Não faltavam os excessos da natureza, que semeia desastres incalculáveis pelo seu território, para que a situação dos EUA fosse das mais preocupantes na crise que, sem impedimento de ser global, é de decadência crescente do Ocidente. Que as divergências entre americanismo e europeísmo sejam continuadamente invocadas, isso apenas afecta a solidariedade interna que foi exemplo na II Guerra Mundial e na Guerra Fria, mas trata-se de um facto certamente inquietante que não melhora a condição geral dos ocidentais, especialmente os do Norte Rico, e do Sul Pobre que dificulta assumir a nova condição.
Embora o facto de a unidade ocidental incluir na definição a imagem de antigo agressor do resto do mundo, que a memória desse resto do mundo guarda e labora, desastres mais severos do que o actual, como foram as duas guerras mundiais, demonstraram suficientemente a indispensabilidade da aliança para resistir, e mais tarde recuperar um novo protagonismo no mundo.
Desde que o tempo, de previsão precária, o consinta, os factos ajudarão a diluir esse costumado véu de ignorância que atrasa o reconhecimento da precariedade crescente. A infeliz ideia unilateralista da capacidade americana de conduzir, com êxito, duas frentes de combate, parece rodeada de embaraços suficientes postos em evidência não só pela crise financeira que enfrenta, como pela desmitificada ilusão da guerra cirúrgica, tudo posto em causa pelas consequências no teor de vida da sociedade civil, e pela angústia permanentemente agudizada pela condição, ou física, ou sobretudo espiritual, dos combatentes que sobreviveram. Tendo em vista o discurso do Yes, we can, basta considerar a situação no Iraque e no Afeganistão para imaginar como a realidade afecta a relação entre o discurso e os projectos de mudança democrática da política americana. No Afeganistão, segundo a imprensa relata, não falta declarações locais, que os ocidentais apoiam, que assumem que "somos todos seres humanos. Os direitos do homem fazem parte do direito internacional, e o Afeganistão faz parte da comunidade internacional. Devemos por isso respeitar os direitos do homem. Não podemos transigir neste ponto". Podem estas manifestações verbais orientar a opinião dos interessados no sentido de que os próprios talibãs mudam, e que consideram viável conciliar os princípios da democracia que são invocados para justificar a intervenção, com as declarações também reiteradas ao longo dos tempos no sentido de que não podem deixar de respeitar os imperativos do Alcorão, de acordo com a sua leitura. O que tudo não permite esquecer que, ao longo da história, o povo afegão teve motivos para sobretudo confiar na regra segundo a qual quem invade o território sempre foi obrigado a retirar-se, de facto sem poder exibir bandeiras da sonhada vitória. No que respeita ao Iraque, e depois da organizada transmissão mundial da execução de Saddam Hussein em 30 de Dezembro de 2006, isso não apaga o facto da errada motivação da ameaça das armas de destruição maciça, nem que desde o dia 20 de Março de 2003, começo da "terceira guerra do golfo", passaram oito anos, durante os quais a violência extrema alastrou usando a guerrilha, os atentados suicidas, os ataques aos ocupantes embora estes legitimados pela ONU com a resolução do Conselho de Segurança de 22 de Maio: as vítimas somam milhares.
A vitimação de Sérgio Vieira de Melo, pelo atentado de 19 de Agosto de 2003 demonstrou que a autoridade da ONU anda longe de ser um valor respeitado, ao mesmo tempo que crescem os focos de inquietação para a segurança mundial. Entretanto, enquanto vão atenuando os ecos do Yes, we can, a população dos EUA vai sendo obrigada a familiarizar-se com as palavras-chaves de crise financeira e económica mundial, que procuram amenizar o choque da doença chamada Dívida Soberana, que severamente os atinge.
A crise é mundial mas não pode alargar-se o tempo de compreender que a crise do Ocidente é global. O unilateralismo deixou de ser uma opção, para ser um erro sem atenuantes.
Adriano Moreira in DN online
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