A multiplicação diária dos perigos e ameaças que vão pontuando a intensificação das interdependências globais vai sendo acompanhada de apelos cada vez mais inquietos sobre a necessidade urgente de um New Deal internacional. Aproximadas as sugestões, vindas de perspectivas culturais diferenciadas, e também longamente incomunicáveis em resultado do muro entre poderes dominantes e povos submetidos, o núcleo central das propostas diz respeito à desactualização da Carta da ONU. Um dos exemplos que mais atraem as atenções é o do regresso ao que Bertrand Badie (2010) chamou a "diplomacia oligárquica", que relembra o recurso aos "concertos" que estiveram na origem dos vários congressos de Berlim no século XIX, com sérias repercussões na história portuguesa, ou demonstrando uma diplomacia, como conclui, "mais informal, mais controlável, menos condicionante". A lembrança deste passado, que a institucionalização da ONU pretendeu ultrapassar, é uma referência apropriada para ajudar na tarefa quase impossível de racionalizar os poderes de facto, ou com estatuto ganho pela imagem organizada na comunicação social, ou pela intervenção com efeitos colaterais que invadem e condicionam os programas dos poderes legítimos, mas em declínio evidente. Já é vasto o reconhecimento de que a hierarquia das potências que se destacaram pelo poder de veto no Conselho de Segurança dá sinais inequívocos de necessitar de uma revisão atenta à realidade, que todavia é ela também difícil de retratar com rigor e exactidão confiáveis. A crise acrescenta a evidência de que as excessivas despesas militares não têm sido remédio para manter o estatuto de supremacia verbal que os textos legais usam, e que, por exemplo, os Objectivos do Milénio teriam mais probabilidade de conseguir os financiamentos programados no caso de a racionalidade tomar o lugar excessivo da ostentação mais visível do que o poder efectivo. Talvez seja de aceitar que a própria reactivação da NATO, que trata de reinventar um novo conceito estratégico depois do fim da Guerra Fria, e um novo conceito de fronteira de interesses, não coincidente com o conceito de fronteira geográfica que esteve na base da sua legitimação, como se viu nas cimeiras de 2008-2009, não parece que lhe tenha consolidado as certezas interiores e aplanado as divergências de visão do mundo entre aliados com igual experiência da II Guerra Mundial e da Guerra Fria. Tudo isto, que define uma inquietante situação de dúvida crescente no que respeita à necessidade do referido proposto New Deal internacional, para enfrentar a complexidade tão difícil de racionalizar, também é afectado pela impossibilidade de a opinião pública poder organizar os seus critérios e opções confiando em porta-vozes que falam pelas instituições legalmente instituídas, porque estas sofrem a concorrência dos que dizem falar pelos poderes de facto, que se multiplicam com veracidade ou sem ela, ou dos agentes da cruelmente apelidada "diplomacia oligárquica". Mas o que se afigura mais inquietante, e frequentemente causador de perturbações com sérias consequências, é o Parlamento dos Murmúrios que se organiza interna e internacionalmente em torno da incerteza, das complexidades, da multiplicidade de vozes eventualmente não legitimadas ou sequer identificadas ou identificáveis. A multiplicação do noticiário sobre a avalanche dos "consta que", a que não se furtam sequer as agências mais acreditadas, suscitando depois uma corrente de comentários que só perturbam a função do diálogo que obedece ao rigor dos debates, e o direito à informação exacta da opinião pública progressivamente internacionalizada, é também, por isso, frequentemente responsável pela falta de credibilidade dos titulares dos cargos mais responsáveis. A imagem da desordem internacional parece por vezes dominada pelo triunfo dessa espécie de Parlamento dos Murmúrios sobre as instâncias existentes e o seu comportamento, afectando a sustentabilidade da opinião pública, cada vez mais importante, cada vez mais mundializada. Um New Deal internacional também exige atenção a esta nova circunstância.
Adriano Moreira in DN online
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