Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O fim da história

O conjunto de revoltas populares que abalam o mundo muçulmano, sem a cooperação do qual nem o projecto euro-africano nem a paz geral serão possíveis, não tem impedido que a tese de Fukuyama, tão contrariada desde o seu aparecimento numa data de explosão da crença americana de que lhe estava destinada a liderança mundial, tenha encontrado defensores de que, afinal, o profeta tinha razão. Esta consagração encontrou por exemplo expressão numa entrevista que Yadh Ben Achour (2011), um constitucionalista tunisino agora chamado a constitucionalizar o novo regime do seu país, que, entre outras firmes convicções, afirmou o seguinte: "A democracia não é nem ocidental, nem oriental, nem asiática, nem africana, ela está na constituição psíquica de todo o ser humano. A democracia é a humanidade."

De facto, trata-se de retomar a proclamação da Carta da ONU e da Declaração Universal de Direitos Humanos, mas não se trata da realidade mundial que os Relatórios do PNUD procuram retratar anualmente, nem do vazio de recursos dos Objectivos do Milénio, nem da privatização da guerra e do preço que é pago pela mutilação ou pela morte anual de milhares de crianças, nem da fome que fere ainda maior número, nem sequer dos múltiplos conceitos de democracia e dos diferentes sentidos de maioria: maioria de interesses, maioria de votos, interesses maiores. São estas diversidades que se abrigam sob o mesmo texto da Carta da ONU, que reúne 194 Estados, divididos pelas leituras diferenciadas e pelas práticas incompatíveis, com membros proeminentes a nem sequer ratificaram nem as convenções sobre os direitos das crianças nem o estatuto do Tribunal Penal Internacional. Para fim da história, no sentido de Fukuyama, falta um longo trajecto, e o conflito das civilizações, que inquietou o seu mestre Huntington mesmo no que respeita à estrutura da sociedade civil americana (Who are we?), e levou a organizar uma activa intervenção da ONU, não anuncia um ponto final próximo.

Parece fora de propósito acrescentar em abono da visão esperançosa do fim da história, propor (Luc Ferry, 2011) comparar a situação actual das revoltas que avançam no cinturão árabe-muçulmano ao que se passou na América Latina no fim do século XX, "uma queda de regimes autoritários e uma vitória dos valores democráticos", porque o enquadramento cultural é de novo diferente, por isso nem todas as camadas das populações acedem aos mesmos patamares de direitos e deveres, e o que mais avulta é a demora com que nesse espaço ocidental se vai chegando ao que o fim da história anunciou para o resto do mundo.

A razão de Fukuyama é a razão da longa teoria de projectistas da paz ocidentais, que ocupam limitadamente a memória dos fracos líderes que colocam em dúvida a capacidade de responder com êxito aos riscos que ameaçam a unidade europeia, e a percepção de que é todo o Ocidente que se encontra em decadência.


Ter, e divulgar e fortalecer, a convicção de que possuímos um paradigma comum de convergência dos modelos políticos europeus, já seria um passo importante para deter o relativismo dominante no espaço ocidental, abandonando a frequente e histórica atitude de pretender ocidentalizar o resto do mundo, substituindo a tolerância pelo respeito das diferenças que não afectem os valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Lutar, nesse lugar, que é a ONU, onde todos falam com todos, para que tal paradigma seja adoptado e tornado efectivo como património comum da humanidade, seria não o fim, mas o princípio da longa narrativa que ainda é necessário escrever, evitando o recurso ao sangue, suor, e lágrimas que permanece para além do fim da guerra fria, sobretudo fazendo cada vez mais profunda a vala entre povos ricos e povos pobres, estes com um nível de existência que não lhes consente o salto da luta pela alimentação para o patamar da ideologia política. Primeiro, conseguir viver.

Adriano Moreira in DN online

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