Não me move, meu Deus, para querer-Te
O céu que me tens prometido,
Nem me move o inferno tão temido
Para deixar por isso de ofender-Te.
Tu me moves, Senhor, move-me ver-Te
Cravado em uma Cruz e escarnecido,
Move-me ver teu Corpo tão ferido,
Movem-me tuas afrontas e tua morte.
Move-me, enfim, o teu amor, e de tal maneira,
Que a não haver céu, ainda Te amara,
E a não haver inferno Te temera.
Nada tens que me dar porque Te queira,
Pois mesmo que eu não esperasse o que espero,
O mesmo que Te quero Te quereria.
(tradução do espanhol para português)
Tem havido tentativas de atribuição deste soneto a um ou outro autor, sem que a crítica tenha comprovado a autoria.
Talvez São João da Cruz ou Santa Teresa de Jesus (Sec.XVI). A atribuição aos dois Carmelitas corresponde ao tema do amor altruísta, muito presente naqueles Santos.
Este soneto, pela sua perfeita execução, aparece como um modelo em todas as grandes antologias, pelo que Don Marcelino Menéndez Pelayo o incluiu na sua obra Cem Melhores Poemas do idioma espanhol.
Nunca o amor de Cristo crucificado havia atingido um tal grau de pureza e intensidade na sensibilidade da expressão poética (...) Este soneto esquece as recompensas e punições para suscitar um amor, que por ser verdadeiro, não necessita do castigo, mas nasce limpo e profundo da contemplação dolorosa do martírio com que Cristo redime o homem. Essa é a única razão eficaz que pode mover a afastar-se da ingratidão do ultraje, a quem vem para nos amar de modo tão excessivo. (…) As duas últimas estrofes (…) reforçam e convencem a amar a Cristo acima de qualquer outra consideração ilegítima e mesquinha.
O estilo é directo, energético, quase penitencial (…). Não é a beleza criativa da linguagem que define este soneto, mas a força de renunciar a tudo o que não seja amar a quem, por amor, deixou massacrar o Seu Corpo.
Renunciando aos adornos da linguagem figurada, harmoniza, em admirável união, a forma forte e vigorosa e a mística nudez do conteúdo.
(Pe. Angel Martin, o.f.m.)
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