Ter esperança não é uma ingenuidade, é um ato de fé num futuro melhor. O desespero é individualista, a esperança é comunhão. A humanidade não está sozinha a enfrentar os desafios do mundo; Deus está presente. É por isso que a Igreja repete: Não tenhais medo! Dialogar é uma forma de amar a Deus e ao próximo. Nenhuma religião, nenhuma cultura pode justificar a intolerância e a violência. A agressividade é uma forma de relação demasiado arcaica.
Foi um discurso sereno e claro, encorajador e cheio de esperança, o que Bento XVI dirigiu neste sábado de manhã, em Cotonou, a todos os africanos, nomeadamente aos que detêm responsabilidades de governo ou de liderança religiosa. O Santo Padre dirigia-se a uma ampla assembleia congregada na Sala do Povo, do palácio presidencial do Benin, que incluía todas as autoridades do país, assim como os membros do Corpo Diplomático e os líderes religiosos.
Bento XVI sublinhou que, quando diz que a África é “o continente da esperança”, não se trata de retórica; exprime, isso sim, “uma convicção pessoal, que é também a da Igreja”. O Papa advertiu contra a tentação de deter-se “em preconceitos ou imagens que dão uma visão negativa da realidade africana, fruto duma análise pessimista” ou então de “analisar as realidades africanas à maneira de um etnólogo curioso ou como quem vê nelas apenas uma reserva energética, mineral , agrícola e humana fácil de explorar”. Visões que são – para Bento XVI – “redutivas e irrespeitosas”, que não dignificam a África e os seus habitantes.
Em contraposição com estas visões pessimistas e negativas, o Papa propôs-se encarar “à luz da esperança” duas realidades africanas da maior atualidade: a vida sociopolítica e económica em geral e o diálogo inter-religioso.
Referindo luzes e sombras da realidade africana atual, nomeadamente à luz de acontecimentos dos últimos meses, Bento XVI não hesitou em pôr o dedo em algumas feridas:
“Neste momento, há demasiados escândalos e injustiças, demasiada corrupção e avidez, demasiado desprezo e demasiadas mentiras, demasiadas violências que levam à miséria e à morte. Se é certo que estes males afligem o vosso continente, sucede igual no resto do mundo. Cada povo quer compreender as decisões políticas e económicas que são tomadas em seu nome; dá-se conta de ser manipulado, e reage, por vezes, violentamente. Deseja participar no bom governo.”
O Papa não ignora que “nenhum regime político humano é o ideal, e que nenhuma decisão económica é neutra”, mas considera que “sempre devem servir o bem comum”. Está-se perante uma reivindicação legítima – que diz respeito a todos os países – de maior dignidade e sobretudo de maior humanidade. “O homem quer que a sua humanidade seja respeitada e promovida. Os responsáveis políticos e económicos dos países encontram-se perante decisões imperativas e opções que já não podem evitar”. Daqui um apelo:
“A partir desta tribuna, lanço um apelo a todos os responsáveis políticos e económicos dos países africanos e do resto do mundo: Não priveis os vossos povos da esperança! Não amputeis o seu futuro, mutilando o seu presente. Mantende uma perspectiva ética corajosa sobre as vossas responsabilidades e, se fordes pessoas de fé, rogai a Deus que vos conceda a sabedoria. Esta far-vos-á compreender que é necessário, enquanto promotores do futuro dos vossos povos, tornar-vos verdadeiros servidores da esperança.”
Reconhecendo que “o poder… cega… sobretudo quando estão em jogo interesses privados, familiares, étnicos ou religiosos” e que “só Deus purifica os corações e as intenções”, Bento XVI indicou o que de mais importante toca à Igreja em Igreja: manter viva a esperança:
"A Igreja não oferece qualquer solução técnica, nem impõe qualquer solução política. Mas vai repetindo: Não tenhais medo! A humanidade não está sozinha enfrentando os desafios do mundo; Deus está presente. Trata-se duma mensagem de esperança, uma esperança geradora de energia, que estimula a inteligência e confere à vontade todo o seu dinamismo."
Sublinhando que “o desespero é individualista”; ao passo que “a esperança é comunhão”, Bento XVI convidou os responsáveis políticos, económicos, bem como o mundo universitário e o da cultura a seguirem este caminho, como “semeadores de esperança”.
Passando ao segundo ponto - o diálogo inter-religioso, o Papa considerou que “toda a pessoa de bom senso compreende que é preciso promover uma cooperação serena e respeitosa entre as diversidades culturais e religiosas”.
“Nenhuma religião, nenhuma cultura pode justificar o apelo ou o recurso à intolerância e à violência. A agressividade é uma forma relacional demasiado arcaica, que faz apelo a instintos banais e pouco nobres. Utilizar as palavras reveladas, as Sagradas Escrituras ou o nome de Deus para justificar os nossos interesses, as nossas políticas tão facilmente complacentes ou as nossas violências, é um erro gravíssimo.”
Convidando cada um a colocar-se, com toda a verdade, diante de Deus e do outro”, o Papa advertiu que “o diálogo inter-religioso mal-entendido leva à confusão ou ao sincretismo”. Não é esse diálogo que se pretende. Um diálogo, em todo o caso, nada fácil, mas que nem por isso deve ser abandonado.
“É bom saber que não se dialoga por fraqueza, mas porque se acredita em Deus. Dialogar é uma forma suplementar de amar a Deus e ao próximo, sem abdicar daquilo que somos.
Ter esperança não significa ser ingénuo, mas realizar um acto de fé num futuro melhor.”
Saudando os responsáveis religiosos presentes, Bento XVI assegurou que “o diálogo oferecido pela Igreja Católica brota do coração”.
“Encorajo-vos a promover, especialmente entre os jovens, uma pedagogia do diálogo, para descobrirem que a consciência de cada um é um santuário a respeitar e que a dimensão espiritual constrói a fraternidade. A verdadeira fé conduz, invariavelmente, ao amor. É neste espírito que a todos vos convido à esperança”.
Eis o texto integral da sua intervenção, pronunciada em francês:
DOO NUMI ! (solene saudação, em língua fon).
Quis, Senhor Presidente, proporcionar-me a ocasião de o encontrar na presença duma prestigiosa assembleia de personalidades. É um privilégio que sentidamente aprecio; e, de coração, agradeço-lhe as amáveis palavras que há pouco me dirigiu em nome de todo o povo do Benim. Agradeço também ao ilustre Representante dos Corpos Constituídos as suas palavras de boas-vindas. Formulo votos do maior bem para todas as personalidades presentes, que são protagonistas, a diversos níveis, da vida nacional do Benim.
Frequentemente, nas minhas intervenções anteriores, associei à palavra África o termo esperança. Fi-lo há dois anos, em Luanda, e já num contexto sinodal. Aliás a palavra esperança aparece várias vezes na Exortação apostólica pós-sinodal Africæ munus, que em breve assinarei. Quando digo que a África é o continente da esperança, não estou a fazer retórica; exprimo simplesmente uma convicção pessoal, que é também a da Igreja. Com muita frequência, a nossa mente detém-se em preconceitos ou em imagens que dão uma visão negativa da realidade africana, fruto duma análise pessimista. Há sempre a tentação de pôr em realce o que está mal; pior ainda, é fácil assumir o tom sentencioso do moralista ou do perito, que impõe as suas conclusões e, no fim de contas, poucas soluções adequadas propõe. Existe ainda a tentação de analisar as realidades africanas à maneira de um etnólogo curioso ou como quem vê nelas somente uma enorme reserva energética, mineral, agrícola e humana fácil de explorar para interesses muitas vezes pouco nobres. Trata-se de visões redutivas e irrespeitosas, que levam a uma coisificação pouco dignificadora da África e dos seus habitantes.
Estou ciente de que as palavras não têm o mesmo significado em toda a parte; mas o termo esperança varia pouco de cultura para cultura. Alguns anos atrás, dediquei à esperança cristã uma Carta Encíclica. Falar da esperança significa falar do futuro e, portanto, de Deus. O futuro enraíza-se no passado e no presente. O passado, conhecemo-lo bem, lamentando os seus fracassos e alegrando-nos com as suas realizações positivas. O presente, vivemo-lo como podemos: da melhor forma – espero – e com a ajuda de Deus! É neste terreno, composto por vários elementos ora contraditórios ora complementares, que temos de construir, com a ajuda de Deus.
Queridos amigos, à luz desta esperança que nos deve animar, quero repassar duas realidades africanas, de viva actualidade. A primeira refere-se mais à vida sociopolítica e económica em geral do continente; a segunda, ao diálogo inter-religioso. Estas realidades interessam-nos a todos, porque o nosso século parece nascer no sofrimento e sentir dificuldade em fazer crescer a esperança nestes dois campos particulares.
Nos últimos meses, numerosos povos expressaram o seu desejo de liberdade, a sua necessidade de segurança material e a sua vontade de viver harmoniosamente na diversidade das etnias e das religiões. E nasceu um novo Estado no vosso continente. Numerosos foram também os conflitos provocados pela cegueira do homem, pela sua ânsia de poder e por interesses político-económicos que excluem a dignidade das pessoas ou da natureza. A pessoa humana aspira à liberdade; quer viver dignamente; deseja boas escolas e alimentação para as crianças, hospitais dignos para curar os doentes; quer ser respeitada; reivindica uma governação transparente que não confunda o interesse privado com o interesse geral; e sobretudo quer a paz e a justiça. Neste momento, há demasiados escândalos e injustiças, demasiada corrupção e avidez, demasiado desprezo e demasiadas mentiras, demasiadas violências que levam à miséria e à morte. Se é certo que estes males afligem o vosso continente, sucede igual no resto do mundo. Cada povo quer compreender as decisões políticas e económicas que são tomadas em seu nome; dá-se conta de ser manipulado, e reage, por vezes, violentamente. Deseja participar no bom governo. Sabemos que nenhum regime político humano é o ideal, e que nenhuma decisão económica é neutra; mas sempre devem servir o bem comum. Encontramo-nos perante uma reivindicação legítima – que diz respeito a todos os países – de maior dignidade e sobretudo de maior humanidade. O homem quer que a sua humanidade seja respeitada e promovida. Os responsáveis políticos e económicos dos países encontram-se perante decisões imperativas e opções que já não podem evitar.
A partir desta tribuna, lanço um apelo a todos os responsáveis políticos e económicos dos países africanos e do resto do mundo: Não priveis os vossos povos da esperança! Não amputeis o seu futuro, mutilando o seu presente. Mantende uma perspectiva ética corajosa sobre as vossas responsabilidades e, se fordes pessoas de fé, rogai a Deus que vos conceda a sabedoria. Esta far-vos-á compreender que é necessário, enquanto promotores do futuro dos vossos povos, tornar-vos verdadeiros servidores da esperança. Não é fácil viver a condição de servidor, permanecer íntegro no meio de correntes de opinião e interesses poderosos. O poder, seja ele qual for, cega com facilidade, sobretudo quando estão em jogo interesses privados, familiares, étnicos ou religiosos. Só Deus purifica os corações e as intenções.
A Igreja não oferece qualquer solução técnica, nem impõe qualquer solução política. Mas vai repetindo: Não tenhais medo! A humanidade não está sozinha enfrentando os desafios do mundo; Deus está presente. Trata-se duma mensagem de esperança, uma esperança geradora de energia, que estimula a inteligência e confere à vontade todo o seu dinamismo. Um Arcebispo de Toulouse, o Cardeal Saliège, dizia: «Esperar não é abandonar mas redobrar a actividade». A Igreja acompanha o Estado na sua missão; quer ser como que a alma deste corpo, apontando incansavelmente o essencial: Deus e o homem. Deseja cumprir, às claras e sem medo, esta imensa tarefa de quem educa e cuida, e sobretudo reza sem cessar (cf. Lc 18, 1), indica onde está Deus (cf. Mt 6, 21) e onde está o verdadeiro homem (cf. Mt 20, 26; Jo 19, 5). O desespero é individualista; a esperança é comunhão. Porventura não nos é proposto aqui um caminho esplêndido? Convido a segui-lo todos os responsáveis políticos, económicos, bem como o mundo universitário e o da cultura. Sede, vós também, semeadores de esperança!
Queria agora abordar o segundo ponto: o diálogo inter-religioso. Não me parece necessário lembrar os recentes conflitos gerados em nome de Deus, nem as mortes causadas em nome d’Aquele que é a Vida. Toda a pessoa de bom senso compreende que é preciso promover uma cooperação serena e respeitosa entre as diversidades culturais e religiosas. O verdadeiro diálogo inter-religioso rejeita a verdade humanamente egocêntrica, porque a única e exclusiva verdade está em Deus. Deus é a Verdade. Portanto, nenhuma religião, nenhuma cultura pode justificar o apelo ou o recurso à intolerância e à violência. A agressividade é uma forma relacional demasiado arcaica, que faz apelo a instintos banais e pouco nobres. Utilizar as palavras reveladas, as Sagradas Escrituras ou o nome de Deus para justificar os nossos interesses, as nossas políticas tão facilmente complacentes ou as nossas violências, é um erro gravíssimo.
Não posso conhecer o outro, senão me conheço a mim mesmo. Não o posso amar, senão me amo a mim mesmo (cf. Mt 22, 39). Por isso, o conhecimento, o aprofundamento e a prática da própria religião são essenciais para um verdadeiro diálogo inter-religioso. Este só pode começar com a oração pessoal e sincera daquele que deseja dialogar. Que ele se retire no segredo do seu quarto interior (cf. Mt 6, 6), pedindo a Deus a purificação do raciocínio e a bênção para o encontro desejado. Esta oração pede a Deus também o dom de ver, no outro, um irmão a amar e, na tradição que ele vive, um reflexo da verdade que ilumina todos os homens (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decl. Nostra ætate, 2). Convém, portanto, que cada um se coloque, com toda a verdade, diante de Deus e do outro. Esta verdade não exclui, nem é confusão. O diálogo inter-religioso mal-entendido leva à confusão ou ao sincretismo. Este não é o diálogo que se pretende.
Apesar dos esforços realizados, sabemos também que às vezes o diálogo inter-religioso não é fácil, podendo mesmo ver-se impedido por diversas razões. Isto não significa de forma alguma uma derrota. As formas do diálogo inter-religioso são variadas. A cooperação no âmbito social ou cultural pode ajudar as pessoas a compreenderem-se melhor e a viverem juntas tranquilamente. Também é bom saber que não se dialoga por fraqueza, mas porque se acredita em Deus. Dialogar é uma forma suplementar de amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22, 37), sem abdicar daquilo que somos.
Ter esperança não significa ser ingénuo, mas realizar um acto de fé num futuro melhor. Deste modo, a Igreja Católica concretiza uma das intuições do Concílio Vaticano II: favorecer relações amistosas entre ela e os membros de religiões não cristãs. Há já várias décadas que o Conselho Pontifício competente tece laços, multiplica os encontros e publica regularmente documentos para favorecer tal diálogo. A Igreja tenta assim pôr remédio à confusão das línguas e à dispersão dos corações nascidas do pecado de Babel (cf. Gn 11). Saúdo todos os responsáveis religiosos que tivestes a amabilidade de vir encontrar-me. Quero assegurar-vos, tanto a vós como aos dos outros países africanos, que o diálogo oferecido pela Igreja Católica brota do coração. Encorajo-vos a promover, especialmente entre os jovens, uma pedagogia do diálogo, para descobrirem que a consciência de cada um é um santuário a respeitar e que a dimensão espiritual constrói a fraternidade. A verdadeira fé conduz, invariavelmente, ao amor. É neste espírito que a todos vos convido à esperança.
Estas considerações gerais aplicam-se de maneira particular à África. No vosso continente, são numerosas as famílias cujos membros professam crenças diversas, e todavia permanecem unidas. Esta unidade não se fica a dever só à cultura, mas está cimentada na estima fraterna. Naturalmente, às vezes verificam-se derrotas, mas também muitas vitórias. Neste campo particular, a África pode fornecer a todos matéria de reflexão e ser assim uma fonte de esperança.
Para concluir, queria propor-vos a imagem da mão: compõe-se de cinco dedos, diferentes entre si; mas cada um deles é essencial e a sua unidade forma a mão. O bom entendimento entre as culturas, a consideração sem transigência de uma pelas outras e o respeito pelos direitos de cada um são um dever vital; é preciso ensiná-lo a todos os fiéis das várias religiões. O ódio é uma derrota, a indiferença um beco sem saída, e o diálogo uma abertura. Não é este um bom terreno onde será possível lançar as sementes da esperança? Estender a mão significa esperar para se chegar, num segundo momento, a amar. Que há de mais belo que uma mão estendida? Esta foi querida por Deus para dar e receber. Deus não a quis para matar (cf. Gn 4, 1-16) ou fazer sofrer, mas para cuidar e ajudar a viver. Juntamente com o coração e a inteligência, pode, também a mão, tornar-se um instrumento de diálogo; pode fazer florir a esperança, sobretudo quando a inteligência titubeia e o coração tropeça.
Segundo a Sagrada Escritura, há três símbolos que descrevem a esperança para o cristão: o capacete, porque protege do desânimo (cf. 1 Ts 5, 8), a âncora segura e firme, que fixa em Deus (cf. Heb 6, 19) e a lâmpada, que permite esperar a aurora dum novo dia (cf. Lc 12, 35-36). Ter medo, duvidar e recear, acomodar-se no presente sem Deus, ou não ter nada a esperar, são atitudes alheias à fé cristã (cf. S. João Crisóstomo, Homilia XIV sobre a Carta aos Romanos, 6: PG 45, 941C) e – suponho – a qualquer outra crença em Deus. A fé vive o presente, mas espera os bens futuros. Deus está no nosso presente, mas também no futuro, «lugar» da esperança. A dilatação do coração não é só a esperança em Deus, mas também a abertura ao cuidado das realidades corporais e temporais para glorificar a Deus. Na linha de Pedro, de quem sou sucessor, desejo que a vossa fé e a vossa esperança estejam postas em Deus (cf. 1 Ped 1, 21). Estes são os votos que formulo para a África inteira, que me é tão querida! África, tem confiança e levanta-te. O Senhor chama-te! Que Deus vos abençoe. Obrigado.
Rádio Vaticano
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