SER LUZ COM O EXEMPLO – Os cristãos devem ser sal e luz no meio do mundo. – Exemplaridade na vida familiar, profissional, etc. – Exemplares na caridade e na temperança. O sal insípido não serve para nada.
I. NO EVANGELHO DA MISSA deste Domingo1, o Senhor fala-nos da nossa responsabilidade perante o mundo: Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo. E diz isso a cada um de nós, àqueles que queremos ser seus discípulos. O sal dá sabor aos alimentos, torna-os agradáveis, preserva da corrupção e era outrora um símbolo da sabedoria divina. No Antigo Testamento, prescrevia-se que tudo o que se oferecesse a Deus devia estar condimentado com sal2, para significar o desejo de que a oferenda fosse agradável. A luz é a primeira obra da criação3, e é símbolo do Senhor, do Céu e da Vida. As trevas, pelo contrário, significam a morte, o inferno, a desordem e o mal. Os discípulos de Cristo são o sal da terra: dão um sentido mais alto a todos os valores humanos, evitam a corrupção, trazem com as suas palavras a sabedoria aos homens. São também luz do mundo, que orienta e indica o caminho no meio da escuridão. Quando os cristãos vivem segundo a sua fé e têm um comportamento irrepreensível e simples, brilham como astros no mundo4, no meio do trabalho e dos seus afazeres, na sua vida normal. Um olhar à nossa volta é suficiente para vermos que, hoje em dia, é como se os homens houvessem perdido o sal e a luz de Cristo. “A vida civil encontra-se marcada pelas consequências das ideologias secularizadas, que vão da negação de Deus ou da limitação da liberdade religiosa à preponderante importância atribuída ao êxito económico em detrimento dos valores humanos do trabalho e da produção; do materialismo e do hedonismo – que atacam os valores da família numerosa e unida, os da vida recém-concebida e os da tutela moral da juventude – a um «niilismo» que desarma a vontade perante problemas cruciais (como os dos novos pobres, dos emigrantes, das minorias étnicas e religiosas, do recto uso dos meios de informação), enquanto arma as mãos do terrorismo”5. Há muitos males que derivam do “abandono por parte de baptizados e fiéis das razões profundas da sua fé e do vigor doutrinal e moral dessa visão cristã da vida que garante o equilíbrio às pessoas e às comunidades”6. Chegou-se a essa situação – em que é preciso evangelizar novamente o mundo7 – pelo cúmulo de omissões de tantos cristãos que não foram sal e luz como o Senhor lhes pedia. Cristo deixou-nos a sua doutrina e a sua vida para que os homens encontrassem o sentido da sua existência e achassem a felicidade e a salvação. Não se pode ocultar uma cidade situada sobre um monte, nem se acende uma lâmpada para pô-la debaixo do alqueire, mas no candelabro, para que alumie todos os que estão na casa, continua a dizer-nos o Senhor no Evangelho da Missa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, a fim de que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos céus. E para isso é necessário, em primeiro lugar, o exemplo de uma vida reta, a pureza da conduta, o exercício das virtudes humanas e cristãs na vida simples de todos os dias. A luz, o bom exemplo, deve abrir caminho. II. PERANTE A ONDA DE MATERIALISMO e de sensualidade que afoga os homens, o Senhor “quer que das nossas almas saia outra onda – branca e poderosa, como a destra do Senhor –, que afogue com a sua pureza a podridão de todo o materialismo e neutralize a corrupção que inundou o orbe: é para isso que vêm – e para mais – os filhos de Deus”8: para levar Cristo a tantos que convivem connosco, para que Deus não seja um estranho na sociedade. Transformaremos verdadeiramente o mundo – a principiar por esse pequeno mundo em que se desenvolve a nossa actividade – na medida em que o ensinamento começar com o testemunho da nossa própria vida. Se formos exemplares, competentes e honrados no trabalho profissional; se dedicarmos à família o tempo de que os filhos ou os pais necessitam; se os que nos rodeiam virem que estamos alegres, mesmo no meio das contrariedades e da dor; se formos cordiais..., então “crerão nas nossas obras mais do que em qualquer outro discurso”9 e sentir-se-ão atraídos pelo ideal de vida que as nossas ações lhes revelam. O exemplo prepara a terra em que a palavra frutificará. Sem cairmos em atitudes grotescas, impróprias de um cristão corrente, podemos mostrar ao mundo o que significa seguir verdadeiramente o Senhor na tarefa quotidiana, tal como fizeram os primeiros cristãos. São Paulo instava com os fiéis de Éfeso: Eu vos exorto a andar de uma maneira digna da vocação a que fostes chamados10. Devemos ser conhecidos como homens e mulheres leais, simples, verazes, alegres, trabalhadores, optimistas; devemos comportar-nos como pessoas que cumprem rectamente os seus deveres e que sabem actuar a todo o momento como filhos de Deus, que não se deixam arrastar por qualquer vento. A vida do cristão constituirá então um sinal claro da presença do espírito de Cristo na sociedade. Por isso devemos perguntar-nos com frequência na nossa oração pessoal se os nossos colegas de trabalho, os nossos familiares e amigos se vêem levados a glorificar a Deus quando presenciam as nossas acções, porque vêem nelas a luz de Cristo. Seria um bom sinal de que em nós há luz e não escuridão, amor a Deus e não tibieza. “Ele tem necessidade de vós..., diz-nos o Papa João Paulo II. De alguma forma vós lhe emprestais os vossos rostos, o vosso coração, toda a vossa pessoa, na medida em que vos entregais ao bem dos outros e vos tornais servidores fiéis do Evangelho. Então é o próprio Jesus a ficar bem; mas se fordes fracos e vis, obscurecereis a sua autêntica identidade e não o honrareis”11. Não percamos nunca de vista esta realidade: os outros devem ver Cristo no nosso comportamento diário simples e sereno. III. NA PRIMEIRA LEITURA12, o profeta Isaías enumera algumas obras de misericórdia que darão ao cristão a possibilidade de manifestar a caridade do seu coração: compartilhar o pão e o teto, vestir o nu, desterrar os gestos ameaçadores e as maledicências. Então – canta o Salmo responsorial – a vossa luz irromperá como a aurora [...], a vossa luz brilhará nas trevas, a vossa escuridão tornar-se-á meio-dia13. A caridade exercida à nossa volta, nas circunstâncias mais diversas, será um testemunho que atrairá muitos à fé de Cristo, pois Ele mesmo disse: Nisto se conhecerá que sois meus discípulos14. As próprias normas habituais da convivência, que muitas pessoas encaram como algo meramente exterior e que só praticam porque lhes tornam mais fácil o trato social, para um cristão devem ser também fruto da caridade – da sua união com Deus, que impregna esses gestos de conteúdo sobrenatural. E a partir dessa raiz devem necessariamente exteriorizar-se. “Agora percebo – escreve Santa Teresa de Lisieux – que a verdadeira caridade consiste em suportar todos os defeitos do próximo, em não estranhar as suas debilidades, em edificar-se com as suas menores virtudes. Mas aprendi especialmente que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração, pois não se acende uma luz para pô-la debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, a fim de que alumie todos os que estão na casa. Parece-me que esta tocha representa a caridade que deve iluminar e alegrar não só aqueles a quem mais quero, mas todos os que estão na casa”15, toda a família, cada um dos que compartilham o nosso trabalho... Caridade que se manifestará em muitos casos através das formas usuais da educação e da cortesia. Outro aspecto importante em que os cristãos devem ser sal e luz é a temperança, a sobriedade. A nossa época “caracteriza-se pela busca do bem-estar material a qualquer custo, e pelo correspondente esquecimento – melhor seria dizer medo, autêntico pavor – de tudo o que possa causar sofrimento. Com esta perspectiva, palavras como Deus, pecado, cruz, mortificação, vida eterna..., são incompreensíveis para um grande número de pessoas, que desconhecem o seu significado e o seu conteúdo”16. Por isso é particularmente urgente dar testemunho generoso de temperança e de sobriedade, que manifestam o espírito senhoril dos filhos de Deus e levam a utilizar os bens “segundo as necessidades e deveres, com a moderação de quem os usa, e não de quem os valoriza excessivamente e se vê arrastado por eles”17. Pedimos hoje à Virgem Maria que saibamos ser sal que impeça a corrupção das pessoas e da sociedade, e luz que não só ilumine mas aqueça com a vida e com a palavra; que estejamos sempre acesos no amor, não apagados; que a nossa conduta reflicta com toda a luminosidade possível o rosto amável de Jesus Cristo. Com a confiança que Ela nos inspira, peçamos a Deus por seu intermédio, na intimidade do nosso coração: “Senhor nosso Deus, Vós que fizestes dos santos uma lâmpada que ao mesmo tempo ilumina e dá calor no meio dos homens, concedei-nos que possamos caminhar com esse ardor de espírito, como filhos da luz”18. (1) Mt 5, 13-16; (2) cfr. Lev 2, 13; (3) Gén 1, 1-5; (4) cfr. Fil 2, 15; (5) João Paulo II, Discurso, 9-XI-1982; (6) ib.; (7) idem, Discurso, 11-X-1985; (8) São Josemaría Escrivá, Forja, n. 23; (9) São João Crisóstomo, Homilias sobre São Mateus, 15, 9; (10) Ef 4, 1; (11) João Paulo II, Homilia, 29-V-1983; (12) Is 58, 7-10; (13) cfr. Sl 3, 4-5; (14) cfr. Jo 13, 35; (15) Santa Teresa de Lisieux, História de uma alma, IX, 24; (16) A. del Portillo, Carta, 25-XII-1985, n. 4; (17) Santo Agostinho, Sobre os costumes da Igreja Católica, I, 21; (18) cfr. Oração colecta da Missa de São Bernardo, Abade.
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