do Evangelho, numa linguagem acessível aos homens do século XXI. E nesta linha, por ocasião do quinquagésimo aniversário do início do Concílio Vaticano II, convocou em 11 de Outubro de 2011, um Ano da Fé, que terá início no próximo 11 de outubro e terminará na solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo, em 24 de novembro de 2013. O início deste ano coincide ainda com o vigésimo aniversário da Constituição Apostólica Fídei depósitum com a qual o beato João Paulo II ordenou a publicação do Catecismo da Igreja Católica, um texto de extraordinário valor para a formação pessoal e para a catequese que havemos de levar a cabo incessantemente em todos os ambientes.

O Ano da Fé apresenta-se, portanto, como uma nova chamada a cada um dos filhos da Igreja, para tomarmos consciência viva da fé, para nos esforçarmos por conhecê-la melhor e por pô-la fielmente em prática e, ao mesmo tempo, para nos esforçarmos por divulgá-la, comunicando o seu conteúdo, com o testemunho do exemplo e da palavra, às inúmeras pessoas que não conhecem Jesus Cristo ou não Lhe falam.

O Santo Padre lamenta que um grande número de cristãos, também entre aqueles que se consideram católicos, «sinta maior preocupação com as consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado. Enquanto, no passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes setores da sociedade devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas»[1].

2. Estas considerações não são novas. Por mais paradoxal que possa parecer, já desde a conclusão do Concílio Vaticano II se entrevia o perigo de que, em amplos setores da Igreja, o entusiasmo gerado por aquela Assembleia pudesse ficar em meras palavras, sem afetar profundamente a vida dos fiéis; ou que, por causa das interpre­tações e aplicações erradas dos ensinamentos do Concílio, o genuíno espírito cristão acabasse, erroneamente, por se tornar semelhante ao espírito do mundo, em vez de elevar o mundo à ordem sobrenatural.

Todos os que vivemos aqueles tempos, recordamos a dor com que Paulo VI, uma vez finalizado o Concílio, se lamentava com frequência ante a grande crise de fé, de disciplina, de liturgia, de obediência, que se abatia sobre esses setores da Igreja. S. Josemaria fazia eco dessa preocupação do Santo Padre e, numa carta dirigida aos seus filhos, escrita pouco antes da clausura do Concílio, manifestava-nos: «conheceis o amor com que segui durante estes anos o trabalho do Concílio, cooperando com a minha oração e, em mais de uma ocasião, com o meu trabalho pessoal. Sabeis também o meu desejo de ser e de que sejais fiéis às decisões da hierarquia da Igreja até nos menores detalhes, atuando não como súbditos de uma autoridade, mas com piedade de filhos, com o carinho de quem se sente e é membro do Corpo de Cristo.

Não vos ocultei tão pouco a minha dor ante a conduta dos que não viveram o Concílio como um ato solene da vida da Igreja e uma manifestação do atuar sobrenatural do Espírito Santo, mas como uma oportunidade de afirmação pessoal, para dar rédea solta às suas opiniões ou, pior ainda, para causar dano à Igreja.

O Concílio está a terminar: anunciou-se repetidas vezes que esta será a última sessão. Quando a carta que agora vos escrevo chegar às vossas mãos, ter-se-á iniciado já o período pós-conciliar, e o meu coração treme ao pensar que possa ser ocasião para novas feridas no corpo da Igreja.

Os anos que se seguem a um Concílio são sempre anos importantes, que exigem docilidade para aplicar as decisões adotadas, que exigem também firmeza na fé, espírito sobrenatural, amor a Deus e à Igreja de Deus, fidelidade ao Romano Pontífice»[2].

Não havia o menor sinal de pessimismo em S. Josemaria, ao falar assim; queria salientar que, então e em todas as circunstâncias, fazem falta mulheres e homens de fé.

3. Apesar dos esforços do Magistério na última metade do século passado e do testemunho fiel de grande número de pessoas, entre as quais não faltaram santos, a desorientação estendeu-se por todo o mundo. O Papa escreve: «Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cfr. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cfr. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cfr. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: “Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna” (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: “Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?” (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: “A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou” (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação»[3].

4. O Ano da Fé oferece-nos uma magnífica ocasião para aprofundar no tesouro divino que recebemos e, com a graça de Deus, difundir esta virtude em ondas concêntricas que cheguem muito longe; apresenta-se-nos uma excelente oportunidade para dar um forte impulso à nova evangelização de que o mundo necessita, começando pela nossa melhoria diária, com factos, no trato com as três Pessoas da Trindade, amparando-nos precisamente na fé que tiveram Maria e José, que S. Josemaria tanto contemplou e admirou, para dar passos na sua identificação com Cristo, com a Vontade divina. Se desejamos mover as almas para que se aproximem de Deus, devemos falar­‑lhes, antes de mais, com a nossa vida de cristãos.

Sabemos que o nosso Padre punha os olhos de modo incessante nos Apóstolos, nos primeiros cristãos. Nos Doze e nas primitivas comunidades de homens e mulheres que seguiram Cristo brilhava intensamente a segurança da sua fé em Cristo, nos seus ensinamentos. Souberam e quiseram examinar com detalhe a passagem do Redentor pelos caminhos da humanidade. Não é exagero pensar que conservariam, com muita força, as muitas ocasiões em que Jesus Cristo pedia aos doentes, aos estropiados, a eles mesmos, que recorressem a Ele com fé, que rezassem ou pedissem com fé. É também evidente que manteriam, bem gravada na alma, aquela repreensão paterna, clara, sobre a sua falta de fé, precisamente antes de lhes confiar que fossem por todo o mundo, levar a Boa Nova (cfr. Mc 16, 14-15).

É óbvio que os primeiros cristãos estavam conscientes de que também lhes correspondia, a elas e a eles, crer firmemente na graça do Céu para cumprir o mandato de difundir os ensinamentos do Mestre: são maravilhosos os abundantes testemunhos que nos transmitiram com a sua conduta.

Os Doze, e aqueles nossos irmãos e irmãs, estavam conscientes de que essa virtude, tão exigida pelo Filho de Deus, abria o caminho à esperança de que o plano redentor se havia de cumprir. Ao mesmo tempo, o seu amor e gratidão ao Deus Uno e Trino, tornou-se cada dia mais forte, mais apostólico, isto é, capaz também de arrastar para a Verdade pessoas de todos os ambientes e profissões.

5. Minhas filhas e filhos, o mesmo sucede agora, porque os meios, como nos repetia S. Josemaria, são os mesmos: o Evangelho, vivido!, e o crucifixo.

Apregoemos constantemente que redescobrir a alegria e a certeza da fé é obrigação da Igreja universal, de toda a Igreja: portanto, não é apenas tarefa dos pastores, mas diz respeito a todos os fiéis. Logicamente, os pastores têm de ir à frente com o seu exemplo e as suas exortações, como escreve o Papa no motu proprio com que convocou este tempo especial na Igreja; mas também convida todos a assumir essa exigência de transmitir aos outros o tesouro da pregação de Jesus Cristo.

A Congregação para a Doutrina da Fé, numa nota do passado 6 de janeiro, aconselha os bispos a dedicar uma carta pastoral a este tema, tendo em conta as circunstâncias específicas da porção de fiéis que lhes estão confiados[4]. É o que eu me propus fazer com estas linhas, que não têm outra finalidade senão transmitir-vos mais um estímulo para que cada um, por sua conta e também em comunhão com os outros, admire de novo a beleza dessa fé que recebeu de Deus, a ponha em prática na sua vida diária e a difunda sem respeitos humanos.

Esse documento afirma também que «os Santos e os Beatos são as autênticas testemunhas da fé»[5]; por este motivo, recomenda aos Pastores que se esforcem por dar a conhecer a vida e a doutrina de tantos santos. Nada mais consequente, portanto, que nestas páginas me inspire frequentemente nos ensinamentos escritos e orais de S. Josemaria, amadíssimo fundador do Opus Dei, um santo que, pelos frutos que tem produzido, nos mostra a adesão total com que confiou em Deus.

NECESSIDADE DE UMA NOVA EVANGELIZAÇÃO

6. A humanidade caminhou e caminhará sempre, também agora, faminta da palavra e do conhecimento de Deus, embora muitas pessoas não estejam conscientes dessa profunda necessidade das suas almas. E a quem, como nós, o Senhor concedeu o dom da fé, incumbe o dever de despertarmos e despertar aqueles que estão mergulhados nessa indolência de morte, de ineficácia. O Ano da Fé, que se inaugura no marco da Assembleia do Sínodo dos Bispos dedicada à nova evangelização, é mais um incentivo para todos. É hora de acelerar o passo, como fazem os desportistas quando se aproxima a meta duma corrida.

Tenho muito viva a memória de como o Venerável Servo de Deus Álvaro del Portillo nos incentivava a participar pessoalmente na tarefa da nova evangelização. Já no Natal de 1985, escreveu uma carta pastoral com sugestões para colaborar mais intensamente na recristianização dalguns países, em que se manifestava principalmente um enfraquecimento progressivo da vida cristã. Alertava contra o novo paganismo procedente dessas nações economicamente mais desenvolvidas que, assim advertia, se caracterizava, como agora, «pela busca do bem-estar material a qualquer preço, e pelo correspondente esquecimento, melhor seria dizer medo, autêntico pavor, de tudo o que possa causar sofrimento»[6].

A essa enorme tarefa apostólica, veio juntar-se a necessidade de ter também em conta os povos e sociedades da Europa Central e Oriental que, durante décadas, estiveram submetidos ao jugo do materialismo comunista e que, com um prolongado e silencioso martírio, nos sustentaram a nós na liberdade.

Devemos renovar diariamente o desejo de pôr Cristo no cume e no centro das realidades humanas. Para isso, é preciso crescer no convívio pessoal com Deus e na entrega aos outros, contribuindo com o nosso grãozinho de areia, a entrega diária total, para a construção dum mundo renovado pela graça e pelo sal do Evangelho, que o Senhor confiou aos seus discípulos. Se alguma vez o pessimismo tentasse entrar na alma, por não recolhermos de imediato o fruto dos nossos esforços, deveríamos rejeitar essa falta de esperança, porque não somos nós, tão pouca coisa, tão cheios de defeitos, quem há de levar para a frente os planos divinos. Diferentes textos das Escrituras, nas suas múltiplas alusões, confirmam-nos que inter médium móntium pertransíbunt aquæ (Sl 103/104, 10). Esta certeza opõe-se até ao menor sintoma de desalento, mesmo que os obstáculos possam atingir grandes alturas; e esse caminho é o adequado para chegarmos ao Céu, certos de que as águas divinas purificam e também estimulam todas as nossas limitações para chegar a estar com Deus.

7. Vêm à minha mente umas palavras de S. Josemaria, escritas pouco antes de sua partida para a casa do céu. Ao contemplar a crise de fé, de virtudes e de valores que já então – era o ano de 1973 – se tinha instaurado em muitos ambientes, manifestava cheio de sentido sobrenatural e de zelo apostólico: «em momentos de crises profundas na história da Igreja, nunca foram muitos os que, permanecendo fiéis, reuniram, além da preparação espiritual e doutrinal suficiente, os recursos morais e intelectuais, para opor uma decidida resistência aos agentes da maldade. Mas esses poucos encheram de luz, de novo, a Igreja e o mundo»[7]. Havemos de ocupar-nos de que muitas mulheres e muitos homens acolham a vida da graça, e se amparem e robusteçam neste refúgio.

A nova evangelização é especialmente urgente na Europa e nos países mais desenvolvidos. Na Exortação Apostólica Ecclésia in Europa, o beato João Paulo II retratou a situação religiosa da sociedade no velho continente. Embora se destinasse a recolher as conclusões do Sínodo dos Bispos da Europa, as suas afirmações poderiam ser aplicadas em grande parte a muitos outros lugares. Na verdade, depois de vinte séculos, mesmo em países de grande tradição cristã, «aumenta o número das pessoas não batizadas, seja pela consistente presença de imigrantes que pertencem a outras religiões, seja também porque famílias de tradição cristã não batizaram os filhos»[8]. Como conclusão o Papa dizia: «com efeito, a Europa já faz parte daqueles espaços tradicionalmente cristãos, onde, para além duma nova evangelização, se requer em determinados casos a primeira evangelização»[9]. Primeira evangelização e nova evangelização: duas formas de anunciar o Evangelho que a situação da Igreja e do mundo nos exige hoje.

8. A realidade do «ser missionário – com missão – e não te chamares missionário», a que S. Josemaria se refere no ponto 848 de Caminho, situa-se no momento radical e originário da missão – como o Pai Me enviou, assim também Eu vos envio a vós (Jo 20, 21) – que configura as formas históricas de que a missão de Cristo se virá a revestir na vida da Igreja: desde o cuidado da vida de fé dos católicos (pastoral, fraternidade), ao anúncio de Cristo Salvador aos pagãos (primeiro anúncio, evange­lização); do convívio fraterno com os cristãos não católicos para estimulá-los à plena comunhão (ecumenismo), ao novo anúncio de Cristo e da sua doutrina aos batizados que O deixaram e rejeitaram a Sua doutrina (nova evangelização). Os fiéis do Opus Dei, a partir da sua plena secularidade, estão chamados a assumir essas diferentes dimensões da única missão da Igreja.

S. Josemaria repetia insistentemente: «Somos missionários com missão, sem nos chamarmos missionários. Missionários, tanto nas ruas asfaltadas de Roma, Nova York, Paris, México, Tóquio, Buenos Aires, Lisboa ou Madrid, Dublin ou Sydney, como no coração da África»[10]. A necessidade de comunicar o primeiro anúncio da fé não se limita aos países tradicionalmente conhecidos como terras de missão, mas, infelizmente, afeta o mundo inteiro, e a esta grande tarefa havemos de dedicar-nos.

Mas essa responsabilidade não pode ficar-se em meras considerações; cada uma e cada um há de pensar: eu, como contribuo? E ainda antes, havemos de ponderar como influi a fé no nosso atuar e também se sabemos agradecer diariamente este dom e, como consequência, se procuramos transmitir aos outros tão grande tesouro. Levantemos a nossa alma ao Senhor, implorando: adáuge nobis fidem (Lc 17, 5) para todos rezarmos melhor; adáuge mihi fidempara trabalhar santificando-me e santificando os outros; para dar à minha amizade um contínuo sentido cristão. Não esqueçamos o ditado de que o exemplo é o melhor pregador, seguindo os passos de Jesus Cristo, que cœpit fácere et docére (cfr. Act 1, 1), começou a fazer e ensinar.

Persuadamo-nos de que, nos mais diferentes lugares, «há necessidade dum renovado anúncio, mesmo para quem já está batizado. Muitos (…) contemporâneos pensam que sabem o que é o cristianismo, mas realmente não o conhecem. Frequentemente ignoram os próprios rudimentos da fé»[11], e devemos enfrentar este desafio com a nossa vida e a nossa formação doutrinal. Sem pessimismo, consideremos que a missão apostólica, a que o Senhor urge os cristãos, os que nos sabemos filhos de Deus, adquire no nosso tempo tonalidades diversas, dependendo das circunstâncias do ambiente, do lugar, das pessoas que cada uma ou cada um encontra. Em qualquer caso, havemos de pôr as pessoas que nos rodeiam ou com quem convivemos em contacto com Cristo, ajudando-as a conhecer ou reconhecer o rosto do nosso Redentor, e ajudá‑las a caminhar na sua companhia, mesmo que tenham de ir contra a corrente.

9. Que grande tarefa temos pela frente! Com humildade, com o desejo pessoal de santidade, havemos de chegar às pessoas, acima de tudo, com o nosso exemplo. Estejamos cientes de que o esforço por nos comportarmos como cristãos autênticos, apesar das nossas misérias pessoais, faz parte da luz que o Senhor deseja acender no mundo. Não tenhamos medo de chocar com o ambiente, nos pontos incompatíveis com a fé católica, mesmo que essa atitude possa trazer-nos até prejuízos materiais ou sociais: «convencei-vos, e suscitai nos outros a convicção de que os cristãos havemos de navegar contra a corrente. Não vos deixeis levar por falsas ilusões. Pensai bem nisto: contra a corrente andou Jesus, contra a corrente foram Pedro e os outros primeiros e quantos, ao longo dos séculos, quiseram ser discípulos fiéis do Mestre. Tende, pois, a firme convicção de que não é a doutrina de Jesus que tem de se adaptar aos tempos, mas são os tempos que se hão de abrir à luz do Salvador»[12].

Por isso, voltando os olhos para o Redentor, pedindo-lhe que nos conceda a sua paz e a capacidade de perdoar e amar os que promovem essas incompreensões, rezemos com obstinação pelos que obstinadamente pretendem pôr no pelourinho a Igreja, a Hierarquia, os católicos. Conscientes da nossa debilidade pessoal, procuremos incansavelmente retribuir o bem pelo mal; e, como consequência da união com Deus, amemos aqueles que tentam perseguir ou reduzir a religião à sacristia, à exclusiva esfera privada.

Por outro lado, se os respeitos humanos não hão de travar o zelo apostólico, menos ainda o deterá o pensamento real da debilidade pessoal ou da falta de meios, porque não confiamos nas nossas forças, mas na graça do Céu: ómnia possum in eo, qui me confórtat (Fl 4, 13). A este respeito, o Fundador do Opus Dei comentava: «permanecer todos unidos na oração: esta é (...) a origem da nossa alegria, da nossa paz, da nossa serenidade e, portanto, da nossa eficácia sobrenatural»[13]. E noutro momento, acrescentava: «que outros conselhos hei de dar? Usar os procedimentos que sempre usaram os cristãos que pretendiam, de verdade, seguir Cristo. Os mesmos que os primeiros a escutar o apelo de Jesus seguiram: o encontro assíduo com o Senhor na Eucaristia, a invocação filial da Santíssima Virgem, a humildade, a temperança, a mortificação dos sentidos (…) e a penitência»[14], uma fé forte, bem fundada no Senhor Omnipotente. Difícil de explicar é o otimismo e a firmeza de S. Josemaria, a quem, entre muitos outros textos, sempre estimularam as palavras do Salmo: et in lúmine tuo vidébimus lumen (Sl 35/36, 10), porque, com Ele, todas as trevas se dissipam.

VOLTAR ÀS ORIGENS DO EVANGELHO


10. Muitas vezes, no passado, a Europa teve de enfrentar difíceis períodos de transformação e de crise, mas «sempre os superou, conseguindo seiva nova dainesgotável reserva de energia vital do Evangelho»[15]. Estas palavras do beato João Paulo II, pronunciadas em 1995, confirmam-nos no caminho que é preciso seguir. Não há outro: recorrer às raízes da nossa fé para nos impregnarmos da seiva vivificante que nos transmitem (a tal se dirige a formação doutrinal que nos dá a Obra) e, a partir daí, pôr os homens e as mulheres em contacto vital com Cristo, em todos os lugares.

S. Josemaria afirmava que «viver a fé é também transmiti-la aos outros». Para consegui-lo, é preciso caminhar com eles. E no caminho devemos ouvir as dificuldades que têm ante a mensagem cristã, entendê-las e demonstrar-lhes que os entendemos, de modo que se sintam compreendidos e esclarecidos com a nossa conversa orientadora; e assim, caminhando com elas ou com eles, comunicar-lhes com afeto e amabilidade o Evangelho, a palavra viva do Senhor, isto é, mostrar a maravilha do espírito cristão, que harmoniza razão e fé e oferece respostas a todas as perguntas e aquieta as preocupações dos corações humanos; e, deste modo, vamo-los preparando para desejarem os sacra­mentos e para se disporem a recebê-los.

Em muitos casos, a graça divina terá de construir nas almas o edifício sobrenatural desde os alicerces. Aproveitemos a oportunidade desses desejos de fazer o bem e de solidariedade, que se advertem nas novas gerações, e não apenas nestas, para que descubram o Salvador, anunciando-lhes a doutrina com dom de línguas e lançando as bases, pouco a pouco, por um plano inclinado, até adquirirem uma vida cristã firme.

Exemplo dos primeiros cristãos

11. Insisto em que, com frequência, devemos voltar a considerar a conduta dos Apóstolos e dos nossos primeiros irmãos na fé. Eram poucos, careciam de meios humanos, não contavam nas suas fileiras, assim sucedeu pelo menos durante muito tempo, com grandes pensadores ou pessoas de prestígio público. Viviam num ambiente social de indiferentismo, de carência de valores, semelhante, em muitos aspetos, ao que agora temos de enfrentar. No entanto, não se amedrontaram. «Tiveram uma conversa maravilhosa com todas as pessoas que encontraram, que procuraram, nas suas viagens e peregrinações. Não haveria Igreja, se os Apóstolos não tivessem mantido esse diálogo sobrenatural com todas aquelas almas»[16]. Mulheres e homens, seus contemporâneos, experimentaram uma profunda transformação ao ser tocados pela graça divina. Não aderiram simplesmente a uma nova religião, mais perfeita do que a que eles já conheciam, mas, pela fé, descobriram Jesus Cristo e enamoraram-se d’Ele, do Deus-Homem, que se tinha oferecido em sacrifício por eles e tinha ressuscitado para lhes abrir as portas do Céu. Este facto inaudito penetrou com enorme força nas almas daqueles primeiros, conferindo-lhes uma fortaleza à prova de qualquer sofrimento. «Ninguém acreditou em Sócrates até morrer pela sua doutrina»,escrevia com simplicidade S. Justino em meados do século II, «mas por Cristo, até os artesãos e os ignorantes desprezaram não só a opinião do mundo, mas também o medo da morte»[17].

Num mundo que desejava ardentemente a salvação, sem saber onde encontrá-la, a doutrina cristã irrompeu como uma luz acesa no meio da escuridão. Aqueles primeiros souberam, com o seu comportamento, fazer brilhar diante dos seus concidadãos essa claridade salvadora e converteram-se em mensageiros de Cristo, simplesmente, com naturalidade, sem ostentações estridentes, com a coerência entre a sua fé e as suas obras. «Nós não dizemos coisas grandes, mas fazemo-las»[18], escreveu um deles. E mudaram o mundo pagão.

Na Carta apostólica que dirigiu a toda a Igreja, na preparação para o grande jubileu do ano 2000, o beato João Paulo II explicava que «em Cristo a religião já não é um “buscar Deus às apalpadelas” (cfr. Act 17, 27), mas uma resposta de fé a Deus, que se revela: resposta em que o homem fala a Deus como o seu Criador e Pai; resposta tornada possível por aquele único Homem, que é ao mesmo tempo o Verbo consubstancial com o Pai, e por quem Deus fala a cada homem e cada homem é capaz de responder a Deus»[19].

É questão de fé

12. Vejo nestas palavras outra consideração, que queria propor-vos, perante a necessidade de nos empenharmos sem tréguas na tarefa da nova evangelização da sociedade. Primeiro que tudo, necessitamos de fé e esperança firmemente assumidas; quer dizer, caminhar em cada momento intimamente convencidos, com uma convicção que vem da intimidade com a Trindade, de que é possível mudar o rumo deste nosso mundo, dirigir todas as atividades humanas para a glória do Senhor e para a conversão das almas. Certamente não faltarão a luta, os sofrimentos, mas avançaremos in lætítia, com alegria e confiança, porque nos assiste a promessa divina: Pede-me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo(Sl 2, 8).

Impressiona, volto a repetir, contemplar como os Apóstolos, sem outros meios que a fé em Cristo e animados por uma esperança segura e alegre, se dispersaram pela terra então conhecida e difundiram a doutrina cristã por toda a parte. S. Josemaria gostava de celebrar as suas festas e as daquelas santas mulheres que acompanharam Jesus durante a sua passagem pela terra! As figuras dos Apóstolos, de Maria Madalena, Lázaro, Marta e Maria, irmãs de Lázaro, entusiasmavam-no. De cada um, de cada uma, podemos aprender a crer mais, plenamente, em Jesus Cristo e a amá-Lo com a intensidade com que O amaram os que com Ele conviveram. Como nós, também eles se veriam com misérias e, apesar do escasso número em comparação com a população das nações conhecidas, espalharam a semente divina com o seu exemplo quotidiano e com a sua palavra reconfortante.

Lembro-me a força com que o nosso Padre, ao falar do apostolado num ambiente difícil, assegurava: «é questão de fé!» Sim, é questão de fé! Essa fé que, como assinala o Senhor no Evangelho, tem a capacidade de mover montanhas do seu lugar (cfr. Mt 17, 20) e de superar qualquer obstáculo; que é como os rios, que abrem caminho para o mar desde os cumes elevados (cfr. Sl 103/104, 10). Por isso pergunto­‑vos e pergunto-me: com que fé nos movemos à hora do apostolado, sabendo que é sempre hora? Estamos verdadeiramente convencidos de que, como escreve S. João, esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé(1 Jo 5, 4)? Atuamos em consequência? Enfrentamos os obstáculos que surjirem com espírito otimista, com moral de vitória? E, para isso, apoiamos cada atividade apostólica concreta com a oração e com o sacrifício? Damos testemunho da nossa fé, sem nos deixarmos atemorizar pelas dificuldades do ambiente?

Repitamos mais frequentemente ao Senhor: Creio! Vem em socorro da minha falta de fé! (Mc 9, 24). Esta petição do pai daquele filho lunático comovia muito profundamente S. Josemaria. Não nos conformemos com os nossos modos de implorar as virtudes teologais ao Senhor. S. Josemaria, consciente de que a fé é um dom sobrenatural que só Deus pode infundir e intensificar na alma, manifestava numa ocasião: «Todos os dias Lho repito, não uma vez, mas muitas (...). Dir-Lhe-ei algo que Lhe pediam os Apóstolos (...): adáuge nobis fidem! (Lc 17, 5), aumenta-nos a fé. E acrescento: spem, caritátem; aumenta-nos a fé, a esperança e a caridade»[20].

Um firme ponto de apoio

13. O Santo Padre Bento XVI, em várias ocasiões, fez notar as contradições do tempo em que vivemos. «Em vastas partes do mundo existe hoje um estranho esquecimento de Deus. Parece que tudo caminha igualmente sem Ele. Mas existe, ao mesmo tempo, também um sentimento de frustração, de insatisfação de tudo e de todos. É espontâneo exclamar: não é possível que esta seja a vida! Deveras, não. E assim, juntamente com o esquecimento de Deus existe um “boom” do religioso. Não quero desacreditar tudo o que existe neste contexto. Pode existir nisto também a alegria sincera da descoberta. Mas para dizer a verdade, não raramente a religião se torna quase um produto de consumo. Escolhe-se aquilo de que se gosta, e alguns sabem até tirar dela um proveito. Mas a religião procurada a seu “bel-prazer” no fim não nos ajuda. É cómoda, mas no momento da crise abandona-nos a nós próprios»[21]. E o Papa conclui com o seguinte convite: «Ajudai os homens a descobrir a verdadeira estrela que nos indica o caminho: Jesus Cristo!»[22].

Apesar do clima de relativismo e permissividade dominante em amplos setores da sociedade, muitas pessoas estão sedentas de eternidade, talvez depois de terem tentado, em vão, saciá-la em coisas perecíveis. Que grande verdade se encerra naquelas conhecidas palavras de Santo Agostinho!: «Fizeste-nos Senhor para ti e o nosso coração está inquieto até que descanse em ti»[23]. Só Deus, com efeito, satisfaz completamente os anseios do espírito humano. Por isso, sejamos mulheres e homens de piedade firme, que recorrem aos diversos modos de orar, o autêntico consolo, com sinceros desejos de ser mais rezadores. Aproximemo-nos da Santa Missa com profunda fé, persuadidos de que nela se faz sacramentalmente presente o Sacrifício do Calvário, o Sacrifício que nos trouxe a salvação e nos revitaliza para a batalha de cada dia para a santidade.

14. Causava profunda impressão a fé, a piedade e o recolhimento com que S. Josemaria se metia, corpo e alma, no momento da Consagração Eucarística. Maravilhava-se diariamente, com renovado agradecimento e nova devoção, ante o mistério da transubstanciação, ante essa entrega do Filho de Deus ao Pai, com o Espírito Santo, pelas almas. Penso que não exagero ao afirmar que, sabendo-se nesses instantes ipse Christus, daí extraía toda a força da sua eficácia e da sua extensa atuação apostólica. Com idêntica fé ardente o contemplávamos enquanto repetia, antes de dar a Sagrada Comunhão, as palavras de S. João Batista: ecce Agnus Dei! Exortou todos os católicos, e repetia-o às suas filhas e filhos, aos sacerdotes, que é necessário identificar-se com Cristo, porque Ele assim nos convidou e porque assim atrairemos as almas para o Amor de Deus. Atualizar a nossa fé, como o nosso Padre, precisamente no momento da transubstanciação, é uma ajuda poderosa para fazer de cada dia uma missa.

Esta certeza de que Deus quer contar connosco pode e deve constituir um firme ponto de apoio para renovar diariamente o nosso zelo apostólico; há de ser um estímulo que nos impulsione, cheios de esperança e otimismo sobrenatural, para o serviço das pessoas que passam ao nosso lado: «havemos de nos inflamar no desejo e na realidade de levar a luz de Cristo, o afã de Cristo, as dores e a salvação de Cristo, a tantas almas de colegas, amigos, parentes, conhecidos, desconhecidos, sejam quais forem as suas opiniões nas coisas da terra, para lhes dar a todos um bom abraço fraterno. Então seremos rubi aceso, e deixaremos de ser este nada, este carvão pobre e miserável, para ser a voz de Deus, luz de Deus, fogo de Pentecostes!»[24].

ALGUNS CAMPOS PRIORITÁRIOS


15. Em todo o mundo e sempre, é necessário realizar um profundo apostolado da inteligência. “Comunicar” sobre verdade para “comunicar” a Verdade. Esta é a síntese de toda a tarefa apostólica. Não podemos cansar-nos na petição a Deus, com humildade, com insistência, com confiança, para que as inteligências e os corações se abram à sua luz. Muitas pessoas repetem, como os Magos: vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-Lo (Mt 2, 2). Hão de manifestar-nos isso, se os que acreditamos em Cristo nos aproximarmos de todos com amizade sincera, impregnada de caridade e compreensão, de simpatia também humana, valorizada pela vida de piedade; e também com agradecimento pelo bem que não poucos realizam em tantas áreas.

O que maravilha na atitude dos Magos, comenta Bento XVI, «é que eles se prostraram em adoração diante dum simples menino nos braços da sua mãe, não no quadro dum palácio real, mas na pobreza duma cabana em Belém (cfr. Mt 2, 11). Como foi possível? Que convenceu os Magos que aquele menino era “o rei dos Judeus” e o rei dos povos? Certamente persuadiu-os o sinal da estrela, que eles tinham visto “surgir” e que tinha parado precisamente ali onde se encontrava o Menino (cfr. Mt 2, 9)

Mas a estrela também não teria sido suficiente, se os Magos não fossem pessoas intimamente abertas à verdade. Ao contrário do rei Herodes, tomado pelos seus interesses de poder e de riquezas, os Magos propendiam para a meta da sua busca, e quando a encontraram, mesmo sendo homens cultos, comportaram-se como os pastores de Belém: reconheceram o sinal e adoraram o Menino, oferecendo-lhe os dons preciosos e simbólicos que tinham levado consigo»[25].

Não esqueçamos que «Nosso Senhor dirige-se a todos os homens, para que venham ao seu encontro, para que sejam santos. Não chama só os Reis Magos, que eram sábios e poderosos; antes disso tinha enviado aos pastores de Belém, não simplesmente uma estrela, mas um dos seus anjos. Mas tanto uns como outros – os pobres e os ricos, os sábios e os menos sábios – têm de fomentar na sua alma a disposição de humildade que permite ouvir a voz de Deus»[26].

16. Este trabalho não está reservado a pessoas que trabalhem em áreas especialmente qualificadas. De grande eficácia será sempre o apostolado pessoal de cada cristão, no âmbito em que habitualmente decorre a sua existência normal. Por isso, sugiro que nos detenhamos, num exame muito pessoal, sobre como procuramos ajudar as almas para que se aproximem de Deus: que oração, que sacrifícios, quantas horas de trabalho bem acabado oferecemos; que conversas tivemos – oralmente, por escrito – com amigos, parentes, colegas, conhecidos. Contagiemos esta santa preocupação a quem convive connosco, porque a fé na eficácia dos ensinamentos de Cristo nos há de estimular a servir e a querer mais os nossos irmãos e irmãs: ninguém nos pode deixar indiferentes.

O apostolado da inteligência, como digo, é tarefa de todos. Mas, sem perder de vista os numerosos campos em que é urgente uma nova evangelização, hoje é prioritário impregnar com a doutrina de Cristo alguns âmbitos particulares. Basta considerar as tarefas dos governantes, cientistas e investigadores, dos profissionais da opinião pública, etc.; sem esquecer que todos os homens e mulheres experimentam, experimentamos, a necessidade de escutar a voz do Senhor e de segui-la.

«A luta pela alma do mundo contemporâneo é máxima, aí mesmo onde o espírito deste mundo parece mais forte», escreveu o beato João Paulo II, a propósito da existência «de “modernos areópagos”, isto é, de novos púlpitos. Estes areópagos são hoje o mundo da ciência, da cultura, dos meios de comunicação; são os ambientes em que se criam as elites intelectuais, os ambientes dos escritores e dos artistas»[27].

A investigação e o ensino

17. Embora devamos estar sempre abertos a todos, é evidente que é muito importante dar a conhecer o Evangelho às pessoas que se movem em ambientes intelectuais. Concretamente, os que trabalham em instituições universitárias hão de recordar umas palavras do Senhor, dirigidas a todos, mas que convém considerar que se adaptam especialmente a eles: vos estis lux mundi (Mt 5, 14), deveis ser luz do mundo. Na verdade, o seu trabalho profissional coloca-os na vanguarda da nova evangelização. S. Josemaria, que tanto impulsionou, mesmo antes de 1928, o apostolado com intelectuais, escrevia: «a Universidade tem como mais alta missão o serviço aos homens, ser fermento da sociedade em que vive»[28].

Palavras que exprimem muito bem qual há de ser a direção apostólica que hão de seguir os que atuam nesses ambientes: ser fermento, dar luz e calor, a luz e o calor do Evangelho, para que os seus amigos e colegas, os seus alunos, impregnem a alma e a atuação com a Boa Nova de Cristo, em plena fidelidade ao Magistério da Igreja. Desse modo contribuirão para a evangelização da cultura. De perene atualidade é aquele ponto de Caminho: «tens de comunicar a outros Amor de Deus e zelo pelas almas, para que esses, por sua vez, peguem fogo a muitos mais que estão num terceiro plano, e cada um destes últimos aos seus companheiros de profissão.

De quantas calorias espirituais não precisas! – E que responsabilidade tão grande, se arrefeces! E (nem o quero pensar) que crime tão horroroso, se dás um mau exemplo!»[29]

Não permitamos que caia no vazio o desafio saudável de animar que muitas pessoas e instituições, em todo o mundo, promovam, estimulados pelo exemplo dos primeiros cristãos, uma nova cultura, uma nova legislação, uma nova moda, coerentes com a dignidade da pessoa humana e o seu destino para a glória dos filhos de Deus em Jesus Cristo (cfr. 2 Cor 3, 18). Se todos temos de rezar e colaborar com generosidade completa para o conseguir, é aos professores universitários e aos investigadores que incumbe a responsabilidade dum empenho profundo e perseverante, para aproveitar cada uma das ocasiões que o exercício da profissão lhes proporciona. A fé configura-se, neste contexto, como apoio para avançar para a verdade, ao mesmo tempo que nos esforçamos, pela própria força da virtude, a levá-la para todos as âmbitos, e ajudar os que nos rodeiam a que a recebam ou nela cresçam.

18. A investigação ocupa um lugar destacado no trabalho dos professores universitários e doutros intelectuais. Nessa tarefa, o cristão comprometido com a busca e a difusão da verdade, animado pelo desejo reto de colaborar na configuração dum saber que supere a fragmentação e o relativismo, descobre constantes oportunidades para levar a cabo um profundo apostolado doutrinal. Nenhum tema de investigação, nenhuma área do amplo campo do ensino é neutro do ponto de vista da fé. Todo o nosso trabalho, até umas aulas de química, para dar um exemplo bastante concreto, podem cooperar ou não para a dilatação do Reino de Cristo. «A necessária objetividade científica rejeita justamente toda a neutralidade ideológica, toda a ambiguidade, todo o conformismo, toda a cobardia: o amor à verdade compromete a vida e todo o trabalho do cientista»[30]. Se o professor, o investigador, se move principalmente pelo desejo de dar glória a Deus e de servir as almas, então a coerência cristã do seu exemplo, a disponibilidade para os alunos e colaboradores, a retidão com que orienta o seu trabalho, o empenho por formar os seus discípulos e transmitir o seu saber, contribui sem dúvida, para que as pessoas que escutam ou que recebem o eco do seu trabalho, descubram ou vejam o rasto dos seguidores de Cristo.

Além disso, estes trabalhos científicos facilitam as relações profissionais com investigadores de prestígio dentro do próprio país ou noutros países; levam a estabelecer amizades sinceras, que são o ambiente natural do apostolado pessoal, o que facilita conseguir que os colegas, nos seus trabalhos de investigação, respeitem pelo menos os princípios morais fundamentais.

Os católicos responsáveis que intervêm nestes lugares cruciais para a nova evangelização, deveriam interrogar-se sobre o modo de chegar também, na medida das suas possibilidades, aos meios de comunicação e aos fóruns de opinião, para transmitir boa e segura doutrina, nas matérias da sua especialidade: colaborando na imprensa, intervindo em programas de rádio e de televisão ou através da internet; participando em atividades culturais, dando um parecer científico autorizado sobre temas que surgem no debate público, etc. E, por sua vez, os católicos que promovem empresas de comunicação e opinião pública, ou trabalham profissionalmente nesses meios, devem esforçar-se para que as suas páginas ou os seus programas apresentem, com elevação e rigor, o que de limpo e reto se realiza nestes espaços.

Quero deixar bem claro que os que intervêm nestas áreas, hão de sentir a responsabilidade de tirar partido dos seus talentos, sem esquecer que muitas outras pessoas, com trabalhos materiais ou aparentemente de pouco relevo, se esforçam para converter a sua ocupação em oração a Deus, a fim de que os homens e mulheres importantes nas áreas que dirigem a sociedade, saibam ser inteiramente responsáveis, conscientes de que Deus lhes pedirá contas do seu desempenho; e hão de mostrar-se muito agradecidos aos que trabalham, por assim dizer, na penumbra. Vem muito a propósito o que comentava S. Josemaria: Quem é mais importante, o magnífico reitor duma universidade ou a última pessoa que serve na manutenção do edifício? E respondia sem duvidar: o que cumpre a sua tarefa com mais fé, com mais desejo de santidade.

Harmonia entre fé e razão

19. Os que nos sabemos filhos de Deus, havemos de propagar que «não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. (…) Deus e o homem estão colocados, cada um no seu respetivo mundo, numa relação única. Em Deus reside a origem de tudo, n’Ele se encerra a plenitude do mistério e isto constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisto está a sua nobreza»[31].

Mantém plena atualidade o horizonte que S. Josemaria descrevia: «sobre a base firme dum profundo conhecimento científico, havemos de mostrar que não há oposição alguma entre a fé e a razão»[32]; antes, pelo contrário, deve existir uma plena sintonia, porque os dois âmbitos do conhecimento procedem de Deus, do Logos criador que, além disso, se fez homem.

Na Carta Apostólica Novo Millénnio ineúnte, João Paulo II escreveu: «Para a eficácia do testemunho cristão, especialmente nestes âmbitos delicados e controversos, é importante fazer um grande esforço para explicar adequadamente os motivos da posição da Igreja, sublinhando sobretudo que não se trata de impor aos não crentes uma perspetiva de fé, mas de interpretar e defender valores radicados na própria natureza do ser humano. A caridade tomará então necessariamente a forma de serviço à cultura, à política, à economia, à família, para que em toda a parte sejam respeitados os princípios fundamentais de que depende o destino do ser humano e o futuro da civilização»[33]. Para esta tarefa, necessita-se do dom de línguas, que se alcança quando se invoca com fé o Espírito Santo e se empregam os meios humanos.

De todos é conhecida a plena liberdade, que dentro da doutrina católica, a Igreja reconhece aos seus filhos na própria atuação profissional e enquanto cidadãos iguais aos outros cidadãos. A sensibilidade para os problemas humanos, o sentido sobrenatural para julgá-los e resolvê-los cristãmente, de acordo com a reta consciência bem formada, deve estimular a responsabilidade apostólica pessoal para trazer para o debate científico uma visão mais humana e sempre cristã. Por isso, convém abordar com retidão e seriedade os trabalhos que têm especial relevância doutrinal e ética, nas áreas científicas e humanistas próprias de cada um. A crise moral pela qual passa a sociedade, e a necessidade perene de evangelizar, tornam ainda mais urgente que os investigadores cristãos não abandonem este trabalho e desenvolvam com constância e profundidade esses temas, para ajudar a resolver corretamente os problemas atuais.

A moralidade pública

20. Outro desafio prioritário da evangelização é o da moralidade pública. Um dos obstáculos que com mais iniquidade se opõe ao reinado de Cristo, nas almas e na sociedade, como um todo, é a onda de sensualidade que invade os costumes, leis, modas, meios de comunicação, expressões artísticas. Para deter esse ataque venenoso, além de rezar e convidar a rezar, de reparar e de levar à reparação, movidos por uma responsabilidade cristã e também humana, havemos de mobilizar muitas pessoas, católicas ou não, mas homens e mulheres de boa vontade, instando-os a que sintam a urgência de fazer algo. Sobram os lamentos estéreis, e muito mais qualquer atitude de indiferença, de se conformar com não fazer pessoalmente o mal. Pelo contrário, a toda a hora se apresenta o momento propício de se lançar com mais brio a um apostolado capilar, a uma mudança radical, começando pela própria vida, o próprio lar, o próprio ambiente profissional.

Escutemos o Apóstolo dos gentios, que nos exorta: a que não recebais a graça de Deus em vão. Pois ele diz: “Eu te ouvi no tempo favorável e te ajudei no dia da salvação”. Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação(2Cor6, 1-2). Os cristãos devemos proceder com a segurança da fé, precisamente para refazer tudo o que à nossa volta está em desacordo com a lei de Deus, sem respeitos humanos, sem medo de que se note a nossa condição de pessoas convictas da nossa fé. Há valores que não são negociáveis, como repetidamente tem manifestado Bento XVI: «tutela da vida em todas as suas fases, desde o primeiro momento da conceção até à morte natural; reconhecimento e promoção da estrutura natural da família, como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimónio, e a sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu caráter particular e o seu papel social insubstituível; tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos»[34].

O Papa esclarecia que «estes princípios não são verdades de fé mesmo se recebem ulterior luz e confirmação da fé. Eles estão inscritos na natureza humana e, portanto, são comuns a toda a humanidade. A ação da Igreja de os promover não assume, por conseguinte, um caráter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas, prescindindo da sua filiação religiosa. Ao contrário, esta ação é tanto mais necessária quanto mais estes princípios forem negados ou mal compreendidos porque isto constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma grave ferida infligida à própria justiça»[35].

21. Idêntico raciocínio, pelo mesmo motivo, deve fazer-se sobre os pontos essenciais da doutrina cristã que sofrem, nos nossos dias, um ataque intolerante por parte de grupos de pessoas cegamente obstinadas em eliminar o sentido religioso da sociedade civil. Infelizmente, existem muitos exemplos; desde ataques grosseiros a Jesus Cristo, a quem tentam ridicularizar, até acusações caluniosas contra a Igreja, os seus ministros, as suas instituições.

A tarefa do cristão, que deseja ser coerente com a sua vocação consiste em mostrar Cristo aos outros, saber-se alto-falante, primeiro com o exemplo, mas também com a palavra oportuna, dos ensinamentos da Igreja, especialmente nos temas mais debatidas na opinião pública. Vem-me à memória o que tão claramente expôs D. Álvaro: «Como é necessário varrer primeiro a própria casa (...), cada um deve examinar como se preocupa com esta obrigação particularmente cristã»[36]. Palavras que soam como um eco da pregação do Apóstolo aos primeiros fiéis: esta é a vontade de Deus: a vossa santificação (…) que cada um de vós saiba possuir o seu corpo santa e honestamente, sem se deixar levar pelas paixões desregradas, como os pagãos que não conhecem Deus; e que ninguém, nesta matéria, oprima nem defraude o seu irmão (…). Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade.(1 Ts 4, 3-7).

A recomendação de S. Paulo adquire singular relevo nas circunstâncias presentes. É impossível, de facto, lutar eficazmente contra essa onda viscosa e suja que procura envolver tudo, se no nosso interior se admite alguma cumplicidade, mesmo que pareça pequena, com essas «coisas perversas, que sobem e sobem, fervendo dentro de ti, até quererem sufocar, com a sua podridão bem cheirosa, os grandes ideais, os mandamentos sublimes que o próprio Cristo pôs no teu coração»[37].

Com o mesmo relevo ressalta o texto de S. Gregório Nazianzeno, que o beato João Paulo II citava na sua exortação apostólica sobre a missão dos Bispos. Assim se expressava esse Padre e Doutor da Igreja: «Temos de começar por nos purificar, antes de purificarmos os outros; temos de ser instruídos, para podermos instruir; temos de nos tornar luz para iluminar, de nos aproximar de Deus para podermos aproximar d’Ele os outros, ser santos para santificar»[38].

Porque não nos consideramos melhores que os outros – e não nos enganamos nesta apreciação –, convém-nos voltar uma e outra vez a tratar de adequar o mais perfeitamente possível a nossa situação pessoal com a doutrina de Jesus Cristo. Temos de nos persuadir de que, primeiro, havemos de lutar no nosso interior, decididos de verdade a conformar com a vontade de Deus os nossos pensamentos, projetos, palavras e ações, mesmo nas coisas mais pequenas: «a luta tem uma frente dentro de nós mesmos, a frente das nossas paixões. Vigia quem luta interiormente, para se afastar decididamente da ocasião de pecado, do que pode debilitar a fé, desvanecer a esperança ou prejudicar o Amor»[39].

22. Aqui centra-se, centrar-se-á sempre, um ponto de exame diário para os próximos meses. Como é a nossa luta pela santidade? Descemos a detalhes concretos, em sintonia com o que nos sugerem na direção espiritual pessoal? Recorremos com frequência ao Senhor, implorando uma fina delicadeza de consciência, que nada tem a ver com os escrúpulos, para descobrir pequenas fissuras nos muros da alma, pelas quais o inimigo tenta introduzir-se, tirando também eficácia ao nosso trabalho apostólico? Enche-nos de alegria a possibilidade de encontrar novos pontos de luta, para enfrentá-los decididamente, desportivamente, sustentados pela graça de Deus?

Non enim vocávit nos Deus in immundítiam sed in sanctificatiónem (1 Ts 4, 7). Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas para a santidade. Ainda que alguns meios de comunicação ou desvios de qualquer natureza pretendam incutir outra coisa, em primeiro lugar com a cumplicidade das nossas tendências desordenadas, a luta pela limpeza de conduta mostra-se sempre atraente, sempre possível; portanto em qualquer circunstância pode-se e deve-se propor este ideal a cada pessoa, mesmo que pareça que se encontra longe deste objetivo. Não existe criatura humana que não procure um refúgio onde proteger-se, neste mar de ondas e tempestades que a nossa época atravessa, e que realmente não é uma situação nova. Os cristãos contamos com a grande ventura e capacidade de transmitir essa segurança, que muitos anseiam talvez sem se darem conta. Sigamos em frente, lutando com alegria nas batalhas do Senhor (cfr. 1 Mac 3, 2), in hoc pulchérrimo caritátis bello, nesta formosíssima luta de caridade, cujo feliz resultado está plenamente assegurado, com a vitória do Senhor, para os que se mantêm fiéis ao seu Amor.

23. Bento XVI enfatizou recentemente a importância de recorrer habitualmente ao sacramento da Penitência. Falando a sacerdotes e candidatos ao sacerdócio, no contexto do Ano da Fé, afirmava que «a celebração do Sacramento da Reconciliação é, ela mesma, anúncio e por isso caminho a percorrer para a obra da nova evangelização (…).

Em que sentido a Confissão sacramental é “caminho” para a nova evangelização? Antes de tudo porque a nova evangelização haure linfa vital da santidade dos filhos da Igreja, do caminho quotidiano de conversão pessoal e comunitária, para se conformar cada vez mais profundamente com Cristo. E existe um vínculo estreito entre santidade e Sacramento da Reconciliação, testemunhado por todos os Santos da história. A conversão real dos corações, que significa abrir-se à ação transformadora e renovadora de Deus, é o “motor” de qualquer reforma e traduz-se numa verdadeira força evangelizadora. Na Confissão, o pecador arrependido, por obra gratuita da Misericórdia divina, é justificado, perdoado e santificado, abandona o homem velho para se revestir do homem novo. Só quem se deixou renovar profundamente pela Graça divina, pode trazer em si mesmo, e portanto anunciar, a novidade do Evangelho»[40].

A instituição familiar

24. Na Obra, devemos mover-nos sempre com otimismo e visão sobrenatural, que estão ligados à filiação divina, mas não podemos ignorar que, nestes momentos, um dos âmbitos mais ameaçados pela onda do hedonismo é a família. Entre os graves danos que esta situação produz, saltam à vista o aumento das infidelidades conjugais e a crescente dificuldade para que a gente jovem se encontre em condições de ouvir e de seguir a chamada de Deus, sobretudo ao celibato apostólico. Por isso, hoje é especialmente urgente e necessária uma «cruzada de virilidade e de pureza»[41], nos diferentes níveis da sociedade.

Nesta batalha de limpeza, como em todas as outras virtudes, reveste-se de grande importância a delicadeza para praticar pessoalmente esta afirmação gozosa que é a santa pureza, de acordo com estado de cada um, e também para não descuidar a influência que se pode exercer mediante o apostolado de amizade e de confidência. Além disso, são sempre úteis os estudos interdisciplinares sobre a forma de ajudar que muitas pessoas e instituições, em todo o mundo, fomentem, seguindo o exemplo dos primeiros cristãos, uma nova cultura, uma nova legislação, uma nova moda, a que me referia anteriormente.

Será necessário rezar perseverantemente, será necessário trabalhar muito para alcançar um objetivo tão ambicioso. Mas é assim que os cristãos estabelecem as metas: magnânimas nos desejos e adaptadas à realidade daquilo que se está em condições de conseguir individualmente. Temos de nos convencer que cada um está capacitado para chegar a mais, a bastante mais do que pensamos, à base de coisas pequenas no próprio ambiente: afirmações, exemplos, santa intransigência. Vem-me à memória uma imagem que S. Josemaria empregava a propósito do problema ecológico. Copio-a aqui, porque me parece muito elucidativa do que estou a comentar.

«Recentemente dizia aos vossos irmãos mais velhos, lembrando-me de que falámos tantas vezes de barcas e de redes, que agora se fala e se escreve muito em todos os sítios de ecologia. E dedicam-se, nos rios e nos lagos, e em todos os mares, a tomar amostras de água, a analisá-la... Quase sempre o resultado é que aquilo está em más condições: os peixes não dispõem dum ambiente sadio, habitável.

Quando falámos de barcos e de redes, vós e eu referíamo-nos sempre às redes de Cristo, à barca de Pedro e às almas. Por algo disse o Senhor: Vinde após mim, que eu farei de vós pescadores de homens (Mt 4, 19). Pois bem, pode acontecer que alguns desses peixes, desses homens, vendo o que está a suceder em todo o mundo e dentro da Igreja de Deus, ante esse mar, que parece coberto de imundície, e ante esses rios que estão cheios como de babas repugnantes, onde não encontram alimento nem oxigénio; se estes peixes pensassem e estamos a falar de uns peixes que pensam, porque têm alma, poderia vir-lhes à cabeça a decisão de dizer: basta, eu dou um salto, e fora! Não vale a pena viver assim. Vou refugiar-me na margem, e ali darei umas arfadas, e respirarei um pouquinho de oxigénio. Basta!

Não, meus filhos; nós temos de continuar no meio deste mundo podre, no meio deste mar de águas turvas; no meio desses rios que passam pelas grandes cidades e pelas aldeias, e que não têm nas suas águas a virtude de fortalecer o corpo, de saciar a sede, porque envenenam. Meus filhos, havemos de estar sempre no meio da rua, no meio do mundo a tratar de criar à nossa volta um remanso de águas limpas, para que venham outros peixes e, entre todos, vamos ampliando o remanso, purificando o rio, devolvendo a sua qualidade às águas do mar»[42].

25. No meio das conjunturas sociais e morais semelhantes ou piores do que as que atravessamos agora, a Igreja começou com o afã de mudar a atmosfera do decadente Império Romano e os cristãos havemos de trabalhar sempre assim, procu­rando decididamente levar o ambiente de Cristo à humanidade.

Nesta tarefa desempenham um papel insubstituível os pais e as mães: o seu empenho em imprimir um tom profundamente cristão nos seus lares e na educação dos seus filhos, fará dessas famílias focos de conduta cristã, remansos de águas límpidas que influenciarão muitos casais, facilitando por outro lado que brotem vocações de entrega a Deus no sacerdócio e nas variadíssimas realidades eclesiais, tanto no âmbito secular como na vida religiosa; e novos «lares luminosos e alegres», como comentava S. Josemaria.

Corresponde aos pais e às mães por direito próprio, insisto, uma ampla gama de apostolado pessoal com diferentes manifestações. E nada mais lógico do que associarem-se livremente a muitas outras pessoas com problemáticas semelhantes, para enfrentar esta situação de evidente transcendência: a ocupação do tempo livre, o entretenimento e a diversão, as viagens, a promoção de sítios adequados para que as filhas e os filhos possam ir amadurecendo humana e espiritualmente, etc. Corresponde por direito aos casais com filhos em idade escolar, como parte muito importante da sua responsabilidade educativa, a escolha e até mesmo a promoção de escolas e clubes juvenis; além de ser evidente a importância de intervirem ativamente no funcionamento dos centros escolares que os filhos ou as filhas frequentam, utilizando todos os instrumentos que a lei lhes oferece para os orientar adequadamente.

Nos últimos tempos, depois de muitos anos de propaganda a favor da coeducação, vai-se abrindo caminho à ideia da educação separada para meninos e meninas, nos níveis primário e secundário, o que é benéfico para a formação das novas gerações. Convém não se desentender desta tarefa, e incentivar os esforços de investigação e de divulgação, nos aspetos jurídico, pedagógico e de opinião pública, para mostrar a legitimidade e as vantagens deste modo de proceder, que pressupõe um grande respeito para com as crianças, para com as raparigas e rapazes adolescentes e uma comprovada eficácia educativa e também de formação humana.

26. De igual modo, neste contexto, é necessário um conceito correto de liberdade, já que com frequência se identifica, erradamente, este dom com a simples capacidade de escolher o que mais apetece em cada momento, o que satisfaz o capricho ou o comodismo, sem considerar a sua íntima ligação com a verdade. A liberdade, um grande bem natural, ficou debilitada pelo pecado, mas Cristo curou-a com graça e elevou-a à categoria da nova e verdadeira liberdade sobrenatural: a dos filhos de Deus (cfr. Rm 8, 18-19, 21). S. Josemaria, precisamente porque se sabia e se sentia muito filho de Deus Pai – filiação que envolve a verdade mais íntima do homem e da mulher – chegou a adquirir uma compreensão especialmente profunda da liberdade cristã e preveniu-nos: «não nos deixemos enganar pelos que se conformam com uma triste vozearia: liberdade! liberdade! Muitas vezes, advertia, nesse mesmo clamor, esconde-se uma trágica servidão: porque a escolha que prefere o erro não liberta; o único que liberta é Cristo (cfr. Gal 4, 31) pois só Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (cfr. Jo 14, 6)»[43]. E acrescentava: «A liberdade adquire o seu sentido autêntico quando se exerce ao serviço da verdade que resgata, quando se gasta a procurar o amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões»[44].

Como cidadãos responsáveis, os cristãos devemos fazer todo o possível para defender e promover a liberdade própria e a dos outros e, ao mesmo tempo, ajudar todos a descobrir essa nova liberdade: hac libertáte nos Christus liberávit (Gal 5, 1), com que Cristo nos libertou. Trata-se duma das tarefas mais urgentes da nova evangelização. Já recordei que as pessoas que se devem santificar no estado matrimonial têm um papel insubstituível nesta missão, mas desejo insistir que a obrigação de difundir a verdadeira doutrina sobre o casamento e a família é da responsabilidade de cada uma e de cada um.

CONHECER E PROFESSAR A FÉ


27. Todos os esforços para realizar a nova evangelização, seja no apostolado da inteligência, ou nas áreas prioritárias que acabei de mencionar, devem apoiar-se no fundamento sólido da fé. Sem fé é impossível agradar a Deus(Heb 11, 6), diz-nos a Sagrada Escritura.

Esta virtude teologal, porta da vida cristã, requer a livre adesão do intelecto e conduz à plena fidelidade à Vontade de Deus, que se expressa nas verdades que nos revelou, transmitindo-nos a segurança de que hão de ser aceites pela mesma autoridade do Criador que, como narram as passagens bem claras do Génesis, apenas quis o bem de toda a criação. Por isso, a fé seriamente assumida e praticada, estimula uma confiança contínua, plena, em Deus que nos assegura, ao exercitarmos esse abandono responsável e livre, a participação na sua própria vida divina, que nos foi comunicada com essas verdades como caminho para alcançar a união com o próprio Deus.

«Nesta perspetiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cfr. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova: “Pelo Batismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova” (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical da ressurreição»[45].

Exemplos de fé

28. A Epístola aos Hebreus coloca diante dos nossos olhos uma sucessão de homens e mulheres fiéis que, ao longo da história da salvação, desde o justo Abel, acreditaram em Deus e aderiram a Ele com todas as energias da sua inteligência e da sua vontade, gastando gozosamente a sua existência ao Seu serviço (cfr. Heb 11, 4-40). Destaca-se entre todos a figura de Abraão, nosso pai na fé[46], de quem havemos de aprender também a fortaleza da sua esperança em Deus, porque todos nós havemos de crescer na vida teologal ao longo dos próximos meses, fiando-nos cada vez mais dos meios que nos conduzem ao Céu e pedindo com firmeza à Trindade que nos aumente a fé, a esperança, a caridade.

Quando se encontrava na cidade de Ur dos Caldeus, «Abraão, ouviu a palavra do Senhor que o arrancava da sua terra, do seu povo e, em certo sentido, de si próprio, para fazer dele o instrumento dum desígnio de salvação que abraçava o futuro povo da aliança e mesmo todos os povos do mundo»[47]. Imediatamente, sem vacilar, o patriarca pôs-se a caminho.

Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu não sabendo para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos (eternos), cujo arquiteto e construtor é Deus. Foi pela fé que a própria Sara cobrou o vigor de conceber, apesar da sua idadeavançada, porque acreditou na fidelidade daquele que lhe havia prometido. Assim, de um só homem quase morto nasceu uma posteridade tão numerosa como as estrelas do céu e inumerável como os grãos de areia da praia do mar(Heb 11, 8-12).

A mesma epopeia de acreditar firmemente continua e desenvolve-se, com maior intensidade e extensão, no Novo Testamento. Mestra inigualável é a Virgem Santíssima que «pela fé, (…) acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência da sua dedicação (cfr. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele se confiavam (cfr. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cfr. Lc 2, 6-7). Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egito a fim de O salvar da perseguição de Herodes (cfr. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cfr. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória de tudo (cfr. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cfr. Act 1, 14; 2, 1-4)»[48].

Por isso, meditar e aprofundar na fé de Maria nos conduz e ajuda a sentir a total dependência que temos de Deus, dependência que nos faz entender que, agarrados firmemente à sua mão, nos tornamos capazes de fazer maravilhas, com uma ajuda extraordinária para a nossa própria existência, para a Igreja, para a corredenção que nos foi confiada; uma ajuda extraordinária que chega logicamente às tarefas e ninharias aparentemente mais indiferentes, porque com Deus póssumus!, podemos tudo; e sem Ele, nihil, nada.

Pela fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre. Da mesma forma atuaram os discípulos da primeira hora, e os mártires que deram a vida para testemunhar o Evangelho, e inumeráveis cristãos de todos os tempos, também recentes. «Pela fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro da vida (cfr. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e ministérios a que foram chamados»[49].

O exemplo de S. Josemaria

29. Fixemos os nossos olhos na história da Igreja, onde nunca faltaram homens e mulheres que foram instrumentos nas mãos de Deus para dar um novo impulso e vitalidade à fé do povo cristão em tempos de dificuldade. Penso no exemplo do nosso Fundador. S. Josemaria meditou muito sobre a figura e a resposta dos nossos predeces­sores na fé. Por isso, como o patriarca Abraão, o nosso Padre abandonou os seus projetos nobres e, obediente à voz divina, tornou-se um peregrino de todos os caminhos do mundo, para ensinar aos seus irmãos e irmãs uma doutrina «velha como o Evangelho e como o Evangelho nova»[50]: que Deus nos chama a todos a ser santos no trabalho e nas circunstâncias da vida vulgar, no meio das realidades temporais. Foi um homem, um sacerdote, de fé e de esperança: virtudes que, com a caridade, o Senhor infundiu com crescente intensidade na sua alma. Ao cultivar essa fé gigante e essa grande esperança, alcançou a capacidade para levar a cabo a missão que tinha recebido, e hoje são inumeráveis, como as estrelas do céu, e como a areia na praia do mar (Gn 22, 17), as pessoas de diferentes idades, raças e condições que se alimentam desse espírito e procuram assim a glória de Deus.

A vida de S. Josemaria manifesta que cada dia pode e deve ser o nosso tempo de fé, de esperança, de amor, sem concessões ao egoísmo. Convém, pois, que nos perguntemos como se manifestam as virtudes teologais na nossa conduta diária: se sabemos reconhecer a mão providente do nosso Pai Deus em todas as circunstâncias, tanto nas que se apresentam com um aspeto favorável como naquelas que parecem adversas; isto é, se estamos firmemente persuadidos de que ómnia possibília credénti (Mc 9, 23), que tudo é possível ao que crê, apesar da falta de méritos pessoais e de meios humanos; se somos otimistas no apostolado, com um otimismo sobrenatural baseado na convicção de que, como afirma o Apóstolo, ómnia possum in eo, qui me confórtat(Fl 4, 13), tudo podemos em Cristo, que é a nossa fortaleza.

Talvez possamos concluir que ainda não nos exercitamos com suficiente intensidade nessas virtudes. Devemos, então, aplicar as considerações de S. Josemaria: «Falta-nos fé. No dia em que vivermos esta virtude – confiando em Deus e na sua Mãe –, seremos valentes e leais. Deus, que é o Deus de sempre, fará milagres pelas nossas mãos.

– Dá-me, ó Jesus, essa fé que de verdade desejo! Minha Mãe e Senhora minha, Maria Santíssima, faz com que eu creia!»[51].

O nosso Padre implorou muitas vezes para si, para os seus numerosos filhos e filhas e para todos os cristãos o crescimento nas virtudes teologais: adauge nobis fidem, spem, caritatem!, aumenta-nos a fé, a esperança e o amor, rezava todos os dias, pedindo-o também, sem palavras, com o coração, enquanto levantava a Hóstia e o cálice na Santa Missa. Movia-o o único fim de ser melhor servidor e de que fossemos melhores servidores de Deus e das almas, em qualquer hora e situação. Nisto reside, insisto, a causa para que o caminhar da Igreja se encha de novos frutos, agora e sempre. Como escreve o Papa: «desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança[52].

Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, acrescenta o Papa, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano. Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Batismo»[53].

Pedir a fé e aprofundar nesta virtude

30. Ao longo destes meses – oxalá consigamos criar esse ânimo para sempre –, ao rezar o Credo na Missa e noutros momentos, esforcemo-nos por professar a fé da Igreja, com mais consciência, com uma atenção mais imediata às palavras e ao seu significado. Também suporia uma grande ajuda o estudo e a frequente meditação dos diversos artigos que compõem o Símbolo. Entre os meios que Bento XVI sugere para dar relevo e verdadeira eficácia a esse tempo, um de primordial importância concretiza-se no estudo do Catecismo da Igreja Católica, ou também do seu Compêndio, como preciosa herança do Concílio Vaticano II, onde se recolhem, de modo tão completo, orgânico e ordenado, todas as verdades da doutrina católica.

«Existe uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento»[54]. O conhecimento dos conteúdos da fé é essencial para lhes podermos dar o próprio assentimento, para aderirmos plenamente com a inteligência e a vontade ao que a Igreja propõe; tal aceitação implica, portanto, que, quando se crê, se acolhe livremente todo o mistério da fé, já que o próprio Deus garante a sua verdade ao revelar-se e oferecer à nossa razão o seu mistério de amor.

«Por outro lado, prossegue o Papa, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro “preâmbulo” da fé, porque move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus»[55].

Não desfaleçamos na estupenda tentativa de pôr a descoberto as inquietações espirituais que se ocultam em todas as almas, para lhes oferecer a formação oportuna que sacie a sua sede da Verdade. Especialmente nos tempos atuais, tem muita importância ensinar ou recordar àqueles com quem nos damos por um motivo ou outro, que a vida terrena é uma etapa transitória da existência humana. Deus criou-nos para a vida eterna, destinou-nos a participar da sua própria Vida divina, alcançando assim uma felicidade completa e sem fim. Este dom da Santíssima Trindade só se consegue em plenitude depois da morte corporal, mas começa já aqui em baixo. Ora, a vida eterna consiste em que Te conheçam a Ti, um só Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo que enviaste (Jo 17, 3). Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia(Jo 6, 54).

31. Nos próximos meses, temos uma nova oportunidade de meditar com profundidade no mistério de Jesus Cristo. Com as suas obras e palavras, Jesus manifestou-nos o Pai e mostrou-nos o caminho que a Ele conduz; deu-nos o que é necessário para atingir a meta: a Igreja, com os seus sacramentos e instituições; e, mais ainda, enviou-nos o Espírito Santo que, habitando pela graça nas almas, impulsiona constantemente os homens para a casa do Pai. Tudo brota como fruto da benevolência divina, porque nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados (1 Jo 4, 10).

Convençamo-nos do papel fundamental de meditar e de convidar os outros a meditar esta verdade essencial: «Deus ama-nos! O Omnipotente, o que fez os Céus e a Terra!»[56]. Maravilhemo-nos e agradeçamos este anúncio impressionante, que havemos de difundir por toda parte mediante uma catequese universal. Precisamente esta palavra, catequesis, na sua etimologia grega mais literal, significa “fazer soar aos ouvidos” uma mensagem; para os cristãos, o método de ensino utilizado pela Igreja já nos primeiros momentos, desde que começou a transmitir à humanidade a pérola preciosíssima e o tesouro da salvação, como explicava o Mestre. Assim, escutando, os primeiros discípulos do Senhor acolheram a boa nova e transmitiram-na aos outros, de tal forma que comprometia o querer e o atuar dos que os ouviam e a incorporavam à sua conduta.

E do mesmo modo havemos de nos comportar agora, depois de vinte séculos de cristianismo: fazer ressoar a Verdade trazida por Jesus Cristo no coração das pessoas que encontramos no nosso caminhar pela terra e também, mediante a oração, nas que não conhecemos pessoalmente. Temos de manifestar, de modo oportuno, a cada um e a cada uma: Deus pensou em ti desde toda a eternidade! Deus ama-te! Deus preparou para ti um lugar inefável, o Céu, onde Ele se te entregará em possessão e gozo eternos, saciando amplamente as ânsias de felicidade que habitam no teu coração!

32. Não se pode pressupor o conhecimento destas verdades fundamentais. Muitas pessoas não conhecem Deus ou têm d’Ele uma ideia errada. Uns imaginam um Deus zeloso do cumprimento da lei, sempre pronto a castigar, ou um Deus a que se recorre somente em caso de necessidade; outros acreditam num Deus encerrado na sua própria felicidade, muito longe das penas e angústias dos homens... Não deixemos de nos perguntar se, pela nossa alegria e paz, os que nos veem podem tocar a Bondade do Senhor com os seus filhos.

Todos necessitamos de reforçar constantemente «essa base de ideias claras sobre os temas fundamentais para estar em condições de iluminar tantas inteligências e de defender a Igreja dos ataques, que recebe às vezes de todas as partes: ideias claras sobre as verdades dogmáticas e morais; sobre as exigências da família e da educação cristã; sobre os direitos ao trabalho, ao descanso, à propriedade privada, etc.; sobre as liberdades fundamentais de associação, de expressão, etc. Desta forma, podereis experimentar gozosamente a verdade daquelas palavras: véritas liberábit vos (Jo 8, 32), porque a verdade vos dará alegria, paz e eficácia»[57].

Peçamos decididamente ao Espírito Santo que nos auxilie, para sabermos apresentar um testemunho convincente e expor, com a ciência e a formação de cada um, os argumentos racionais que ajudem cada criatura a abrir a sua mente à verdade. Rezemos com perseverante confiança. Este ponto é o mais importante; recordemos a promessa do Senhor: digo-vos ainda isto: se dois de vós se unirem sobre a terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos céus. (Mt 18, 19). Se permanecermos bem unidos na oração, cerrando fileiras como um exército em ordem de batalha (Ct 6, 4), uma batalha de paz e de alegria, conseguiremos do Céu o que suplicamos a Deus.

Comentando o versículo do Evangelho que acabo de transcrever, Bento XVI assinala que «o verbo que o evangelista usa para “se unirem” (…) refere-se a uma “sinfonia” dos corações. É isto que atrai o coração de Deus. Por conseguinte, a sintonia na oração manifesta-se importante para as finalidades do seu acolhimento por parte do Pai celeste»[58]. Mantenhamo-nos sempre muito unidos ao Papa e às suas intenções, pois desta forma nos aproximaremos mais de Cristo e, com Ele, pelo Espírito Santo, a nossa oração chegará eficazmente a Deus Pai.

FORMAÇÃO DOUTRINAL


33. O nosso Padre enumerava cinco aspetos fundamentais da formação: humana, doutrinal-religiosa, espiritual, apostólica e profissional. O Ano da fé oferece-nos de maneira especial um convite para refletir de novo sobre a nossa formação doutrinal. E isto, pela simples razão de que toda essa formação se dirige, desde diversas perspetivas, a aprofundarmos pessoalmente os conteúdos da fé e o sentido da própria fé; e desta forma, por meio desse intelléctus fídei renovado, possamos anunciar e propor de maneira adequada, a colegas e amigos, o mistério do Amor de Deus em Jesus Cristo.

Formação na doutrina da Igreja

34. Assim, o nosso Fundador sintetizou, em frase expressiva, a atividade fundamental da Obra: «dar doutrina». Daí o esforço constante e gozoso para assegurar aos fiéis da Prelatura o alimento da formação, especialmente no seu aspeto doutrinal-religioso. Penso no gozo do nosso Padre, ao contemplar do Céu como continuamente essas aulas, de acordo com os planos e necessidades de cada lugar. A todos vós recordo o que nos repetia insistentemente, para que nos ficasse profundamente gravado: «Ponde muito empenho em assimilar a doutrina que se vos dá, de maneira que não fique estagnada; e senti a necessidade e o agradável dever de levar a outras mentes a formação que recebeis, para que dê frutos de boas obras, cheias de retidão, também nos corações doutras pessoas»[59].

Para servir, servir, comentava muito frequentemente S. Josemaria, utilizando os diversos significados deste verbo servir: ser útil aos outros e ter capacidade real para enfrentar as diferentes circunstâncias. Resumia nesta frase a importância de nos prepararmos bem, em todos os terrenos, desejosos de prestar uma efetiva colaboração aos planos de Deus e da Igreja. «Para poder servir as almas, temos de servir nós primeiro, quer dizer formar-nos. Se não, não seremos bons instrumentos, não servimos»[60]. Aplicando à nossa finalidade apostólica: só serve o que tem e cultiva uma fé viva e esclarecida, porque só a partir dessa fé pode servir o apostolado da Obra e a formação doutrinal dos outros.

Convencido desta perene necessidade, S. Josemaria fixou as pautas para a formação doutrinal-religiosa dos fiéis da Obra e desenvolveu-as paulatinamente. Exami­nemos no nosso trato com o Senhor o que ininterruptamente nos expunha. «Os fins que nos propomos corporativamente são a santidade e o apostolado. E para alcançar estes fins necessitamos, acima de tudo, de uma formação. Para a nossa santidade, doutrina; e para o apostolado, doutrina. E para a doutrina, tempo, em lugar oportuno, com os meios adequados. Não esperemos umas iluminações extraordi­nárias de Deus, que não tem de no-las conceder, quando nos dá uns meios humanos concretos: o estudo, o trabalho. Há que formar-se, há que estudar»[61].

O Paráclito, que habita nas almas em graça, com o Pai e o Filho, é verdadeiramente, para aqueles que ouvem a sua voz e são dóceis às suas inspirações, o que faz «penetrar no espírito e no coração dos homens os ensinamentos de Jesus»[62]. O próprio Jesus Lhe chamou Espírito da verdade, e assegurou-nos: quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade, porque não falará por si mesmo, mas dirá o que ouvir (…). Ele me glorificará, porque receberá do que é meu, e vo-lo anunciará. (Jo 16, 13-14). E o Santo Padre João Paulo II comentando estes textos do Evangelho, ensinava: «Se Jesus disse de si mesmo: “Eu sou a Verdade” (Jo 14, 6), é estaa verdade de Cristo que o Espírito Santo faz conhecer e difunde (...). O Espírito é Luz da alma: Lumen Córdium, como O invocamos na sequência de Pentecostes» [63].

Os cristãos podemos sentir-nos mais livres do que ninguém, se não permitirmos que nos arrastem as tendências caducas do momento. A Igreja incentiva os seus filhos a comportarem-se como «cidadãos católicos responsáveis e consequentes, de modo que o cérebro e o coração de cada um de nós não vão díspares, cada um por seu lado, mas concordes e firmes, para fazer em todo o momento o que se vê claramente que é preciso fazer, sem se deixar arrastar, por falta de personalidade e de lealdade para com a consciência, por tendências ou modas passageiras: para que não sejamos crianças que flutuam e se deixam levar agitadas por qualquer sopro de doutrina ao capricho da malignidade dos homens e de seus artifícios enganadores (Ef 4, 14)»[64].

Aprofundar na doutrina da fé

35. Se pretendemos conhecer e amar a Deus, se desejamos que os outros O conheçam e amem, é essencial que a doutrina católica informe cada vez mais o nosso entendimento e a nossa vontade. Agora, além disso, perante uma cultura dominante que tende a afastar-se de Deus, esse dever torna-se particularmente premente.

Daí a importância fundamental que tem a urgência de nos prepararmos doutrinalmente, sem soluções de continuidade. Não abandoneis nunca o estudo e, mais concretamente, o dedicado à teologia, cada um segundo as suas possibilidades, para adquirir esse intelléctus fídei de que vos falava. Devemos sentir, vigorosa e gozosa, a tensão íntima da fé “fides quærens intelléctum”[65]: a da inteligência informada pela fé, que impulsiona a saber cada vez mais profundamente aquilo em que se acredita. O estudo da teologia, não rotineiro nem simplesmente memorizador, mas vital, ajuda em grande medida a que as verdades da nossa fé cheguem a ser plenamente conaturais à inteligência e a aprender a pensar na fé e a partir da fé. Só assim se está em condições de apreciar as múltiplas questões, por vezes complexas, suscitadas pelas ocupações profissionais e pelo desenvolvimento da sociedade no seu conjunto. Precisamente porque sois livres, minhas filhas e filhos, porque cada um decide e atua com plena e total autonomia, esforçai-vos dando particular atenção à necessidade de formar bem a vossa inteligência e a vossa consciência, para contar com o cúmulo de conhecimentos, não só das ciências humanas, mas também da ciência teológica, que vos permitam pensar, julgar e agir como corresponde a um cristão.

Havemos de nos enriquecer intelectualmente para enfrentar com seriedade aqueles temas da doutrina católica que são particularmente importantes no campo da própria profissão, ou que gozam de especial atualidade no país. Serão diferentes dum sítio para outro, mas há alguns que, nos momentos atuais, são válidos em toda parte: os relacionados com o casamento e a família, a educação, a bioética, etc.

36. Nesta linha, tenho-vos insistido que se continue a impulsionar a melhoria e a especialização de professores nos diversos Stúdia Generália da Prelatura; que se fomentem linhas de investigação de alto nível nas universidades onde o Opus Dei presta assistência espiritual; que se promovam grupos interdisciplinares, por exemplo, de médicos, biólogos, juristas, filósofos, sociólogos que se dediquem com sentido apostólico a esta tarefa.

Não poucos fiéis da Prelatura poderão realizar um trabalho análogo, juntamente com outras pessoas, nas instituições académicas, públicas ou privadas, onde trabalham. E muitos mais, embora não se dediquem profissionalmente a essas áreas específicas, estão em condições de cooperar com o seu grãozinho de areia, ajudando a criar uma opinião pública saudável, respeitadora da lei natural e informada pela mensagem cristã, utilizando oportunamente os meios de comunicação social. Ouvistes-me comentar que uma simples carta ou um e-mail para um jornal, explicando com simpatia e de forma clara, com dom de línguas, um ponto da doutrina católica, às vezes é mais eficaz do que um tratado volumoso. Quando a opinião pública de um país apresenta uma visão distorcida da Igreja, e mesmo quando se organizam abertamente campanhas difama­tórias, os católicos não podem permanecer passivos: devemos reagir, por justiça para com Deus e para com a sociedade, contra esses abusos, desmascarando os ataques mais ou menos disfarçados e exigir o respeito que a Igreja merece, independentemente das falhas de alguns dos seus membros.

Para isso, insisto, assimilemos a urgência imprescindível de melhorar constantemente a nossa formação teológica, aprofundando, na medida das necessidades e circunstâncias individuais, nas questões presentes na opinião pública relacionadas com aspetos fundamentais da Revelação. Aproveitemos seriamente as aulas e conferências sobre filosofia, teologia, direito canónico, assistindo a esses tempos de formação com entusiasmo, com pontualidade e desejos de tirar muito proveito; porque, além disso, essas atividades tornam acessível a outras pessoas a catequese doutrinal e espiritual por que anseiam.

37. Analisando os ensinamentos dos Santos Padres, Bento XVI detém-se num ponto de particular importância nos momentos atuais. Ele afirma que o grande erro das antigas religiões pagãs consistiu em não se limitarem aos caminhos traçados no fundo das almas pela Sabedoria divina. «Por isso o ocaso da religião pagã era inevitável: fluía como consequência lógica do afastamento da religião reduzida a um conjunto artificial de cerimónias, convenções e hábitos»[66]. E o Papa acrescenta que os antigos Padres e escritores cristãos em vez disso optaram «pela verdade do ser contra o mito do costume»[67]. Tertuliano, como menciona o Pontífice escreveu: «Dóminus noster Christus veritátem se, non consuetúdinem, cognominávit. Cristo afirmou ser a verdade, não o costume»[68]. E o Sucessor de Pedro diz-nos que, «a este propósito observe-se que a palavra consuetúdo, aqui empregada por Tertuliano referindo-se à religião pagã, pode ser traduzida nas línguas modernas com as expressões “moda cultural”, “moda do tempo”»[69].

Não duvidemos: apesar da aparente vitória do relativismo nalguns lugares, este modo de pensar e de desorientar tanta gente acabará por se desmoronar como um castelo de cartas, por não estar ancorado na verdade de Deus Criador e Providente, que dirige os caminhos da história. Ao mesmo tempo, a realidade que vemos à nossa volta há de animar-nos a não ceder e a não abandonar as pessoas que vivem numa situação de desencanto e de falta de conteúdo.

UNIÃO COM CRISTO MEDIANTE A ORAÇÃO E O SACRIFÍCIO


38. Consta-me que S. Josemaria repetiu muitas vezes e meditou as palavras de Santo Inácio de Antioquia quando, a caminho de Roma, onde iria sofrer o martírio, considerava que era “trigo de Deus” e que tinha de ser moído pelos dentes das feras “a fim de ser apresentado como pão limpo de Cristo”[70]. Os cristãos também nos sabemos trigo de Deus, porque temos a agradável obrigação de fornecer alimento espiritual a quem, por uma razão ou outra, passa ao nosso lado.

Convençamo-nos profundamente que Deus deseja que sejamos pão de Cristo, para saciar a fome das almas. E para consegui-lo, é necessário deixar-se moer, sem resistências, como os grãos das espigas; e decidir-se a aproveitar a fundo, não a meias, as formas de que o Senhor se serve para nos polir, para limar as arestas do nosso caráter, para arrancar da nossa conduta externa e interna, por amor, mesmo que custe, esse eu que cada um tem em grau superlativo. Este trabalho de purificação, não nos falta a experiência pessoal, requer-se para conseguir os frutos sobrenaturais oportunos. O Mestre explicou-o graficamente: se o grão de trigo, caído na terra, não morrer, fica só; se morrer, produz muito fruto (Jo 12, 24).

União com Cristo na Cruz

39. Jesus Cristo deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2, 4). E esta santa ambição deve informar o nosso comportamento: havemos de dar uma forte carga apostólica a quanto fazemos, nas situações e nos momentos mais diversos. Assim, cada fiel da Obra, mesmo os que não estejam em condições de realizar um apostolado imediato, devido à doença, por se encontrarem num novo lugar ou desconhecer a língua, etc., desenvolverá um trabalho apostólico diretíssimo muito fecundo. Consegui-lo-emos todos, se nos esmerarmos no trato com Deus através das normas de piedade, empenhando-nos na realização dum trabalho bem acabado, apresentando-o a Deus, em cada dia, na Santa Missa. O Senhor espera que Lhe ofereçamos esse aproveitar e procurar as pequenas mortificações ou exigências com um ritmo constante, «como o bater do coração»[71].

A união com Cristo na Cruz é de suma importância para a realização deste programa apostólico. Não há possibilidade de seguir Jesus sem nos negarmos a nós mesmos, sem cultivar o espírito de mortificação, sem praticar obras concretas de penitência. O Santo Padre assinala que «cada cristão está chamado a compreender, a viver e a testemunhar com a sua existência. A Cruz, a doação de si mesmo por parte do Filho de Deus é, definitivamente, o “sinal” por excelência que nos foi dado para compreender a verdade do homem e a verdade de Deus: todos nós fomos criados e remidos por um Deus que por amor imolou o seu único Filho. Eis por que na Cruz, como escrevi na Encíclica Deus cáritas est, “cumpre-se aquele virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se entrega para levantar o homem e salvá-lo: este é o amor na sua forma mais radical” (n. 12)»[72].

Meter-se nas Chagas de Cristo

40. Ouvimos, não poucas vezes, uma comparação a que S. Josemaria recorria. Comentava que os cristãos que anseiam caminhar perto do Mestre devem ser, «nas mãos chagadas de Cristo, a semente que o Semeador divino lança no sulco. E como o semeador mete a mão no saco, a tira repleta de grãos dourados e os lança à volta, assim temos de nos dar vós e eu, sem esperar nada na terra, nem inventarmos penas que não existem. Mas é preciso, como afirma o Evangelho, que o grão se enterre e morra em aparência, para ser fecundo (cfr. Jo 12, 24). Só assim, seremos uma boa semente na sementeira que o Senhor quiser fazer para abrir caminhos divinos na terra»[73].

À luz destas considerações, examinemos se nos esforçamos seriamente por ser almas piedosas e penitentes, firmemente persuadidos de que «a ação nada vale sem a oração; a oração valoriza-se com o sacrifício»[74]. Roguemos ao Senhor que nos conceda ânsias diárias de maior entrega, desejos eficazes de nos gastarmos com todo o gosto pelo bem das almas. E isto só se alcança se procurarmos atualizar todos os dias, na Santa Missa, o desejo de ser hóstia viva em união com Cristo.

Ninguém nega a grandeza e a importância do que se nos propõe: ser hóstia com Cristo. Fomentemos estes santos desejos nos nossos momentos de trato pessoal mais íntimo com Ele. Invoquemos Jesus, através da sua Santíssima Mãe, Mestra de fé, para que nos conceda a graça de renovar quotidianamente o zelo apostólico, e plasmemos estes propósitos em obras concretas, de acordo também com os conselhos que nos sugiram na direção espiritual.

Então, sim: Jesus Cristo tomar-nos-á na sua mão chagada e depois de empapar-nos, como insistia S. Josemaria, no seu Sangue precioso, sem abandonarmos o sítio onde nos pôs a cada um e a cada uma, lançar-nos-á longe, muito longe: tornará fecunda a nossa entrega em locais próximos e remotos, servir-se-á do nosso trabalho e do nosso descanso, das nossas alegrias e das nossas dores, das nossas palavras e dos nossos silêncios para lançar a sua semente divina em miríades de corações. Seremos verdadeiramente «pão para o altar e pão para a mesa: divinos e humanos»[75]. E Jesus realizará novos milagres portentosos, como antes os operou nas almas e nos corpos dos que O procuravam, quando a multidão tentava tocá-Lo, porque saía dEle uma força que os curava a todos (Lc 6, 19).

Recorrer ao Espírito Santo

41. Assim como Jesus Cristo pregou a boa nova sob o impulso do Espírito Santo (cfr. Lc 4, 14), assim os cristãos têm de recorrer cheios de confiança ao Paráclito, como recomendava o beato João Paulo II, quando se aproximava o Jubileu do ano 2000. «Nos compromissos primários (…), escreveu numa Carta apostólica, inclui-se, portanto a redescoberta da presença e ação do Espírito que age na Igreja quer sacramentalmente, sobretudo mediante a Confirmação, quer através de múltiplos carismas, cargos e ministérios por Ele suscitados para o bem dela»[76].

Nada mais lógico, portanto, que no apostolado pessoal e em qualquer trabalho apostólico contemos acima de tudo com a consoladora realidade de que o Espírito Santo atua sem cessar, a fim de santificar as almas, embora geralmente leve a cabo a sua ação em silêncio. Ele é, «também, na nossa época, o agente principal da nova evangelização (…), Aquele que constrói o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo, animando os homens no mais íntimo deles mesmos e fazendo germinar dentro da existência humana os gérmens da salvação definitiva que acontecerá no fim dos tempos»[77]. Não duvidemos: se recorrermos com fé ao Consolador, Ele porá nas nossas bocas a palavra acertada, a sugestão oportuna, a correção amável e humilde ante condutas erradas, que ajudarão essas pessoas a reagir.

Cultivemos seriamente, portanto, o trato com o Espírito Santo, porque, como também ensinava S. Josemaria, falando da atuação do Senhor nos filhos fiéis, «Deus não só passa, mas permanece em nós. Para dizê-lo de alguma maneira, está no centro da nossa alma em graça, dando sentido sobrenatural às nossas ações, desde que não nos oponhamos e O expulsemos dali pelo pecado. Deus está escondido em vós e em mim, em cada um»[78].

A arma da oração

42. Voltemos a ler umas palavras do beato João Paulo II, no dia da canonização do fundador do Opus Dei: «para desempenhar uma missão tão comprometedora, é necessário um incessante crescimento interior, alimentado pela oração. S. Josemaria Escrivá foi um mestre no exercício da oração, que ele considerava como uma ‘arma’ extraordinária para redimir o mundo. Assim, recomendava sempre: “Em primeiro lugar, a oração; depois, a expiação; e em terceiro lugar, mas somente ‘em terceiro lugar’, a ação” (Caminho, n. 82). Não se trata dum paradoxo, prosseguia o Papa, mas duma verdade perene: a fecundidade do apostolado depende sobretudo da oração e duma vida sacramental intensa e constante. Em última análise, este é o segredo da santidade e do verdadeiro êxito dos Santos»[79].

É uma atitude espiritual que este santo sacerdote, o nosso Padre, pôs em prática desde que o Senhor passou pela sua alma, e se reflete de modo diáfano nos primeiros anos do Opus Dei, quando tudo estava por fazer. Em 1930, o Opus Dei era então como uma criatura recém-nascida, S. Josemaria escrevia a Isidoro Zorzano, o único fiel da Obra naqueles momentos, umas palavras que mantêm validade perene. «Se queremos ser o que o Senhor e nós desejamos, anotava, havemos de fundamentar-nos bem, antes de tudo na oração e na expiação (sacrifício). Orar: nunca, repito, deixes a meditação ao levantar; e oferece em cada dia, como expiação, todas as dificuldades e sacrifícios da jornada»[80].

Sigamos este padrão de conduta, imprescindível para aumentar a nossa vida de fé e cumprir a missão sobrenatural que o Mestre confia aos cristãos. Por isso, em primeiro lugar havemos de crescer diariamente no relacionamento pessoal com Jesus Cristo. Tanto no meio do trabalho profissional mais exigente, como na quietude de uma capela ou igreja, ou no trânsito das ruas, também nos momentos de diversão ou descanso e, naturalmente, nas ocupações familiares, na doença e nas contrariedades, em todo o momento!, havemos de falar a Deus com a alma, com o coração, com os sentidos, com os lábios, esforçando-nos por converter tudo o que fazemos em oração grata a Deus, muitas vezes sem palavras. Mas, insisto, a oração é fruto da vida de fé. É preciso muita fé para pedir realmente, com convicção, como fez S. Josemaria: Jesus, diz-me algo, diz-me algo, Jesus.

Não esqueçamos que a pessoa que reza a sério avança na virtude da humildade; tem a alegria da filiação divina; sente a urgência do apostolado diário; atua sempre com amabilidade e cordialidade; sabe servir; procura desaparecer e é dócil na direção espiritual.

O sal da mortificação

43. Inseparavelmente do trato com o Senhor, necessitamos da mortificação, que se eleva a Deus como «a oração dos sentidos». Há pessoas que se assustam com a palavra “expiação”, imaginando sabe-se lá que penas insuportáveis. Nada mais distante da realidade. Normalmente Deus pede-nos um espírito de penitência, que se manifesta no cumprimento bem acabado dos próprios deveres de estado e das circunstâncias de cada um; realizado perseverantemente com alegria, ainda que custe, mas sem descon­tinuidade, com fidelidade heróica nas pequenas coisas.

S. Josemaria, que foi tão generoso nas grandes penitências a que o Senhor o convidava, pois faziam parte da sua missão fundacional, atribuía também extraordinária importância à expiação pequena, mas repleta de amor. Assim o expõe numas breves notas de 1930, sobre o modo de fazer o exame de consciência. «Expiação: como recebi, neste dia, as contradições vindas da mão de Deus? As que me proporcionaram, com seu caráter, os meus companheiros? As da minha miséria? Soube oferecer ao Senhor, como expiação, a mesma dor, que sinto, por tê-lo ofendido tantas vezes!? Ofereci-Lhe a vergonha dos meus rubores e humilhações interiores, ao considerar o pouco que avanço no caminho das virtudes?»[81]

O mundo tem hoje especial necessidade, e tê-la-á sempre, de almas que amem o sacrifício abraçado voluntariamente por amor de Deus. Em qualquer momento, também se ergue como arma capaz de vencer a luta contra o hedonismo, que tantas vítimas causa entre os cristãos e entre os não cristãos: contra o excessivo comodismo do corpo e dos sentidos. Consideremos que, para espezinhar o apego desordenado ao próprio eu, o remédio está no oferecimento submisso, verdadeiro holocausto, dos nossos sentidos internos e externos, das nossas potências, da nossa alma e do nosso corpo, realizado em estreita união com Jesus Cristo.

Havemos de «oferecer a nossa vida, a nossa dedicação sem reservas e sem regateios, em expiação pelos nossos pecados, pelos pecados de todos os homens, nossos irmãos; pelos pecados cometidos em todos os tempos, e pelos que se cometerão até ao fim dos séculos: sobretudo pelos católicos, pelos escolhidos de Deus, que não sabem corresponder, que atraiçoaram o amor de predileção que o Senhor lhes teve»[82]; acrescentando uma faceta que o nosso Padre cuidou sempre: ganhar essa luta com esperançoso otimismo, com a segurança de que o Senhor nos fará vencedores, pela fé, pela confiança n’Ele, e pela caridade com Deus e com as almas.

44. Essas palavras de S. Josemaria ajudam-nos a enfrentar com generosidade as mortificações habituais. Todos necessitamos de nos purificar sem vacilações: só assim estaremos em condições de sanear, com o júbilo próprio dos filhos de Deus, o ambiente em que estamos inseridos. «Expiação e, além da expiação, o Amor. – Um amor que seja cautério: que abrase a imundície da nossa alma, e fogo que incendeie, com chamas divinas, a miséria do nosso coração»[83]. Sugiro-vos também que, se nalgum momento, nos sentirmos cobardes, contemplemos Jesus nas horas da sua Paixão por nosso amor. «Depois... serás capaz de ter medo à expiação?»[84]

Através destas coordenadas da conduta cristã, fomentemos nos outros a urgência duma ação apostólica concreta e constante com os jovens e os mais velhos, com os sãos e os doentes, ou com aqueles de quem nos aproximamos por motivos do trabalho profissional ou pelas relações de amizade, parentesco, gostos, etc., que compõem o tecido da nossa participação no ambiente em que habitualmente estamos inseridos. Peçamos à Santíssima Virgem que nos aumente o zelo apostólico nos próximos meses, para sermos propagadores do júbilo da fé em Deus, e que atuemos sempre assim; roguemos-lhe também que envie abundantes graças do seu Filho, para que muitos homens e mulheres abram os corações à graça de Deus, sem hermetismos, e se decidam a caminhar com Cristo pela senda que conduz à felicidade plena, que Ele mesmo preparou para cada um, desde toda a eternidade.

A TAREFA APOSTÓLICA


45. A “missão”, a tarefa apostólica que o Senhor nos confiou só é possível a partir da “vida de fé” que temos vindo a descrever: deve ser como a “epifania” da fé. É a fé, doutrina e vida, que dá solidez e eficácia à existência cristã e a torna especialmente atraente, como prova a realidade de que muitas pessoas que não têm fé, desejam, talvez sem levar à prática esses desejos, alcançar a felicidade e a segurança, a paz, que veem nos que acreditam em Deus.

Ocupemo-nos do apostolado, desde a virtude da fé, como acabo de vos assinalar. Não deve diminuir, portanto, a nossa confiança diária no Senhor. É preciso reparar muito pelas ofensas a Deus e pelo dano que se causa às almas. Minhas filhas e filhos, precatemo-nos da urgência e continuidade desse desagravo, precisamente pelo apostolado pessoal que realizemos: essa reparação é como o termómetro que indica, sem qualquer dúvida, a profundidade dos sentimentos da nossa alma cristã, a autenticidade de nossa dor pela situação da sociedade. Procedamos assim, sabendo-nos, como dizia o nosso Padre, capazes de cometer os erros e horrores da criatura mais pecadora, se nos desprendermos da mão de Deus. Rejeitemos qualquer possibilidade de permanecer inativos. Cada um pessoalmente, cada uma, em união de objetivos apostólicas, rezemos ao Senhor pelas pessoas que compartilham duma forma ou doutra os mesmos ideais; participemos sem medo nesta sementeira de paz, utilizando todos os meios lícitos para que os toques dos sinos do gáudium cum pace cheguem até ao último recanto da terra.

Cada um no seu lugar

46. Ao fortalecer, com fé firme e perseverante, os fundamentos do nosso diálogo com a Trindade, as ações apostólicas concretas serão eficazes: aproveitemos todas as oportunidades que nos aparecerem, para servir as almas e caminhemos com o grande incentivo de criar outras novas. Procuremos acabar os nossos trabalhos, quaisquer que sejam, com total retidão de intenção, vigiando sobre nós próprios, para que não se infiltre nessas tarefas nenhuma vanglória. A retidão de intenção não se há de desvanecer nem estar ausente no nosso trabalho diário. Assim, qualquer atividade, bem acabada e oferecida ao Céu, converter-se-á em identificação com Jesus Cristo, e contribuirá poderosamente para a própria unidade de vida.

No coração da nova evangelização da sociedade, cada pessoa tem um lugar preciso, atribuído pela Providência. Mas não devemos comportar-nos passivamente nem contentar-nos com o esforço por sermos fiéis: saiamos ao encontro das almas, para as servir, ali onde estão, nas mil encruzilhadas da organização social, na universidade e nas escolas, nos ambientes de trabalho e de descanso, nas famílias, a fim de lhes oferecer a formação cristã que necessitam. Sintamos a urgência santa de contribuir para o trabalho da Igreja no mundo, imitando os primeiros cristãos. Às vezes os obstáculos aparecerão diante dos nossos olhos, com evidente crueza; e chega então a hora de aplicarmos a nós próprios os parágrafos de uma carta de S. Josemaria, dirigida a todos, sem exceção:

«É lógico, meus filhos, que, algumas vezes, (...) sintais a vossa pequenez e penseis: comigo, todo esse trabalho?, comigo, que sou tão pouca coisa?, comigo, tão cheio de misérias e erros ?

Eu digo-vos que abrais, nesses momentos, o Evangelho de S. João e mediteis devagar aquela passagem que narra a cura do cego de nascença. Vede como Jesus faz lodo, com pó da terra e saliva, e aplica esse lodo nos olhos do cego, para lhe dar luz (cfr. Jo 9, 6). O Senhor usa como colírio um pouco de lodo (...). Com o conhecimento próprio da nossa fraqueza, do nosso nenhum valor, mas com a graça do Senhor e a boa vontade, somos medicina, para dar luz; somos, experimentando a nossa pequenez humana, fortaleza divina para os outros»[85].

Algumas e alguns estareis em condições de colaborar de modo mais imediato na instauração dessa nova cultura, dessa nova legislação, dessa nova moda – a que já me referi várias vezes, que, informadas pelo espírito evangélico, se hão de promover sem desfalecimentos. Mas a todos, insisto, se nos atribui uma posição concreta nesta «guerra de amor e de paz». Cada uma, cada um, na linha de frente ou na retaguarda, estamos em condições de efetuar um apostolado diretíssimo que, em comunhão com toda a Igreja, incidirá eficazmente na consecução desses objetivos.

Como o fermento na massa

47. Quando, nalguma ocasião, noteis com especial força o peso do ambiente adverso, no local de trabalho, entre os próprios parentes, no círculo de amigos e conhecidos, pensai com profunda responsabilidade que o Senhor chama os cristãos para ser fermento no meio da massa. O Reino dos céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa (Mt 13, 33). E S. João Crisóstomo explica: «Como o fermento comunica a sua própria virtude a uma grande massa, assim vós haveis de transformar o mundo inteiro»[86].

Assim atuou e atua Deus na história do mundo. Nas suas mãos está a possibilidade de que todos caiam rendidos a seus pés, porque nenhuma criatura pode resistir ao seu poder; mas então não respeitaria a liberdade que Ele mesmo nos concedeu. Deus não quer vencer pela força, mas convencer pelo amor, contando com a colaboração livre e entusiasta doutras criaturas, sem ignorar que ao Mestre interessam as multidões, as pessoas, os desorientados como ovelhas sem dono. Não quer impor despoticamente a sua Verdade, mas também não fica indiferente ante a ignorância das pessoas ou os desvios morais; e por isso, da boca do bom pai de família que convida para o banquete, brota a indicação: Sai pelos caminhos e atalhos e obriga todos a entrar, para que se encha a minha casa (Lc 14, 23): compélle intráre!

«Mesmo que, permanecendo no mesmo lugar, Cristo tivesse podido atrair a Si as pessoas para ouvirem a sua pregação, não atuou desse modo; dando-nos exemplo, para que percorramos também nós os caminhos, buscando aqueles que se perdem como o pastor procura a ovelha perdida, como o médico socorre o doente»[87].

Por este trabalho constante produziram-se inúmeras conversões ao longo do caminho que a Igreja foi abrindo no mundo. Raramente surgiram como resultado da ação duma personalidade excecional, ou como resultado duma estratégia pensada até aos menores detalhes. Surgiram como efeito do bom exemplo de homens e mulheres, de famílias inteiras, que com a ajuda da graça praticaram a sua fé com naturalidade e souberam dar com continuidade razão da esperança que neles habitava (cfr. 1 Pd 3 15).

Que grande é a responsabilidade dos cristãos, de cada um de nós! Do nosso comportamento, do zelo pelas almas, dependem tantas tarefas grandes, altamente eficazes e atraentes. Se as pessoas se tornam insípidas, vós podeis devolver-lhes o seu sabor; mas se isso vos acontecer a vós, com a vossa perda arrastaríeis também os outros. Por isso, quanto maiores encargos tendes, mais necessitais de maior fervor e zelo[88].

Ao largo!

48. Desde os começos do Opus Dei, o apostolado dos fiéis da Prelatura, dos Cooperadores e amigos, surgiu no seio da Igreja como um instrumento nas mãos do Senhor, para prestar grandes serviços em todo o mundo, apesar de nossa pequenez pessoal. Grátias tibi, Deus!, havemos de exclamar constantemente. E, ao mesmo tempo, devemos fazer mais. Duc in altum! (Lc 5, 4), ao largo, ir mais longe, sem medo e sem vacilar, apoiados sempre no firme alicerce do mandato do Mestre, cheios de segura fé n’Ele. Que panoramas apostólicos nos abre o Ano da Fé! Corresponde a cada um o empenho de aproveitá-los e esse trabalho de almas deve levar-se a cabo em qualquer situação em que nos encontremos: cuidando, acima de tudo, a petição a Deus por pessoas e intenções concretas.

Detenhamo-nos nas áreas prioritárias da nova evangelização que acima mencionei; e, perante o Ano da Fé, examinemos a nossa atuação individual para transmitir mais sabor cristão à própria família, ao ambiente profissional em que estamos inseridos, ao círculo cultural, social ou recreativo que frequentamos. Detenhamo-nos corajosamente neste exame, e tiremos consequências para a situação pessoal, sem ceder a inquietações vãs mas, quando for necessário, com dor de amor. Então a soma será, nalgumas ocasiões, a convicção de que ficámos aquém; podíamos ter rezado com mais intensidade, confiança e perseverança; ou que, talvez, nos faltou mais generosidade no oferecimento de sacrifícios, ou que temos de atuar com maior exigência nas conversas apostólicas ao serviço dos outros; ou que estamos a descuidar a formação doutrinal. Noutras ocasiões, daremos graças porque o Senhor quis servir-se de nós para a sua colheita de almas.

Admitir esta realidade, longe de levar ao desânimo, deve converter-se num novo impulso para pedir ao Céu uma fé mais viva e recomeçar! Nunc cœpi!, repetia S. Josemaria com palavras do Salmo: agora começo; esta mudança é efeito da mão direita do Altíssimo (cfr. Sl 76, 11, Vg). Assim temos de reagir, quando verificamos que os resultados são mais curtos que os desejos, e inclusive quando se veja com evidência a realidade da nossa pequenez pessoal ou a aparente ineficácia dos nossos esforços. Então, com mais urgência, a solução consiste em começar de novo: eúntes docéte! (Mt 28, 19), fiados na palavra do Senhor, como para a expansão a que Jesus Cristo enviou os discípulos.

49. Este foi o convite que o beato João Paulo II dirigiu aos católicos ao terminar o ano de 2000. «No início do novo milénio (…) um novo percurso de estrada se abre para a Igreja, ressoam no nosso coração as palavras com que um dia Jesus, depois de ter falado às multidões a partir da barca de Simão, convidou o Apóstolo a “fazer-se ao largo” para a pesca: “Duc in altum” (Lc 5, 4). Pedro e os primeiros companheiros confiaram na palavra de Cristo e lançaram as redes. “Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe” (Lc 5, 6)»[89].

Esta cena, que o nosso Padre considerou e pregou frequentemente ao longo de toda a sua vida, contemplamo-la de modo muito imediato na leitura do Evangelho da Missa na festa de S. Josemaria. Convido-vos a meditar, uma vez mais, com cuidado, cada versículo, porque também agora, como nos tempos de Jesus, a multidão tem fome de ouvir a palavra de Deus.

O Senhor subiu à barca de Pedro para que a sua palavra chegasse à multidão; e pede logo a colaboração material de Simão e dos outros discípulos: nessa ocasião para remarem para o alto mar e em tantas outras para que a sua mensagem se estendesse cada vez mais. Concretiza-se, por um lado, esse primeiro modo de participar na missão evangelizadora: proporcionar à Igreja, como Pedro com a sua pobre barca, os recursos materiais oportunos para trabalhar com maior eficácia pelo bem das almas. Mas esse esforço não é suficiente. O Senhor chama-nos, além disso, a contribuir pessoalmente no apostolado, cada um segundo a sua própria situação pessoal, aproveitando as suas possibilidades com generosidade completa. Existe uma grande urgência de mulheres e homens seriamente empenhados no trabalho fascinante de levar as almas aos pés de Cristo, como os primeiros discípulos.

A pesca milagrosa aparece-nos como um sinal da eficácia apostólica com raiz na obediência à palavra do Mestre. Depois de ter doutrinado a multidão, Jesus volta-se para Pedro e para os outros, dizendo-lhes: faz-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar (Lc 5, 4). Simão obedece à ordem do Senhor, apesar da sua recente experiência negativa em obter resultados, e então, por esta docilidade, realiza-se o milagre: apanharam peixes em muita quantidade (Lc 5, 6).

«Duc in altum! Estas palavras ressoam, também hoje, para nós e convidam-nos a recordar com gratidão o passado, a viver com paixão o presente e abrir-se para o futuro com confiança: Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade” (Heb 13, 8)»[90].

Trago também à vossa mente, pela sua atualidade, o que Bento XVI pregou no início solene do seu serviço pastoral na Sé de Pedro:

«Também hoje é dito à Igreja e aos sucessores dos apóstolos que se façam ao largo no mar da história e que lancem as redes, para conquistar os homens para o Evangelho, para Deus, para Cristo, para a vida (…) Nós homens vivemos alienados, nas águas salgadas do sofrimento e da morte; num mar de obscuridade sem luz. A rede do Evangelho tira-nos para fora das águas da morte e conduz-nos ao esplendor da luz de Deus, na verdadeira vida. É precisamente assim: na missão de pescador de homens, no seguimento de Cristo, é necessário conduzir os homens para fora do mar salgado de todas as alienações rumo à terra da vida, rumo à luz de Deus. É precisamente assim: nós existimos para mostrar Deus aos homens. E só onde se vê Deus, começa verdadeiramente a vida. Só quando encontramos em Cristo o Deus vivo, conhecemos o que é a vida»[91].

Utilizar todos os meios

50. A condição indispensável e primária para recolher frutos apostólicos é, insisto, cultivar a vida de fé, que se traduz em recorrer aos meios sobrenaturais. Se fomentarmos a amizade com Jesus na oração pessoal, se formos aos sacramentos da Confissão e da Eucaristia, se falarmos com Nossa Senhora, com os anjos e com os santos, nossos intercessores diante de Deus, ajudaremos como colaboradores eficazes nessa pesca divina, na qual o Senhor Jesus nos quer meter. Para isso, seguindo o exemplo do Mestre, devemos amar sinceramente os amigos, colegas, todas as almas, vivendo o mandátum novum, o mandamento novo através do qual o Salvador anuncia que as pessoas conhecerão que somos seus discípulos (cf. Jo 13, 34-35).

Além disso, o Senhor deseja também que ponhamos ao seu serviço os meios materiais ao nosso alcance. Podemos deduzi-lo do ensinamento da primeira leitura da Missa de S. Josemaria. Depois de ter criado o mundo com a sua omnipotência, e com particular amor o primeiro homem e primeira mulher, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, do lado do oriente, e colocou nele o homem que havia criado (…), para cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2, 8-15).

Esta passagem da Sagrada Escritura tinha ficado profundamente gravada na mente do Fundador do Opus Dei. Desde o momento em que o Senhor lhe fez ver a sua Vontade, percebeu que nestas palavras do livro do Génesis se encontrava uma das chaves para levar a cabo a obrigação de santificar o trabalho e de se santificar através do trabalho. Mostra-se-nos decisivo o exemplo de Jesus que durante trinta anos se ocupou duma tarefa profissional na oficina de Nazaré, evidenciando o dever de utilizar também os meios humanos para a instauração do Reino de Deus.

Em qualquer atividade apostólica requer-se que confiemos, sobretudo, na ajuda de Deus e, ao mesmo tempo, que utilizemos para essa finalidade os meios materiais. As iniciativas do Opus Dei, por exemplo, necessitam das orações e da ajuda de muitas pessoas. E assim, com a graça de Deus e a contribuição generosa dessa piedade, de sacrifício, de esmola, de tantas pessoas de condição social muito diferente, ao serviço da Igreja em todo o mundo, leva-se a cabo um trabalho evangelizador cada vez mais amplo.

S. Josemaria sugeria que nos perguntássemos todos os dias: que fiz eu hoje para aproximar de Nosso Senhor alguns conhecidos? Em diferentes ocasiões, essa urgência será concretizada com uma conversa orientadora; com um convite para se acercar do sacramento da Penitência; com um conselho que ajuda a compreender melhor algum aspeto da vida cristã. S. Ambrósio, comentando a recuperação da fala por Zacarias, pai de João Batista (cfr. Lc 1, 64), escreveu: «com toda a razão se desprendeu em seguida a sua língua, porque a fé desatou o que a incredulidade tinha atado»[92]. A fé, se é viva, desata-nos a língua para dar testemunho de Cristo com o apostolado de amizade e confidência. E sempre preciso o oferecimento generoso da oração e da penitência pessoais, do trabalho bem terminado; aqui se nos apresentam os instrumentos mais importantes que temos de usar, para alcançar os objetivos apostólicos.

A MODO DE CONCLUSÃO

51. Antes de concluir, sugiro-vos três metas para fortalecer nos próximos meses a vossa vida de fé: piedade eucarística, trato com o Espírito Santo, devoção à Santíssima Virgem. Cada um, cada uma, com a ajuda da direção espiritual poderá adaptá-las às suas circunstâncias pessoais.

Piedade eucarística

52. Bento XVI, na sua Carta Apostólica Porta fídei, expõe o seu desejo de que o Ano da Fé «suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança». E especifica: «será uma ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que é “a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força(Sacrosánctum Concílium, 10). Simultaneamente esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e refletir sobre o próprio ato com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano»[93].

Durante 2012 tiveram ou terão lugar alguns aniversários particularmente signifi­cativos na história do Opus Dei. Penso no centenário da primeira Comunhão de S. Josemaria, a 23 de abril, no vigésimo aniversário da sua beatificação (17 de maio) e no décimo da sua canonização (6 de outubro), no trigésimo da ereção pontifícia da Prelatura (28 de novembro)... Estes e outros momentos da nossa história, no contexto da preparação e desenvolvimento do Ano da Fé, hão de se converter em ocasiões bem aproveitadas para renovar a nossa gratidão e o nosso louvor à Santíssima Trindade. E que melhor maneira de o conseguir senão através do Sacrifício de Cristo, sacramental­mente presente na Santa Missa?

Ao longo do Ano da Fé, portanto, havemos de dar um novo impulso às manifestações de piedade, vigorosa, firme, à Sagrada Eucaristia, mistério «que reúne em si todos os mistérios do Cristianismo»[94]. Vamos tentar melhorar ainda mais, com consciência pessoal, nos dons que nos foram entregues com a nossa participação no único sacerdócio de Cristo: todos recebemos no Batismo o sacerdócio comum dos fiéis e outros, além disso, ao ser ordenados sacerdotes, o sacerdócio ministerial. Convido-vos a dar mais realce ao exercício da alma sacerdotal quando assistis à Santa Missa ou a celebrais; apresentai cada dia sobre o altar o vosso trabalho, as vossas esperanças, as vossas dificuldades, as vossas penas e as vossas alegrias. Jesus Cristo uni-las-á ao seu Sacrifício e oferecerá tudo ao Pai, convertendo numa oblação agradável a Deus os momentos e circunstâncias do nosso caminhar terreno, de modo que seja um verdadeiro sacrifício de louvor, de ação de graças, de reparação pelos pecados. Tornar-se-á realidade a aspiração que S. Josemaria alentava no mais profundo do seu coração: que toda a nossa existência, as vinte e quatro horas do dia se convertam numa missa, pela sua íntima união com o Sacrifício do Altar.

53. Convido-vos a que nestes meses se multipliquem os vossos atos de fé na Presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Com que amor e com que profundidade se referia o nosso Padre ao Santíssimo Sacramento! Sempre que, no decurso das suas viagens de catequese, falava deste tesouro da Igreja, aproveitava a oportunidade para fazer um profundo ato de fé. «O Senhor não está apenas no altar. Quando o sacerdote guarda as espécies sacramentais do Pão no Sacrário, ali fica Jesus Cristo, o Filho de Santa Maria sempre Virgem, O que nasceu do seu ventre, O que trabalhou em Nazaré caladamente depois de nascer em Belém; O que pregou, O que padeceu a Paixão e Morte na Cruz, O que ressuscitou e subiu aos Céus»[95].

Animei-vos, no início de 2012, a repetir a profissão de fé do apóstolo Tomé: Dóminus meus et Deus meus! (Jo 20, 28). Sugiro-vos também que, ao contemplar o Senhor escondido na Sagrada Eucaristia, Lhe dirijamos essas ou outras palavras, como S. Josemaria: «Senhor, creio que és Tu, Jesus, o Filho de Deus e de Maria sempre Virgem, que estás realmente presente: com o teu Corpo, com o teu Sangue, com a tua Alma e com a tua Divindade. Adoro-Te. Quero ser teu amigo, porque Tu és O que me redimiste. Quero ser o teu amor, porque Tu o és para mim»[96].

Minhas filhas e filhos, é de bons filhos assemelhar-se a tão bom pai, a S. Josemaria, com o esforço de percorrer cuidadosamente o caminho que nos traçou. Esforcemo-nos por cultivar o desejo santo de ser cada dia mais delicados na piedade eucarística. Ofereçamos todo o amor e atenção quando saudamos Jesus Sacramentado, ao entrar e sair das igrejas ou dos oratórios dos nossos Centros. Não seria lógico que Lhe manifestássemos com frequência palavras de carinho, com o coração? Assim havemos de agir, desde o local de trabalho, saboreando jaculatórias e comunhões espirituais. E desagravemos quando virmos ou ouvirmos algo que suponha uma ofensa ou descuido. Consideremos se as nossas genuflexões são verdadeira adoração.

São pinceladas há muitas mais desse amor eucarístico próprio de quem quer ser Opus Dei e fazer o Opus Dei.

Veni, Sancte Spíritus!

54. Invoquemos com fé e esperança o Paráclito, para que se renovem, na Igreja dos nossos dias, os prodígios do primeiro Pentecostes. Penso que sempre ficamos admirados com a profunda mudança operada pelo Espírito Santo nos Doze. Depois de lançarem fora os seus temores, foram para a rua com segura ousadia, para falar de Cristo a todos os que encontravam. Quando surgiram maiores dificuldades, recorreram à oração, firmemente apoiados nas palavras do Senhor, que tinha prometido uma assistência especial do Consolador nesses momentos (cfr. Jo 14, 15-18, Lc 21, 12-15). E assim, o livro dos Atos relata que, mal acabavam de rezar, tremeu o lugar onde estavam reunidos. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciaram com intrepidez a palavra de Deus (Act 4, 31).

O Mestre disse aos Apóstolos: quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ensinar-vos-á toda a verdade (Jo 16, 13). O Paráclito inspirou os apóstolos, até a Revelação operada por Jesus Cristo ter ficado concluída com a morte do último deles. Além disso, essas palavras de Jesus dizem-nos que a assistência do Espírito de verdade não faltou nem faltará à Igreja de todos os tempos, duma maneira especial ao Magistério autêntico; e, se recorrermos a Ele, o mesmo Consolador conduz cada um de nós a um conhecimento cada vez mais profundo do mistério do Salvador. Um conhecimento que é também amor, pois a caridade difunde-se nos nossos corações pelo mesmo Espírito Santo (cfr. Rm 5, 5).

55. O Senhor também prometeu que o Espírito convenceria o mundo do pecado de não crer em Cristo (cfr. Jo 16, 8-9). Nós precisamos também desta persuasão, isto é, que ainda devemos crer mais no Senhor, confiar mais plenamente n’Ele, pôr n’Ele a nossa segurança, a nossa alegria, e não em nós mesmos, nas nossas capacidades ou nos nossos recursos.

Peçamos ao Santificador que nos faça entender essa necessidade, evitando o risco de cair no pecado de não acreditar totalmente em Jesus, e roguemos também ao Paráclito que, com a sua luz e o seu fogo, nos vá libertando dessa limitação, de modo que a nossa fé e o nosso amor a Cristo cresçam cada vez mais. Talvez possamos meditar e saborear com frequência, diria diária, aquelas palavras que, nos anos 30 do século passado, o nosso Padre compôs como oração: «Vem, ó Santo Espírito!: ilumina o meu entendimento, para conhecer os teus mandatos; fortalece o meu coração contra as insídias do inimigo; inflama a minha vontade...

Ouvi a tua voz, e não quero endurecer-me e resistir, dizendo: depois..., amanhã. Nunc cœpi! Agora!, não vá a ser que o manhã me falte.

Oh, Espírito de verdade e de sabedoria, Espírito de entendimento e de conselho, Espírito de gozo e da paz!: quero o que quiseres, quero porque queres, quero como quiseres, quero quando quiseres...»[97].

Se aprofundarmos nestas petições, enriquecer-nos-emos cada vez mais com a amizade íntima com o Paráclito, e teremos, como escreveu S. Josemaria, necessidade de conversar com cada Pessoa da Trindade, distinguindo-As[98].

Roguemos também ao Santificador que ponha nas nossas palavras e nas nossas ações esse seu fogo, capaz de transformar as almas. Desejemos seriamente que nos acenda com a sua chama, para fazer apostolado em todos os lugares. Rezemos com a fé de S. Josemaria: «Ure igne Sancti Spiritus!»; queima Senhor, com o fogo do Espírito Santo.

A devoção mariana

56. A Santíssima Virgem é o cume de todas as grandes figuras da Sagrada Escritura. Maria destaca-se como o modelo de que, para amar a Deus e identificar-se com Ele, é preciso abandonar-se livremente à sua Vontade e crer sempre com mais profundidade. A Igreja no-la propõe especialmente no Ano da Fé: «No decorrer deste Ano será útil convidar os fiéis a dirigirem-se com devoção especial a Maria, figura da Igreja, que “reúne em si e reflete os imperativos mais altos da nossa fé” (Lumen géntium, 65). Assim pois deve-se encorajar qualquer iniciativa que ajude os fiéis a reconhecer o papel especial de Maria no mistério da salvação, a amá-la filialmente e a seguir a sua fé e as suas virtudes. A tal fim será muito conveniente organizar romarias, celebrações e encontros junto dos maiores Santuários»[99].

Em primeiro lugar procuremos, com profundo empenho durante este tempo, alegrar-nos cada vez mais com a celebração das memórias litúrgicas de Nossa Senhora, que o calendário assinala; rogo-vos que as vivamos verdadeiramente como festas de família, em que os filhos se enchem de alegria com os aniversários da Mãe e a honram com delicado carinho.

Demos de presente a Santa Maria, com especial esmero, o nosso eu, e o dos outros e outras, nas visitas a santuários ou ermidas marianas, quando aí formos em companhia dos nossos familiares, amigos ou colegas, estreitamente unidos ao Santo Padre e aos seus colaboradores, e também a todos os outros Pastores da Igreja, para que se cumpram as intenções que levaram Bento XVI a convocar este Ano da Fé. Que melhor modo de manifestar esses desejos a Deus, senão recorrendo à intercessão de Nossa Senhora, intimamente associada a Cristo na Redenção?

Confiantes na sua mediação poderosa, pedir-lhe-emos que nos alcance da Santíssima Trindade a graça do regresso do mundo e da sociedade a Deus. Recordo-vos que, também com este fim, o nosso Padre insistiu sempre na urgência de cultivar a contrição, convencido de que esta maneira de rezar se acomoda às limitações e faltas de generosidade das almas, em primeiro lugar das nossas. Repararemos pelas ofensas e omissões pessoais, pelas do povo cristão, pelas de toda a humanidade.

57. Comentando o cântico da Virgem Maria, o Magníficat, Bento XVI afirmava que «Maria deseja que Deus seja grande no mundo, seja grande na sua vida, esteja presente entre todos nós. Não teme que Deus possa ser um “concorrente” na nossa vida, que nos possa tirar algo da nossa liberdade, do nosso espaço vital com a sua grandeza. Ela sabe que, se Deus é grande, também nós somos grandes. A nossa vida não é oprimida, mas elevada e alargada: justamente então torna-se grande no esplendor de Deus»[100].

Ao recorrer à segura intercessão da Omnipotência suplicante, insistamos perseverantemente ao Senhor para que torne eficazes os nossos esforços, e os de todos os católicos, na nova evangelização da sociedade. Para isso nos há de conduzir este ano, beáta María intercedénte, por intercessão da Virgem Maria: para despertar muitas pessoas da sua fé adormecida ou deteriorada e para suscitar noutras a fé inexistente. Não deixemos de aproveitar todas as ocasiões para dar a conhecer Cristo e a sua doutrina, e para espalhar, ao serviço da Igreja, o espírito do Opus Dei mediante um apostolado de amizade e confidência mais decidido; de modo que muitos mais homens e mulheres, de todas as condições, se incorporem ao trabalho apostólico.

58. Examinemos até que ponto nos comprometemos, cada uma, cada um, diariamente, para converter em realidade estes desejos. Sejamos sinceros connosco próprios para ponderar como tiramos partido das várias circunstâncias no âmbito habitual das relações sociais, também nos fins de semana, no tempo de férias, nos momentos necessários de descanso, para chegar mais longe, para conhecer e servir mais pessoas; como enchemos as ruas e outros lugares, de oração apostólica, proselitista.

A Santíssima Virgem é Mestra de fé. «Do mesmo modo que o patriarca do Povo de Deus, também Maria, ao longo do caminho do seu fiat filial e materno, “esperando contra toda a esperança, acreditou”. Especialmente ao longo dalgumas fases deste seu caminhar, a bênção concedida “àquela que acreditou” tornar-se-á manifesta com particular evidência»[101]. Este período da história da Igreja, que estamos a percorrer, há de caracterizar-se profundamente pela vigorosa presença maternal de Nossa Senhora. «A sua excecional peregrinação da fé representa um ponto de referência constante para a Igreja, para as pessoas singulares e para as comunidades, para os povos e para as nações e, em certo sentido, para toda a humanidade»[102].

59. Após a Ascensão de Jesus Cristo ao Céu, os primeiros discípulos aguardaram a vinda do Espírito Santo, no Cenáculo em Jerusalém, reunidos à volta de Maria. Rezar com Nossa Senhora e por meio de Nossa Senhora é a mais firme garantia de que seremos prontamente ouvidos. Por isso havemos de recorrer à Mãe de Deus e nossa Mãe em todas as tarefas apostólicas. Renovamo-lo agora com palavras de S. Josemaria:

«Santa Maria, Regina Apostolorum, rainha de todos aqueles que desejam dar a conhecer o amor de teu filho: tu, que compreendes tão bem as nossas misérias, pede perdão pela nossa vida, pelo que em nós poderia ter sido fogo e não passou de cinzas, pela luz que deixou de iluminar, pelo sal que se tomou insípido. Mãe de Deus, omnipotência suplicante: dá-nos juntamente com o perdão, a força de vivermos verdadeiramente de fé e de amor, para podermos levar aos outros a fé de Cristo»[103].

Com todo o afeto, abençoa-vos


o vosso Padre
                                                                                                           + Javier

Roma, 29 de Setembro de 2012


[1] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 2.
[2] S. Josemaria, Carta 24-X-1965, n. 4.
[3] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 3.
[4] Cfr.Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Pastoral, 6-I-2012, III, 3.
[5] Congregação para a Doutrina da Fé, Nota Pastoral, 6-I-2012, II, 5.
[6] Venerável Álvaro del Portillo, Carta, 25-XII-1985, n. 4.
[7] S. Josemaria, Carta 28-III-1973, n. 18.
[8] Beato João Paulo II, Exort.
Apost. Ecclésia in Europa, 28-VI-2003, n. 46.
[9] Beato João Paulo II, Exort. Apost. Ecclésia in Europa, 28-VI-2003, n. 46.
[10] S. Josemaria, Instrução, maio-1935/14-IX-1950, nota 231.
[11] Beato João Paulo II, Exort.
Apost. Ecclésia in Europa, 28-VI-2003, n. 47.
[12] S. Josemaria, Carta 28-III-1973, n. 4.
[13] S. Josemaria, Carta 19-III-1954, n. 27.
[14] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 186.
[15] Beato João Paulo II, Discurso, 9-IX-1995.
[16] S. Josemaria, Carta 24-X-1965, n. 13.
[17] S. Justino, Apologia 2, 10 (PG 6, 462).
[18] Minúcio Félix, Octávio, n. 38 (PL 3, 357).
[19] Beato João Paulo II, Carta Apost. Tértio Millénnio adveniénte, 10-XI-1994, n. 6.
[20] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 7-IV-1974.
[21] Bento XVI, Homilia, 21-VIII-2005.
[22] Bento XVI, Homilia, 21-VIII-2005.
[23] S. Agostinho, Confissões, I, 1, 3 (CCL 27, 1).
[24] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 2-VI-1974.
[25] Bento XVI, Homilia na Solenidade da Epifania do Senhor, 6-I-2007.
[26] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 33.
[27] Beato João Paulo II, Atravessar o Limiar da Esperança, p. 107.
[28] S. Josemaria, Discurso no ato de investidura de doutores “honoris causa” pela Universidade de Navarra, 7-X-1967.
[29] S. Josemaria, Caminho, n. 944.
[30] S. Josemaria, Discurso no ato de investidura de doutores “honoris causa” pela Universidade de Navarra, 9-V-1974.
[31] Beato João Paulo II, Carta Enc. Fides et ratio, 14-IX-1998, n. 17.
[32] S. Josemaria, Carta 9-I-1951, n. 12.
[33] Beato João Paulo II, Carta Apost. Novo millénnio ineúnte, 6-I-2001, n. 51.
[34] Bento XVI, Discurso a um grupo de parlamentares da União Europeia, 30-III-2006.
[35] Bento XVI, Discurso a um grupo de parlamentares da União Europeia, 30-III-2006.
[36] Venerável Álvaro del Portillo, Carta, 1-I-1994.
[37] S. Josemaria, Caminho, n. 493.
[38] S. Gregório Nazianzeno, Oração II, 71 (PG 35, 479); cit. em Beato João Paulo II, Exort. Apost. Pastores gregis, 16-X-2003, n. 12.
[39] S. Josemaria, Carta 28-III-1973, n. 10.
[40] Bento XVI, Discurso aos participantes de um curso sobre o foro interno, 9-III-2012.
[41] S. Josemaria, Caminho, n. 121.
[42] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 20-V-1973.
[43] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 26.
[44] S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 27.
[45] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 6.
[46] Missal Romano, Oração Eucarística I.
[47] Beato João Paulo II, Carta sobre a peregrinação aos lugares vinculados com a história da salvação, 29-VI-1999, n. 5.
[48] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 13.

[49] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 13.
[50] S. Josemaria, Instrução, 19-III-1934, n. 45.
[51] S. Josemaria, Forja, n. 235
[52] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 9.
[53] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 9.
[54] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 10.
[55] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 10.
[56] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 144.
[57] S. Josemaria, Carta 9-I-1959, n. 34.
[58] Bento XVI, Homilia nas Vésperas da Festa da Conversão de S. Paulo, 25-I-2006.
[59] S. Josemaria, Carta 9-I-1959, n. 34.
[60] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 6-V-1968.
[61] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 21-XI-1954.
[62] Beato João Paulo II, Discurso na audiência geral, 24-IV-1991.
[63] Beato João Paulo II, Discurso na audiência geral, 24-IV-1991.
[64] S. Josemaria, Carta 6-V-1945, n. 35.
[65] S. Anselmo, Proslógium, Prœm. (PL 158, 225).
[66] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 21-III-2007.
[67] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 21-III-2007.
[68] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 21-III-2007. A citação de Tertuliano está em Sobre o véu das virgens, I, 1 (PL 2, 889).
[69] Bento XVI, Discurso na audiência geral, 21-III-2007.
[70] S. Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos IV, 1 (Funk I, 216).
[71] S. Josemaria, Forja, n. 518.
[72] Bento XVI, Homilia, 26-III-2006.
[73] S. Josemaria, Notas de uma meditação, 28-V-1964.
[74] S. Josemaria, Caminho, n. 81.
[75] S. Josemaria, Carta 31-V-1954, n. 29.
[76] Beato João Paulo II, Carta Apost. Tértio millénnio adveniénte, 10-XI-1994, n. 45.
[77] Beato João Paulo II, Carta Apost. Tértio millénnio adveniénte, 10-XI-1994, n. 45.
[78] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 8-XII-1971.
[79] Beato João Paulo II, Homilia na Missa de canonização de S. Josemaria, 6-X-2002.
[80] S. Josemaria, Carta a Isidoro Zorzano, 23-XI-1930.
[81] S. Josemaria, 28-VII-1930, Apuntes íntimos, n. 75.
[82] S. Josemaria, Carta 9-I-1932, n. 83.
[83] S. Josemaria, Santo Rosário, IV Mistério gozoso.
[84] S. Josemaria, Santo Rosário, II Mistério doloroso.
[85] S. Josemaria, Carta 29-IX-1957, n. 16.
[86] S. João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de S. Mateus, 46, 2 (PG 58, 478).
[87] S. João Crisóstomo, cit. por S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, III, q. 40, a. 1 ad 2.
[88] S. João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de S. Mateus, 15, 7 (PG 57, 231).
[89] Beato João Paulo II, Carta Apost. Novo millénnio ineúnte, 6-I-2001, n. 1.
[90] Beato João Paulo II, Carta Apost. Novo millénnio ineúnte, 6-I-2001, n. 1.
[91] Bento XVI, Homilia no início do Pontificado, 24-IV-2005.
[92] S. Ambrósio, Exposição do Evangelho segundo S. Lucas, II, 32 (CCL 14, 45).
[93] Bento XVI, Carta Apost. Porta fídei, 11-X-2011, n. 9.
[94] S. Josemaria, Temas Atuais do Cristianismo, n. 113.
[95] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 11-XI-1972.
[96] S. Josemaria, Notas de uma reunião familiar, 22-XI-1972.
[97] S. Josemaria, oração manuscrita, 1934.
[98] Cfr. S. Josemaria, Amigos de Deus, n. 306.
[99] Congregação para a Doutrina da Fé, Nota pastoral, 6-I-2012, I, 3.
[100] Bento XVI, Homilia na Solenidade da Assunção, 15-VIII-2005.
[101] Beato João Paulo II, Carta Enc. Redemptóris Mater, 25-III-1987, n. 14.
[102] Beato João Paulo II, Carta Enc. Redemptóris Mater, 25-III-1987, n. 6.
[103] S. Josemaria, Cristo que passa, n. 175.

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