A revista Nature dedicou uma reportagem em tom de imprensa tablóide a Theresa Deisher, fisiologista molecular, que se opõe ao financiamento com dinheiros públicos à investigação com células estaminais embrionárias.
No início deste ano, a revista britânica Nature publicou uma reportagem em que traça uma caricatura de Theresa Deisher, fisiologista molecular que luta em tribunal por impedir o uso de dinheiros públicos na investigação com células estaminais embrionárias. É surpreendente que uma revista científica com o prestígio da Nature tenha optado pelo ataque ad hominem.
Acostumada desde nova a ver o feto como "um amontoado de células", Theresa Deisher foi pouco a pouco mudando de posição. Influíram nessa transformação os seus anos de experiência em laboratórios, bem como o seu regresso - "após um longo e lento processo" - à prática religiosa.
Doutorada pela Universidade de Stanford e especialista em medicina regenerativa, Deisher saltou para a ribalta da opinião pública americana em Agosto de 2009, ao decidir recorrer da decisão da Administração Obama que autorizava o financiamento público - proibido durante o mandato de George W. Bush - dos projectos de investigação que utilizassem células estaminais embrionárias. Esse recurso, interposto juntamente com outro a nível científico, conseguiu que um juiz federal do distrito de Columbia interpusesse em Agosto de 2010 uma providência cautelar ao plano. Mas a Administração Obama recorreu da sentença e, em Setembro, um tribunal de apelação de Washington levantou a suspensão.
O caso poderia chegar ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos; se este pronunciasse uma sentença a favor de Deisher, poria ponto final nesse país ao financiamento federal das referidas investigações. Entende-se bem a transcendência do pleito e a sua repercussão mediática.
Cocktail informativo
Com o título "A cruzada", a reportagem da Nature (10-02-2011) apresenta um retrato tendencioso de Deisher. O parágrafo introdutório mostra bem a direcção em que se atira. "Tempos houve em que Theresa Deisher abandonou a religião pela ciência. Agora, após recuperar a fé, vai a tribunal combater a investigação com células estaminais (embrionárias)".
Meredith Wadman, correspondente da Nature em Washington e autora da reportagem, mistura ingredientes muito distintos no seu cocktail informativo: ciência com religião, religião com política, política com ciência...
Wadman não se propõe debater os argumentos de Deisher. Prefere concentrar-se na sua pessoa para acerca dela relatar os factos mais curiosos: que o primeiro feto que viu lhe pareceu um extra-terrestre; que reza o terço a andar de bicicleta; que em certos debates se encontra só...
Na versão de Wadman, Deisher é um cruzado medieval que se lança a combater a investigação com células estaminais embrionárias apenas porque a sua fé lho exige. Certo é que algumas das suas declarações ou alguns dos episódios da sua vida - pelo menos os que seleccionou para a reportagem - dão ocasião a que assim pensemos.
Mas, a julgar pela sua carreira profissional, não parece que Deisher seja uma "iluminada" inimiga do progresso. Após fazer o doutoramento em fisiologia molecular e celular pela Universidade de Stanford, trabalhou durante 17 anos em empresas de biotecnologia, nas quais realizou importantes investigações com células estaminais.
Estritamente científico?
Um dos momentos estelares da reportagem da Nature é a entrada em cena de Chuck Murry, co-director do Instituto de Células Estaminais e Medicina Regenerativa da Universidade de Washington e colega de estudos pós-doutoramento de Deisher.
Define-a como "uma espécie de Sarah Palin das células estaminais". A si próprio, porém, apresenta-se como investigador puro e simples; realiza sempre as suas experiências com células embrionárias "numa perspectiva estritamente científica e à margem de posturas morais polarizadas".
Murry usa um discurso inflamado. Mas ficaria mais completo se lhe acrescentássemos o que dizem os colegas do Instituto de Medicina Regenerativa da Califórnia. Considerado durante anos como o ponta-de-lança da investigação com células embrionárias, este Instituto decidiu no ano transacto passar a investigar com células estaminais adultas, a partir do momento em que os seus investidores declararam que queriam mais resultados e menos promessas.
A decisão dos corpos directivos do Instituto da Califórnia não tem nada a ver com moral nem com religião. Por eles, continuavam a investigar com células embrionárias. Mas, quando o investimento obrigou, optaram por jogar pelo seguro: usar células estaminais adultas.
É bem patente o pragmatismo dos investidores do Instituto da Califórnia. Para Deisher, as razões desta atitude parecem insuficientes: antes dos resultados, deveríamos perguntar-nos pelas objecções morais apresentadas pela experimentação com embriões humanos.
Podemos afinal perguntar-nos se a cruzada mais belicosa é a de Deisher contra o uso de células embrionárias ou a da Nature contra Deisher. No seu empenho por combater alguém que considera inimigo da ciência, a Nature parece não se dar conta de que os ataques pessoais dão às suas páginas características de imprensa tablóide.
Juan Meseguer
Aceprensa
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