Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Memórias de um emigrante italiano no Brasil - Quando íamos em busca da "Merica"

Os descendentes dos italianos que vivem no Brasil actualmente, com frequência, ocupam altos cargos da sociedade local: ministros, profissionais liberais, jornalistas e empresários. Mas os seus antepassados (avôs e bisavôs), que entre o final do século XIX e início do XX escolheram emigrar além-mar, viveram odisseias não muito mais alegres das que hoje sofrem os africanos que, todos os dias, tentam chegar à Itália. Recordar-nos este facto o livro Memorie di un emigrante italiano de Giulio Lorenzoni (Viella, 2008), publicado graças à intervenção do Instituto para as Pesquisas de História Social e Religiosa de Vicenza e editado por Emilio Franzina, professor na Universidade de Verona e certamente o historiador mais competente sobre o fenómeno migratório.

Na introdução, o editor narra-nos quem foi Lorenzoni com um texto muito rico de sugestões e aprofundamentos, o qual constitui um livro no livro. Ele nasceu em 1863 nos arredores de Maróstica, na região de Vicenza. O pai era marceneiro e proprietário de um pequeno lote de terra. Vida pobre, ganhos escassos e propaganda dos agentes de emigração que iam de aldeia em aldeia das áreas rurais italianas enaltecendo a América como se fosse um paraíso terrestre aos camponeses ignorantes, induziram a família a vender tudo e a seguir um grupo de compatriotas que tinha decidido partir para o Brasil. Estas memórias, escritas muitos anos depois da chegada à terra americana, começam justamente da partida, a 15 de Novembro de 1877. O seu valor consiste no facto de que o autor, o que era raro nas zonas rurais vénetas da época, tinha feito os superiores, era dotado de uma discreta cultura e de uma boa veia narrativa. Isto permitiu-lhe escrever um texto que inclusive hoje se lê com rapidez e com prazer. Raramente as peripécias migatórias daqueles anos foram narradas com tanta exactidão, de modo que as lembranças de Lorenzoni se tornam quase emblemáticas, de tantas histórias análogas, sobretudo de quantos decidiram ir colonizar os Estados meridionais do Brasil, em particular o Rio Grande do Sul, onde a família Lorenzoni chegou - a Porto Alegre, na época uma cidade com pouco menos de 50.000 habitantes - no início do mês de Abril.



Foram hospedados num grande prédio popular colectivo (hospedaria), juntamente com cerca de 2000 pessoas como eles. Após alguns dias iniciou a viagem rumo à colónia à qual tinham sido destinados, a actual cidade de Silveira Martins, distante algumas centenas de quilómetros de Porto Alegre. A viagem, que iniciou por via fluvial, foi realizada em enormes carros puxados por bois. A descrição da caravana, longa mais de dois quilómetros, com as mobílias amontoadas que corriam o risco de cair cada vez que se encontrava um obstáculo e os emigrantes que se arrastavam a pé a fim de procurar ao longo da estrada algum alimento para quando pernoitavam pelo caminho, é uma das páginas mais sugestivas do livro, que nos recorda a maneira como a colonização do Brasil e da Argentina nada tem de inferior, por coragem e dificuldade, em relação à do far west americano, muito mais celebrada pelo cinema e pela literatura. Chegaram a Silveira Martins no final de Abril, quase seis meses depois da partida de Maróstica. Mas se a localidade hoje é um florescente município do Rio Grande, quando a família Lorenzoni chegou era só uma imensa extensão de bosques e moitas, onde havia um barracão colectivo que tinha a função de primeiro alojamento para os colonos e um depósito com os instrumentos agrícolas e as sementes. Nada mais. Começou assim a aventura dos italianos que hoje dominam o Rio Grande do Sul. Esses colonos tiveram que roçar o terreno, abater as árvores e com a madeira fazer os móveis e construir as casas, caçar para obter alimento, semear para fazer frutificar o trabalho, defender-se dos animais selvagens, sepultar do melhor modo possível os próprios mortos, superar o medo, a solidão e a carência de tudo.

E no entanto, Lorenzoni narra-nos que, ao superar os primeiros meses de desespero, os colonos procederam sem lamentações: "Nunca ouvi um colono lamentar-se do Brasil", escreve. Por quê? Porque finalmente eram árbitros do próprio destino, proprietários da terra que cultivavam, da casa que habitavam, embora fosse uma barraca de madeira. Trabalhavam muito, mas para si mesmos, não para o patrão como em Itália. E como sempre acontece, a vida difícil facilitava a fecundidade. Só a quantidade podia garantir o futuro. E assim, apesar da ausência de médicos e parteiras, famílias de 10, 15, até 20 filhos, eram a normalidade. De Itália, depressa chegaram os primeiros sacerdotes. E foram, para aquelas pessoas que provinham de lugares profundamente ligados à Igreja, uma ajuda fundamental.

A narração de Lorenzoni, conduzida como uma crónica quotidiana, permite reconstruir o crescimento rápido desta comunidade, semelhante a outras que contemporaneamente popularam diferentes regiões do Brasil, destinadas também a colónias para os emigrantes. Em poucos anos, surgiram casas de alvenaria, ruas, oficinas e actividades artesanais. As escolas foram mais lentas e difíceis, mas depois dos primeiros anos também elas chegaram, em seguida os primeiros jornais e tudo o que de modo lento, mas mais rápido de quanto se esperava, transformaram uma terra de pioneiros semi-selvagens numa florescente comunidade de agricultores e artesãos.

Lorenzoni, que se casou no Brasil e depois se transferiu para outra colónia, isto é, a actual cidade de Bento Gonçalves, desempenhou muitas profissões: professor, jornalista e funcionário público, até à sua morte em 1936. Aos filhos restou o manuscrito das suas memórias, redigidas verosimilmente por volta do final dos anos 20 do século passado, um texto que inicialmente a ninguém interessou, mas em seguida, à medida que a comunidade dos colonos italianos crescia, inclusive culturalmente, e se afastava dos tempos heróicos do início, tornou-se um testemunho precioso do "como tinha começado". Desse modo, foi traduzido em português e publicado em Porto Alegre pela Livraria Sulina Editora em 1975, por ocasião do centenário do início da emigração italiana no Rio Grande, por obra da filha Armida Lorenzoni Parreira.

O texto tornou-se quase um clássico na já florescente historiografia sobre a emigração, muito recordado em Junho passado durante o congresso internacional com o qual a Universidade de Caxias do Sul quis comemorar o 135º aniversário da emigração. Mas o manuscrito original, em italiano, tinha sido enviado para o prof. Franzina, graças ao interesse de Emilio De Boni, um dos primeiros e mais competentes estudiosos riograndenses da povoação italiana, juntamente com o saudoso Rovilio Costa. E finalmente pôde realizar o desejo da publicação também na Itália, restituindo esta apaixonante (e às vezes comovedora) crónica em directo das travessias de muitos compatriotas, que há um século e meio deixaram a miséria dos campos para ir em busca de fortuna na então desconhecida "Merica".

Gianpaolo Romanato

(© L'Osservatore Romano - 4 de Setembro de 2010)

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