É evidente que lembrar a Lei das Sesmarias não pode ter por objecto sugerir que seja posta em vigor uma tão antiga intervenção real. Mas a leitura da circunstância em que foi promulgada, quer interna quer internacional, talvez desperte o talento governativo para a necessidade de hoje, que não é totalmente diferente da data daquela lei, olhar para a interioridade com um critério não apenas de contabilidade orçamental, mas antes com atenção à urgência de impedir que se agrave o desequilíbrio do território nacional. Isto é, que o despovoamento cresça, que instituições sobrantes, por exemplo na área do ensino superior, se vejam constrangidas pela falta de recursos que não foram sempre definidos como exigência da soberania do século mas frequentemente em relação com objectivos eleitorais, usando o credo do mercado, que por sua vez está a produzir as consequências excessivas dos efeitos negativos que o sistema sem regulação produziu. Quando D. Fernando (1367-1383) promulgou a Lei das Sesmarias, talvez por 1375, a Europa estava em crise, com instabilidade política e da paz, para além das carências alimentares e dos efeitos da peste, mas a atenção prestada à agricultura não chegou para corrigir a debilidade. Como recorda a História coordenada por Rui Ramos, a crise dos europeus continuou a agravar-se, os maus anos agrícolas sucederam--se. O que D. Fernando I pretendeu, seguindo política anterior, foi fixar a população à terra, dela recolhendo o sustento. Por essa época, o Norte, entre Douro-e-Minho, era a região mais povoada, e também parte das Beiras, mas Trás-os-Montes, que foi sempre do Reino, era uma região mais desguarnecida, o Sul da conquista seria para povoar à medida que a soberania se estabelecia. Nesta data, a Europa está numa crise a que falta a guerra mas não falta a crescente angustia dos povos, nem a arrogância dos que causaram as duas guerras mundiais. Quando a pobreza avançou do Sul levando a sua fronteira para o Norte do Mediterrâneo, nas águas deste mar processa-se um turbilhão que pode desafiar os ministros dos orçamentos, e a interioridade portuguesa despovoa-se, as pequenas propriedades vão sendo abandonadas, as crianças rareiam, os idosos procuram recuperar iniciativas filiadas em velhos princípios de solidariedade. Tudo factos a que a política agrícola comum não é alheia, de modo que a relação entre gente e terra e mar, que assegura a soberania do século, vai enfraquecendo, sem que a ideologia de orçamento tenha espaço para reconhecer que à medida que o Estado, a tender para exíguo, cuida das suas debilidades orçamentais, o País definha de definição, da qual a referida relação entre gente e terra e mar é parte essencial. Todos os anos, em Bragança, que é a cidade mais próxima da Europa onde se aprofunda a perigosa definição europeia entre parceiros ricos e parceiros pobres, reúne-se um grupo de professores universitários, e gente experiente e dedicada da população, para avaliar a situação, sobretudo no que respeita ao povoamento. Esses professores, nem tendo uma relação de origem com a região, publicam as suas reflexões e conclusões, e o poder local tem desenvolvido uma acção que merece respeito para conseguir inverter o agravamento desta interioridade que vai fazendo diminuir a dimensão real do País. Trata-se apenas de um exemplo, que tem réplica em muitas outras regiões, ameaçadas de ver extinguir instituições que teimam na esperança de animar a recuperação, e às quais vai faltando a massa crítica populacional que as desafiava, animava e justificava. Infelizmente, estas questões não parecem ainda fazer parte das graves preocupações dos orçamentos, numa Europa em decadência e desorientada. O anúncio de que a Europa do Tratado de Lisboa está preocupada com a gestão do mar europeu, dos seus recursos vivos, e da plataforma continental, aconselha a pensar, tendo presente o que aconteceu à interioridade, na necessidade de impedir um trajecto igual em consequências à política agrícola comum. Trata-se, pelo menos, do esquecido conceito da reserva estratégica alimentar.
Adriano Moreira in DN online
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