Por muito que o globalismo esteja presente em todas as avaliações da conjuntura internacional, o facto é que parece existir um pano de fundo sobre o qual as atenções se fixam sucessiva e alternadamente em pontos concretos, em geral anunciados de perigo agudo, e que a semântica da comunicação leva a desviar as atenções do globalismo que se consolida sem projecto. Assim acontece com um facto importantíssimo da evolução estratégica mundial, e que é o de a China ter mostrado a bandeira, segundo uma linguagem que parece ter caído em desuso, ao inaugurar a presença do seu primeiro porta-aviões, chamado Varyag, objecto final dos vagares inerentes à maneira chinesa de olhar para o tempo, e neste caso desde 1990. Por esse tempo ainda a crise financeira e económica mundial não preenchia os ocupados dias dos observatórios mundiais, e o velho porta-aviões que a China adquirira à Ucrânia pode, sem segredo, que resultou ser a melhor maneira de agir sem despertar a vigilância das altas potências, produzir o agora crismado Shi Long, inteiramente reformulado em termos de poder iniciar a sua primeira e tranquila viagem experimental no mar chinês. É necessário lembrar que um porta-aviões exige alguma coisa mais em termos de protecção própria, quer marítima, quer aérea, e, para resumir o ponto que parece tornar-se claro, a partir deste mostrar da bandeira, vai decisivamente ganhar relevo a questão dos vários Pacíficos, um tema muito especificamente do interesse permanente americano, que tem ali uma das referências históricas do seu conceito estratégico militar, e da sua histórica e fundacional marcha para o oeste. A agenda das visitas diplomáticas do actual Presidente dos EUA já tinha mostrado que esta referência do Oeste voltava a impor a sua validade, mas um porta-aviões com bandeira chinesa tem o efeito imediato de tornar mais evidente e presente o interesse histórico nacional, acrescido agora de admissível inquietação dos EUA. É natural que o saber americano, comprovado em todas as suas intervenções marítimas, possa, com fundamento, adiantar a segurança em que poderá repensar que o tempo ainda será uma barreira defensiva da sua superioridade, porque será longo, do ponto de vista ocidental do tempo, o tempo que à China será necessário para constituir um grupo aeronaval a considerar. Mas a perspectiva política é necessariamente mais antecipatória nas meditações, e não parece mostrar a maior das tranquilidades o facto de o Departamento de Estado ter considerado que a conduta chinesa tem "falta de transparência", premissa eventual dos corolários inquietantes sobre a questão de saber qual será o interesse vital que a China procurará proteger com a esquadra que deixa perceber que pretende possuir, designadamente incluindo a definição do Pacífico chinês que terá em vista. É difícil fundamentar a esperança de uma resposta, se possível ao mesmo tempo esclarecedora e tranquilizante, na história passada do crescimento dos poderes marítimos que sucessivamente foram alcançando e perdendo, as outrora grandes potências marítimas. Parece difícil ignorar que, como anos já passados foi de quando em vez sublinhado, designadamente tendo em conta a situação de Taiwan, que o Pacífico será múltiplo nas áreas de influência, e que não é apenas no domínio da dívida soberana que os analistas americanos deverão pensar na China sobre o futuro incerto que se avizinha. Incerto, mas trazendo o que parece ser já uma certeza, a de que a balança de poderes será outra, e que a China pesará no desejável equilíbrio. Muita da contenção verificável nas relações dos EUA com a China, no período Obama em curso, passando discretamente sobre o tema dos direitos humanos, tem relação clara com a percepção do enorme poder que começou a demonstrar o crescimento na relação financeira. Mas o poder marítimo que desponta obrigará a repensar a relação entre a fronteira geográfica e a fronteira dos interesses.
Adriano Moreira in DN online
P.S. – poderá numa primeira análise parecer que o conteúdo deste artigo pouco ou nada tem a ver com a linha deste blogue, pelo que vos convido a em contraponto ao porta-aviões chinês a refletir sobre a atitude do estado chinês de confronto aberto com a Santa Sé nas ditas ordenações episcopais promovidas pela dita igreja católica nacional. Obrigado! JPR
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