As múltiplas previsões, análises e suposições sobre a evolução da União Europeia multiplicam-se com fundado pessimismo dominante, mas de regra evitando a questão levantada pelo Conselho, dirigido por Philipe Andreani, e que se traduz em avaliar a eventualidade de um mundo sem Europa. Trata-se em primeiro lugar de reconhecer que a União Europeia começa por mostrar uma espécie de blocagem política, com evidente controvérsia, ainda que não assumida expressamente, sobre as divisões de competências dos órgãos do poder organizados pelo dificilmente legível Tratado de Lisboa.
As identidades nacionais frequentemente parecem recordar o princípio da soberania quando a crise as desafia, o facto de já possuir um número de telefone, pelo qual perguntava Kissinger, não parece suficientemente divulgado, a influência da União na política mundial não parece inquietante para os poderes emergentes, e o liberalismo do credo do mercado, com as exigências brutais destinadas a recuperar o sistema que levou à crise actual, a fazer recordar as lutas passadas do operariado, e da classe média também agora atingida, contra uma estrutura política, económica, e social, que fazia da proclamação de Jeferson uma fraca mensagem. Talvez por isto, Lucien Jaume (Qu'est-ce que l'esprit européen?, 2010) escreveu que, a respeito da Europa, "parece que, principalmente em França, não sabemos já o que significa esta ideia".
A análise que este comentário inspirou atribuiu com frequência responsabilidades ao liberalismo, na versão europeia que, para simplificar, chamamos credo do mercado, uma deriva do genuíno pensamento dos fundadores da União, cuja experiência dolorosa de vida os tornou antes apegados ao realismo.
É talvez exacto que nesse pensamento fundador eram dominantes os objectivos da paz para um continente frequentemente em guerra civil, a preservação da influência europeia num mundo cuja mudança incluía a perda do império euromundista, e não parece difícil condescender em acrescentar, com outros comentadores, o desenvolvimento sustentado que incluía a primeira indispensável tarefa que era a reconstrução. Todavia, rapidamente os objectivos políticos se tornaram dominantes, à medida que a queda da URSS abriu caminho a um alargamento sem estudo prévio de governança, o que colocou em confronto o liberalismo extremo de Margaret Thatcher e o Estado Previdência de Mitterrand, um conflito que veio atingir, na viragem do milénio, sobretudo os países europeus que a crise fez abranger pela fronteira da pobreza, entre os quais Portugal.
O debate, que foi progredindo nas reuniões dos estadistas, vai eventualmente passar para a rua, menos orientado pelas discussões teóricas mas sobretudo pela urgência de encontrar meios de manter uma qualidade de vida decente, isto é, que respeite os princípios e promessas do art.º 49 do Tratado que instituiu a União Europeia.
Simplesmente a crise, se fez renascer a luta pela sustentação dos direitos humanos, igualmente tende para dar relevo ao individualismo da soberania, à distinção entre Estados ricos e Estados pobres, o que muito rapidamente conduz à ambição da hierarquia das potências, que habita de forma errada o Conselho de Segurança, o que poderá fazer esquecer aos Estados europeus os erros cometidos sempre que lhes ocorreu assumir o Directório. O discurso meio aparentemente científico, meio discretamente histórico, da chanceler da Alemanha não é difícil de filiar nessa memória, sendo mais difícil de fundamentar quando aparece aflorado pelo Governo francês. Trata-se de um facto, o qual, sempre que politicamente assumido, destruiu a Europa, sendo certamente o caminho mais fácil para que o mundo passe definitivamente sem ela.
O regresso ao pensamento dos fundadores, que não desconheciam os esforços seculares dos Projectistas da Paz, parece o único apoio indispensável para que, em situação de crise sem precedente, com dispersão de centros de decisão por vezes inidentificáveis, a União dos antigos dominadores da ordem internacional garanta preservar uma voz ouvida na nova ordem a construir.
Adriano Moreira in DN online
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