Ainda não perderam atualidade, embora as circunstâncias tenham mudado profundamente, e os poderes em confronto ou procurados não sejam necessariamente militares, as sínteses que Harold Nicolson (1938) elaborou sobre as diferentes diplomacias que caracterizavam a Europa, longe ainda de querer a unidade política. Foi dele que se recordou, por exemplo, Boris Biancheri quando (2005) se debruçou sobre a tarefa quase impossível de "conciliar o mundo", numa época que julgou irremediavelmente caótica. Segundo o velho Nicolson, o sistema britânico, já por então em declínio imperial, procurou sempre evitar que um só país domine a Europa, e hoje poderíamos sensatamente admitir que o seu afastamento é menos da Europa do que do detestado predomínio alemão, na visão reformulada, para muitos observadores, pela intervenção da atual chanceler, de facto a protagonista dominante do processo seguido até à ultima cimeira; tratar-se-ia de um sistema oposto ao francês que considera os adversários e aliados como intercambiáveis, em vez de procurar garantir aliados permanentes contra inimigos permanentes, na tradução do mesmo autor. Dedica ainda esforços no sentido de qualificar o método italiano, em busca de equilíbrios alternáveis pela diplomacia, mas talvez hoje apenas à procura de rumo e de um governo que o assuma com credibilidade. Porque é sobretudo alarmante como uma análise que ganhou circulação e prestígio há tão poucos anos, e notabilizou o seu autor, pareça tender para ser substituída pela indagação generalizada no sentido de encontrar uma via diplomática de convergência para um conceito de unidade estratégica europeia comum, mais com heranças diferentes do que com diferenças quanto aos resultados desejados. Talvez com exceção da Inglaterra, cujo primeiro-ministro vacila na ida e volta da travessia do canal, olhando agora não para cada potência europeia, mas para a Europa unida com eventuais, embora não desejáveis, proeminências internas excessivas. Provavelmente é ainda necessário, e duradoira a persistência, que os intervenientes mais notados do processo atualizem a relação entre convicções históricas que lhes moldaram a identidade, e a realidade que mudou em termos de ser a outra coisa que não estava prevista nos seus planos por vezes seculares. É a isto que Blancheri chama "a necessidade de conciliar o mundo", já nem sequer bipolar estrategicamente, mais bipolar do ponto de vista da balança económica e financeira, mas de qualquer modo a exigir redefinir a conciliação entre a política de imagem e a política consistente, entre a reserva de soberania e a interdependência, entre um paradigma ético global e um pragmatismo de conciliação. Realmente colocar o diálogo diplomático construtivo e criador no lugar da competição de interesses contraditórios e inconciliáveis, que dominaram a história não apenas europeia, mas mundial. O processo europeu cedo levou a avaliar as exigências da querida unidade, não apenas de mercado, mas política, na área diplomática, ficando célebre o depoimento de fim de carreira do diplomata italiano Roberto Ducci, o qual terminava com um - Good bye to all that, ao imaginar que a cooperação dentro da comunidade europeia implicaria uma reformulação total da relação da nova estrutura dessa unidade com o mundo. O fecho de consulados e embaixadas, que também praticamos, tem menos que ver com esta prevista evolução do que com a ideologia de orçamento e contenção, imposta pelo desastre financeiro e económico global. Mas em qualquer caso, uma estrutura específica para realidades específicas de cada membro da União, articulável com a unidade desta, exige engenho e arte que a preserve e torne eficaz, porque se trata das janelas de liberdade a que nenhum país vai renunciar. Um mundo ideal não é necessariamente um mundo simplificado, em que valores e interesses se agregam num só resumo participado por todas as comunidades ao redor da terra. Conciliar o mundo não é uniformizar o mundo.
Adriano Moreira in DN online
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