Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

terça-feira, 12 de junho de 2012

A guerra de liberais e conservadores pelo legado do Cardeal Newman


Em Setembro de 2010, o Papa Bento XVI vai beatificou o Cardeal John Henry Newman (1801-1890), famoso converso do anglicanismo que foi um dos grandes intelectuais da Inglaterra vitoriana, e tanto liberais como conservadores querem chamar Newman para o seu campo. Mas afinal, em que campo é que Newman se encontrava? Para responder a esta pergunta, MercatorNet entrevistou o P.e Juan R. Vélez, co-autor, com Michael Aquilina, de um livro que estará muito em breve nas bancas, Take Five: Meditations with John Henry Newman, e autor de uma biografia de Newman, ainda em preparação, que terá como título Passion for Truth: John Henry Newman.

O Papa foi recentemente acusado de estar a utilizar a figura do Cardeal Newman para promover a causa do catolicismo conservador. Afinal, Newman era liberal ou conservador?
Newman não raciocinava em termos de «liberalismo» e «conservadorismo». Mas reflectiu sobre o perigo do racionalismo que, do seu ponto de vista, era um inimigo do cristianismo. Por racionalismo entendia ele uma filosofia que substitui a revelação divina por ideias e conclusões humanas. Newman contestava vigorosamente a tese de que a religião é um produto do ser humano, sem pretensões de eternidade, e opunha-se ao subjectivismo religioso. Desde os tempos em que era um jovem clérigo anglicano de Oxford até ao momento em que foi nomeado cardeal da Igreja Católica, sempre combateu uma religião subjectiva, uma religião que não assentasse em verdades objectivas, reveladas por Deus ao homem.

Newman opunha-se aos teólogos «liberais» de Oxford, que não eram fiéis à Tradição da Igreja Anglicana. E também era contra o excesso de expressões emocionais no domínio religioso, e o excesso de confiança nas expressões emocionais, tão característico dos evangélicos do nosso tempo; com efeito, tanto os liberais como os evangélicos retiram importância à doutrina e à hierarquia. Assim, Newman opunha-se, quer a uma religiosidade de origem humana, quer a uma religiosidade emocional, mas não se considerava um conservador. Contudo, foi-se sentindo cada vez mais incomodado com os anglicanos High Church que, de uma maneira geral, não promoviam os aspectos espirituais e devocionais da religião cristã, preocupando-se essencialmente com as formas exteriores de culto, e em muitos casos omitindo certas coisas por razões práticas. Newman teve contacto com esta «religiosidade branda» quando, sendo ele um jovem clérigo, o bispo o censurou por não ter oficiado o casamento de uma jovem que, uns anos antes, se tinha recusado a ser baptizada.


Em 1845, imediatamente após ter sido recebido na Igreja Católica, Newman concluiu o seu 'Essay on the Development of Christian Doctrine'. Em que consiste o desenvolvimento, em termos doutrinais?
Durante cerca de 20 anos, enquanto foi aluno e depois professor em Oxford, Newman teve oportunidade de estudar as alterações de doutrina e de prática que o cristianismo foi sofrendo ao longo dos séculos e, durante muitos anos, admitiu a ideia protestante de que as doutrinas e as práticas católicas eram uma corrupção do cristianismo primitivo. Contudo, os estudos que fez sobre o cristianismo e os actos da Igreja Anglicana levaram-no a analisar melhor esta posição e ele começou a compreender que, com o passar do tempo, o cristianismo foi incorporando determinadas doutrinas e práticas religiosas, e que estas alterações tinham sido introduzidas por boas razões.

Por exemplo, chegou à conclusão de que a doutrina do Purgatório tinha sido um «desenvolvimento» na compreensão que o cristianismo foi tendo do modo como Deus perdoa através do sacramento da penitência. O Purgatório é uma solução para a penitência que a alma não fez na terra; o Purgatório purifica a alma do afecto ao pecado que ainda resta numa alma que morreu em estado de graça. E, embora o Purgatório não seja especificamente referido na Bíblia, esta doutrina acerca da purificação deve ser aceite porque se trata de um genuíno desenvolvimento da doutrina geral da Igreja.

Mas Newman considera que a doutrina da Igreja pode mudar?
Sim e não. Para ser mais preciso, a doutrina da Igreja desenvolve-se, que não é o mesmo que dizer que a doutrina da Igreja «evolui». A noção de evolução pressupõe que determinada coisa se transforma noutra coisa diferente; neste sentido, a doutrina da Igreja não evolui, e atribuir esta ideia a Newman é um erro. Newman argumentava que os desenvolvimentos podem ser bons ou maus, e que um mau desenvolvimento na doutrina da Igreja se chama corrupção da doutrina. Um exemplo de um bom desenvolvimento é a autoridade que o sucessor de São Pedro adquiriu; e o contrário - o menosprezo pelo cargo de Pedro, estabelecido pelo próprio Cristo - é efectivamente corrupção.

Newman considerava que a religião é um conjunto específico de verdades doutrinais e de práticas que não se alteram substancialmente; as formas e os elementos exteriores podem alterar-se e desenvolver-se, mas apenas de acordo com a realidade original. Por outro lado, pode-se alcançar uma articulação mais adequada e uma compreensão mais profunda destas verdades.

E vale a pena transmitir dogmas fossilizados, alegando que são de Tradição, sem os questionar?

Aqui, temos de distinguir a Tradição no domínio das convicções religiosas das tradições sociais e políticas. A primeira tem origem em Deus, enquanto as segundas são produtos humanos. A Tradição cristã é a transmissão, oral e escrita, daquilo que Deus revelou à Igreja através dos apóstolos e dos seus discípulos, sob a orientação do Espírito Santo.

No quadro desta tradição, temos a Tradição Apostólica, que entronca no tempo dos apóstolos ou dos seus discípulos; e a tradição eclesiástica, que é a tradição que se foi desenvolvendo nos séculos subsequentes, também sob a orientação do Espírito Santo, prometido por Cristo aos apóstolos e aos sucessores destes.

A Igreja acredita que Cristo transmitiu aos apóstolos, e aos sucessores imediatos destes, as doutrinas que queria que eles comunicassem aos bispos que viriam a suceder-lhes. A Tradição consiste na pregação oral, no exemplo e nas instituições, como é o caso dos sacramentos administrados pelos apóstolos. O Espírito Santo inspirou algumas pessoas a porem por escrito alguns elementos desta Tradição, que vieram a ser o Novo Testamento. O depósito da fé é constituído pela Tradição e pela Sagrada Escritura, e contém as verdades em que Deus quer que os homens acreditem e que deseja que eles ponham em prática. Para ser fiel àquilo que Deus revelou, qualquer desenvolvimento doutrinal tem de ser fiel à Tradição e à Sagrada Escritura.

Como foi que as doutrinas do cristianismo primitivo foram postas em causa ou rejeitadas?
A partir do século XVI, a Tradição Eclesiástica, e depois a Tradição Apostólica, começaram a ser postas em causa por diversas razões, resultantes de reacções a abusos cometidos por membros da Igreja, a uma confiança excessiva na razão humana que teve início com o advento da Renascença, e a um corte gradual com a autoridade de Roma.

Na Inglaterra do século XIX, havia duas práticas generalizadas que resultavam da Reforma protestante: a prática de uma Religião Bíblica, com exclusão de tudo aquilo que não estivesse explicitamente contido nas Escrituras, e o exercício do Juízo Privado em matérias religiosas.

Newman era um historiador da Igreja primitiva, de modo que a profunda análise que fez a este período e aos escritos dos Padres da Igreja proporcionou-lhe um conhecimento em primeira mão da Tradição da Igreja, permitindo-lhe descobrir que os Padres tinham sido testemunhas da Tradição e dos ensinamentos da Igreja acerca das Sagradas Escrituras. O estudo que fez dos Padres permitiu-lhe evitar estes erros e apontá-los a outros em sermões e ensaios.

Quer dar-nos exemplos de aplicações das ideias de Newman sobre o desenvolvimento? De que forma é que os critérios que ele propôs permitem sustentar ou excluir alterações de relevo na doutrina e na moral católicas?Podemos perguntar-nos se Newman aceitaria um tipo de governo da Igreja em que o Papa não tivesse autoridade. Newman debateu-se com esta ideia durante anos antes de se converter ao catolicismo, acabando por compreender que a autoridade do Papa era um desenvolvimento do poder dado por Cristo a Pedro, e que portanto a negação desta autoridade seria contrária à doutrina inicial, e por isso inaceitável.

Num domínio completamente diferente, podemos perguntar-nos se Newman aceitaria o uso da contracepção. Naturalmente, não poderia aceitá-lo como um verdadeiro desenvolvimento na doutrina moral, porque se trata de um comportamento que não tem fundamento, nem na Sagrada Escritura, nem na Tradição e que, pelo contrário, foi proibido, por exemplo no caso de Onan.

Ou então, num domínio ainda mais contestado no nosso tempo, aceitaria Newman alterações à prática do celibato dos sacerdotes católicos de rito latino? Newman começaria por chamar a atenção para o facto de São Pedro e outros apóstolos - mas não todos - serem casados; São João e São Paulo eram celibatários. Passaria depois a citar a passagem do Evangelho de São Mateus em que Jesus afirma que alguns recebem o dom do celibato em função do Reino dos Céus. E é provável que, em seguida, argumentasse que, guiada pelo Espírito Santo, a Igreja cedo reconheceu os benefícios do celibato: por volta do ano 300 o celibato era a norma no Ocidente e a Igreja tinha alcançado uma compreensão mais ampla das vantagens, espirituais e pastorais, do celibato. Em qualquer circunstância, Newman olharia para a Sagrada Escritura e para a Tradição, tal como as entendeu o magistério da Igreja, para avaliar da validade de quaisquer desenvolvimentos.

Assim sendo, o que seria, para Newman, um verdadeiro desenvolvimento na doutrina da Igreja?
É muito provável que Newman considerasse verdadeiros desenvolvimentos da doutrina católica as diversas componentes da doutrina social da Igreja, como a noção de bem comum e de subsidiariedade, bem como a doutrina da colegialidade dos bispos, ensinada pelo Concílio Vaticano II.

O próprio Newman contribuiu para uma série de desenvolvimentos da teologia católica, como por exemplo uma visão mais espiritual do Purgatório e uma compreensão mais profunda do papel dos leigos na Igreja. São temas acerca dos quais há muito a dizer, em especial quanto à influência de Newman no sentido da promoção de leigos católicos bem formadso, que ecoa os ensinamentos do Concílio Vaticano II - concílio que, aliás, também sublinhou, tal como Newman tinha sublinhado, que todos os cristãos são chamados por Deus a uma vida de santidade.

Assim sendo, à pergunta: «Newman era um liberal (dissimulado) ou um conservador?», a resposta terá de ser que não era liberal nem conservador. Era um homem que se apoiava na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, e que tomava o magistério da Igreja como base para todos os seus ensinamentos, orientações e decisões em matérias doutrinais. Newman proporcionou aos cristãos e teólogos futuros ferramentas que lhes permitem avaliar a solidez dos desenvolvimentos doutrinais, mostrando que os desenvolvimentos verdadeiros não podem deixar de estar enraizados na Tradição e de ser fiéis à Escritura, bem como ao magistério da Igreja.

A comunidade homossexual da Grã-Bretanha tem tentado apresentar o Cardeal Newman como um homossexual latente. O que é que lhe parece esta ideia?
As amizades íntimas e duradouras que Newman cultivou com alguns pares do sexo masculino têm sido apresentadas como um forte indício de homossexualidade. Trata-se de uma expressão da tendência contemporânea para ver os amigos essencialmente em termos de relações sexuais. Ian Ker, um estudioso de Newman, já deixou bem claro que não há qualquer indicação de que Newman padecesse de atracção por pessoas do mesmo sexo. Dito isto, é doutrina da Igreja Católica que, em si mesmas, as inclinações homossexuais não são pecaminosas; todas as pessoas, sejam casadas ou solteiras, são chamadas por Deus a viver a castidade, cada uma de acordo com o seu estado.

Os críticos têm afirmado que Newman se opunha firmemente à ideia da sua própria beatificação, e que chegou mesmo a tomar medidas destinadas a impedir que os seus restos mortais fossem objecto de culto. O Papa estará a cometer um erro ao beatificá-lo?
Newman tinha uma consciência muito aguda das suas tendências pecaminosas, nomeadamente o orgulho e o excesso de sensibilidade. Com o passar dos anos, a consciência de não ter correspondido às graças que recebeu de Deus foi fazendo crescer nele um sentido ainda mais apurado da santidade divina e do seu próprio nada. Por este motivo, a ideia de ser considerado um santo ter-lhe-á parecido totalmente repugnante. Os verdadeiros santos não se consideram tal; pelo contrário, vêem-se a si próprios como pecadores arrependidos. Após uma análise cuidadosa da vida e da obra de Newman, o Papa Bento XVI reconheceu a santidade do Venerável John Henry Newman e prepara-se para o contar no número dos bem-aventurados.

Fonte: MercatorNet AQUI
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Juan R. Vélez é um sacerdote católico de Los Angeles. Antes de ser sacerdote, exerceu medicina.
Aceprensa

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