Amados irmãos e irmãs,
É com particular emoção que celebro aqui a Eucaristia, a Acção de Graças, com tanta gente vinda de diversas partes da Alemanha e dos países limítrofes. A nossa acção de graças, queremos dirigi-la sobretudo a Deus, em Quem vivemos, nos movemos e existimos (cf. Act 17, 28); mas quero agradecer também a todos vós pela vossa oração em favor do Sucessor de Pedro, para que ele possa continuar a desempenhar o seu ministério com alegria e segura esperança, confirmando os irmãos na fé.
«Ó Deus, que manifestais a vossa omnipotência sobretudo com a misericórdia e o perdão…»: rezamos na colecta de hoje. Na primeira leitura, ouvimos dizer como Deus manifestou o poder da sua misericórdia, na história de Israel. A experiência do exílio babilonense fizera o povo cair numa profunda crise de fé: Por que sucedera aquela desgraça? Seria Deus verdadeiramente poderoso?
Há teólogos que, à vista de todas as coisas terríveis que acontecem hoje no mundo, põem em dúvida se Deus não possa ser realmente omnipotente. Diversamente, nós professamos Deus, o Omnipotente, o Criador do céu e da terra. E sentimo-nos felizes e agradecidos por Ele ser omnipotente; mas devemos, ao mesmo tempo, dar-nos conta de que Ele exerce o seu poder de maneira diferente de como costumamos fazer nós, os homens. Ele próprio impôs um limite ao seu poder, ao reconhecer a liberdade das suas criaturas. Sentimo-nos felizes e agradecidos pelo dom da liberdade; mas, quando vemos as coisas tremendas que sucedem por causa dela, assustamo-nos. Mantenhamos a confiança em Deus, cujo poder se manifesta sobretudo na misericórdia e no perdão. E estejamos certos, amados fiéis, de que Deus deseja a salvação do seu povo. Deseja a nossa salvação, a minha salvação, a salvação de cada um. Sempre, mas sobretudo em tempos de perigo e transtorno, Ele está perto de nós, e o seu coração comove-se por nós, inclina-se sobre nós. Para que o poder da sua misericórdia possa tocar os nossos corações, requer-se a abertura a Ele, é necessária a disponibilidade para abandonar livremente o mal, levantar-se da indiferença e dar espaço à sua Palavra. Deus respeita a nossa liberdade; não nos constrange. Ele aguarda o nosso «sim» e, por assim dizer, mendiga-o.
No Evangelho, Jesus retoma este tema fundamental da pregação profética. Narra a parábola dos dois filhos que são convidados pelo pai para irem trabalhar na vinha. O primeiro filho respondeu: «“Não quero”. Depois, porém, arrependeu-se e foi» (Mt 21, 29). O outro, ao contrário, disse ao pai: «“Eu vou, senhor.” Mas, de facto, não foi» (Mt 21, 30). À pergunta de Jesus sobre qual dos dois cumprira a vontade do pai, os ouvintes justamente respondem: «O primeiro» (Mt 21, 31). A mensagem da parábola é clara: Não são as palavras que contam, mas o agir, os actos de conversão e de fé. Jesus, como ouvimos, dirige esta mensagem aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo de Israel, isto é, aos peritos de religião do seu povo. Estes começam por dizer «sim» à vontade de Deus; mas a sua religiosidade torna-se rotineira, e Deus já não os inquieta. Por isso sentem a mensagem de João Baptista e a de Jesus como um incómodo. E assim o Senhor conclui a sua parábola com estas palavras drásticas: «Os publicanos e as mulheres de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Baptista veio ao vosso encontro pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes, acreditando nele» (Mt 21, 31-32). Traduzida em linguagem de hoje, a frase poderia soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram paz e pessoas que sofrem por causa dos seus pecados e sentem desejo dum coração puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado por isto: pela fé.
Assim, a palavra deve fazer-nos reflectir seriamente; antes, deve abalar a todos nós. Isto, porém, não significa de modo algum que todos quantos vivem na Igreja e trabalham para ela se devam considerar distantes de Jesus e do Reino de Deus. Absolutamente, não! Antes, este é o momento bom para dizer um palavra de profunda gratidão a tantos colaboradores, contratados ou voluntários, sem os quais a vida nas paróquias e na Igreja inteira seria impensável. A Igreja na Alemanha possui muitas instituições sociais e caritativas, onde se cumpre o amor do próximo de forma eficaz, mesmo socialmente e até aos confins da terra. Quero exprimir, neste momento, a minha gratidão e o meu apreço a todos quantos estão empenhados na Cáritas alemã ou noutras organizações, ou então que disponibilizam generosamente o seu tempo e as suas forças para tarefas de voluntariado na Igreja. Tal serviço requer, primariamente, uma competência objectiva e profissional; mas, no espírito do ensinamento de Jesus, exige-se algo mais, ou seja, o coração aberto, que se deixa tocar pelo amor de Cristo, e deste modo é prestado ao próximo, que precisa de nós, mais do que um serviço técnico: o amor, no qual se torna visível ao outro o Deus que ama, Cristo. Neste sentido e a partir do Evangelho de hoje, interroguemo-nos: Como é a minha relação pessoal com Deus na oração, na participação na Missa dominical, no aprofundamento da fé por meio da meditação da Sagrada Escritura e do estudo do Catecismo da Igreja Católica? Queridos amigos, em última análise, a renovação da Igreja só poderá realizar-se através da disponibilidade à conversão e duma fé renovada.
No Evangelho deste domingo, como vimos, fala-se de dois filhos, mas misteriosamente por detrás deles há um terceiro. O primeiro filho diz «não», mas depois cumpre a vontade do pai. O segundo filho diz «sim», mas não faz o que lhe foi ordenado. O terceiro filho diz «sim» e faz também o que lhe foi ordenado. Este terceiro filho é o Filho Unigénito de Deus, Jesus Cristo, que aqui nos reuniu a todos. Ao entrar no mundo, Ele disse: «Eis que venho (…) para fazer, ó Deus, a vossa vontade» (Heb 10, 7). Este «sim», Ele não se limitou a pronunciá-lo, mas cumpriu-o e sofreu até a morte. Diz-se no hino cristológico da segunda leitura: «Ele, que era de condição divina, não quis ter a exigência de ser posto ao nível de Deus. Antes, a Si próprio Se despojou, tomando a condição de escravo, ficando semelhante aos homens. Tido no aspecto como simples homem, ainda mais Se humilhou a Si mesmo, obedecendo até à morte e morte na cruz» (Flp 2, 6-8). Em humildade e obediência, Jesus cumpriu a vontade do Pai, morreu na cruz pelos seus irmãos e irmãs – por nós – e redimiu-nos da nossa soberba e obstinação. Agradeçamos-Lhe pelo seu sacrifício, ajoelhemos diante do seu Nome e, juntamente com os discípulos da primeira geração, proclamemos: «Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai» (Flp 2, 11).
A vida cristã deve medir-se continuamente pela de Cristo: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus» (Flp 2, 5) – escreve São Paulo ao introduzir o hino cristológico. E, alguns versículos antes, já nos exorta: «Se há em Cristo alguma consolação, algum conforto na caridade; se existe alguma participação nos dons do Espírito Santo, alguns sentimentos de ternura e misericórdia, então completai a minha alegria, mantendo-vos unidos nos mesmos sentimentos: conservai a mesma caridade, uma alma comum, um mesmo e único sentir» (Flp 2, 1-2). Assim como Cristo estava totalmente unido ao Pai e era-Lhe obediente, assim também os seus discípulos devem obedecer a Deus e manter entre si um mesmo sentir. Queridos amigos, com Paulo ouso exortar-vos: Tornai plena a minha alegria, permanecendo firmemente unidos em Cristo! A Igreja na Alemanha vencerá os grandes desafios do presente e do futuro e continuará a ser fermento na sociedade, se os sacerdotes, as pessoas consagradas e os leigos que acreditam em Cristo, na fidelidade à vocação específica de cada um, colaborarem em unidade; se as paróquias, as comunidades e os movimentos se apoiarem e enriquecerem mutuamente; se os baptizados e os crismados, em união com o Bispo, mantiverem alta a chama de uma fé intacta e, por ela, deixarem iluminar a riqueza dos seus conhecimentos e capacidades. A Igreja na Alemanha continuará a ser uma bênção para a comunidade católica mundial, se permanecer fielmente unida aos Sucessores de São Pedro e dos Apóstolos, se tiver a peito de variados modos a cooperação com os países de missão e se nisto se deixar «contagiar» pela alegria na fé das jovens Igrejas.
Com a exortação da unidade, Paulo associa o apelo à humildade. Diz: «Não façais nada por rivalidade, nem por vanglória; mas, por humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros» (Flp 2, 3-4). A vida cristã é uma «existência-para»: um viver para o outro, um compromisso humilde a favor do próximo e do bem comum. Amados fiéis, a humildade é uma virtude que no mundo de hoje e, de modo geral, de todos os tempos, não goza de grande estima. Mas os discípulos do Senhor sabem que esta virtude é, por assim dizer, o óleo que torna fecundos os processos de diálogo, possível a colaboração e cordial a unidade. Humilitas, a palavra latina donde deriva «humildade», tem a ver com humus, isto é, com a aderência à terra, à realidade. As pessoas humildes vivem com ambos os pés na terra; mas sobretudo escutam Cristo, a Palavra de Deus, que ininterruptamente renova a Igreja e cada um dos seus membros.
Peçamos a Deus a coragem e a humildade de prosseguirmos pelo caminho da fé, de nos saciarmos na riqueza da sua misericórdia e de mantermos o olhar fixo em Cristo, a Palavra que faz novas todas as coisas, que é para nós «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6), que é o nosso futuro. Amen.
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