O tema do alargamento da União Europeia, que sempre se efectuou sem estudos prévios de governabilidade, pelo menos conhecidos, e frequentemente implicando com a revisão do estatuto legal da organização, vai provavelmente sofrer proximamente mais um convite à reflexão, causado pelo turbilhão do Mediterrâneo, que não tem na Líbia um ponto final com a vitória militar da revolta interna e da intervenção externa que foi decisiva no processo. Naturalmente, as graves questões do Egipto, no qual parece que uma pacificação interna, de definição a conhecer, é desejada, e que seja no sentido da confiança ocidental, mais a revolta crescente na reprovada Síria, de efeitos colaterais incertos, não deixam de aprofundar a exigência de uma política europeia e ocidental que pode ter a indesejável exigência de remeter a questão dos equilíbrios orçamentais, sobretudo da solidariedade europeia no sentido da responsabilidade unitária pelas dívidas soberanas inquietantes, para um segundo plano ainda mais ameaçador para o futuro do bem--estar dos europeus.
Até às intervenções na Líbia, e ao seu resultado militar, precedido do inexplicável perdão internacional a Kadhafi que lhe anunciou outros futuros, ao ver-se rodeado das atenções cordatas das chancelarias ocidentais, aquilo que foi chamado o eixo da resistência, composto pelo Irão, pela Síria, pelo Hamas e pelo Hezbollah, contra as perspectivas e interesses americanos e europeus, fazia da Turquia um candidato à União que parecia oferecer a possível estabilidade de um aceitável relacionamento com todos os vizinhos, sem poder ser ignorado, embora poucas vezes fosse lembrado, que as ambicionadas fronteiras amigas da União exigiam uma definição de tranquilidade, e uma nova expressão fiável, ainda que moderada. Os factos mudam inevitavelmente a perspectiva, porque no horizonte continua a questão do estatuto que tarda excessivamente para a questão da Palestina, um tema em que a Turquia parece continuar a apoiar a criação de dois Estados, ambos independentes, mas nada permite imaginar que o Irão e o Hezbollah vão aderir à razoabilidade, e, para muitos observadores, à justiça possível, mas indispensável, depois de tantos anos perdidos.
Os compromissos da Turquia com o Conselho de Cooperação do Golfo (2008) não a impediram de proteger com consistência o Bahrein, advertindo o inquietante Irão sobre as suas ingerências naquele Estado, nem de se afastar da Síria por esta contrariar profundamente, sob a liderança de Bachar el Assad, o compromisso que tem com o projecto de democratizar pacificamente o mundo árabe, o que não deixou de tornar mais complexas as relações com o Irão. O problema que continua a persistir, não obstante o pendor europeu e ocidental da Turquia, é a incerteza de viabilidade, ao menos próxima no tempo, e em vista da complexidade do Mediterrâneo em turbilhão, do projecto que tem de conseguir firmar internamente, e tornar seguido o exemplo, o modelo político que visa conjugar islão e democracia. De facto, parece tratar-se de um conflito, dificilmente sanável, de concepção quanto ao futuro relacionamento com o Ocidente, e neste, muito principalmente, com a União Europeia.
O Irão lidera, sem quaisquer cuidados amenizantes, um confronto com os EUA, estes ainda pouco abertos a compreender que a sua presidência democrática luta com a pesada estrutura dos compromissos e comprometimentos que herdou da gestão republicana anterior. A Turquia, ela própria uma potência, como os ocidentais, com um notável passado imperial, adopta uma política que considera o desenvolvimento sustentado como outro nome da paz, mas enfrenta a incerteza sobre se o turbilhão do Mediterrâneo afecta a capacidade interna de o seu Governo salvaguardar o modelo do seu projecto fundacional e a sua política, o que torna mais complexo o problema de adesão à União Europeia, e a questão inerente das fronteiras amigas. Porque a situação de crise global não consente, ou pelo menos não aconselha, que os alargamentos continuem sem estudos prévios de governabilidade e da natureza amiga das fronteiras.
Adriano Moreira in DN online
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