É curioso percebermos que o Demónio é sempre retratado como uma figura horrenda, que só de olhar mete medo.
Se tal figura nos aparecesse pela frente, com certeza que a nossa imediata reacção seria fugir, nem sequer olhar, nem ouvir, e só faríamos o que o Demónio quisesse, por medo, por um profundo e terrível medo.
E, claro, na primeira oportunidade tentaríamos fugir dele, e procurar refúgio junto que quem nos pudesse defender de tal criatura horrenda.
E o retrato deste Demónio é o erro em que muitas vezes caímos, por pensarmos que ele assim nos aparece, ou que é assim que ele nos tenta.
A verdade é que se ele assim se apresentasse, poucos de nós nos deixaríamos tentar, e sem dúvida nenhuma procuraríamos Deus, com uma ânsia imensa de nos libertarmos de tal visão e presença assustadora.
Claro que se procurássemos Deus apenas por medo ao Demónio, assim que nos víssemos livres dele, (julgaríamos nós), logo a relação com Deus acabaria, porque acabava o motivo, a razão para tal relação.
Nada mais errado do que imaginarmos o Demónio como essa figura horrenda, assustadora, da qual apenas queremos fugir.
O Demónio apresenta-se-nos sempre cheio de uma beleza sedutora, na figura de um pretenso bem, na representação de uma pretensa consciência individual correcta e pura.
O Demónio não nos contradiz, não “luta” contra nós, pelo contrário, toma aquilo em que acreditamos, (às vezes de forma tão superficial), e tenta-nos a fazer o que ele quer, convencidos, (porque não reflectimos verdadeiramente), de que estamos a fazer o bem.
E por vezes caímos nesse erro tempos infindos, até nos apercebermos, ou melhor, sermos levados, (pelo amor de Deus), a perceber o erro em que nos deixámos viver.
Tantas vezes que procuramos em nós aquilo que consideramos os “grandes pecados” e não os reconhecendo nas nossas vidas, nos convencemos que o caminho é seguro, e que a conversão é real e está “concluída”.
Mas se reflectirmos sobre o que acima se escreve, percebemos que o Demónio não age, (de um modo geral), sobre aquilo que é fácil para nós detectarmos como pecado, como erro, como fraqueza.
Assim seria muito “fácil” para nós resistirmos às tentações.
Não, o “trabalho” do Demónio é um “trabalho” discreto e continuado, servindo-se das coisas mais simples, para depois do hábito criado, partir para as coisas maiores.
Uma mentira pequena não é pecado, ouvimos nós tantas vezes dizer.
Claro que não é um pecado grave, (depende da mentira, claro, e do mal que ela possa causar noutros ou em nós próprios), mas não deixa de ser mentira e portanto uma coisa má, de que nós com certeza não nos orgulhamos.
Nenhum mentiroso começa uma vida de mentira, por grandes mentiras, mas sim por coisas tão pequenas, que parecem não ter importância, mas depois se vão tornando hábito e, claro, para cobrir uma mentira é sempre preciso continuar a mentir.
Rapidamente quem assim vive, torna-se dependente da mentira, e, como tal, vive sempre na insegurança, no medo de ser “apanhado” e envergonhado, portanto muito longe de uma vida serena, tranquila, de uma vida em liberdade, que o Senhor na Verdade quer dar a cada um.
Podemos transportar este exemplo para as nossas vidas e tentarmos perceber em que é que eu me deixo tentar e cedo com facilidade, tentando convencer-me de que afinal não estou a errar, mas em que afinal estou verdadeiramente preso, porque se tornou num vício para mim.
Outro modo de o Demónio nos tentar, é fazer-nos desviar do centro das nossas vidas, que é Deus sem dúvida, para, enganando-nos com um pretenso bem, fazer-nos colocar o nosso acreditar, a nossa esperança, a nossa confiança, naquilo que sendo de Deus, não é o próprio Deus.
Reparemos como tantos de nós usamos expressões tais como: eu tenho muita fé em Santo António, em Santa Rita, neste ou naquele Santo, nesta ou naquela oração ou novena, etc., etc.
Então deixamo-nos levar por “orações infalíveis”, “novenas cem por cento seguras”, e normas e conceitos que nada têm a ver com Deus, ou melhor, que nos retiram o pensamento, a confiança, a esperança no amor misericordioso de Deus, para os colocarmos nessas “orações” e “rituais”.
Assim somos nós que queremos “controlar” aquilo que Deus nos pode dar e nós queremos obter, como por exemplo, a “obrigatoriedade” de Deus nos conceder o que pedimos, se rezarmos uma qualquer oração trinta vezes, se fizermos vinte e cinco fotocópias duma pagela, ou se não quebrarmos uma qualquer “corrente de oração”, e reenviarmos determinada mensagem.
Claro que podemos e devemos orar, fazer novenas, e pedir a intercessão dos Santos, mas a nossa fé, a nossa confiança, a nossa esperança é sempre no Deus que nos criou e ama, porque se assim não for, se assim não vivermos, estamos desde logo a falhar no primeiro e mais importante Mandamento:
«Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente.» Mt 22, 37
E se a nossa fé, a nossa confiança, a nossa esperança não estão em Deus, nunca compreenderemos que aquilo que pedimos não nos seja concedido, porque não conseguimos perceber que a vontade de Deus é sempre o melhor para nós, e assim, afastamo-nos “zangados”, rompendo com a aliança de amor que Deus fez connosco, e cedendo, sem dúvida, à tentação da qual nem sequer nos apercebemos.
E essa tentação leva-nos a procurar em “espiritualidades”, práticas e lugares errados, aquilo que pensamos não ter obtido de Deus, deixando-nos envolver em coisas que nos tiram a liberdade e nos amarram a situações que nos destroem.
Mas também o Demónio se serve da nossa consciência, tentando manipulá-la para seu “proveito”, que é sempre afastar o homem de Deus.
Deus criou-nos livres e deu-nos uma consciência livre, de tal modo que está na nossa vontade aceitar o amor de Deus e retribuí-lo, ou rejeitá-lo e negá-lo.
Mas Jesus Cristo também nos deixou a Igreja e nela e com ela, a Sua Palavra, a Doutrina, a Tradição que devem sempre nortear a nossa vida e serem o guia seguro do Caminho que o Senhor mesmo nos preparou e deu a conhecer.
E aí, na nossa consciência, o Demónio “valoriza” a nossa liberdade como estando acima do próprio Deus.
Claro que não o faz claramente, mas levando-nos a pensar que mais importante do que tudo, é a nossa consciência, e que mesmo que ela não esteja de acordo com o que nos ensina a Igreja, sendo “livre” e “correcta” para nós, é sempre correcta e agrada a Deus.
Assim o “verdadeiro juiz” das nossas acções passamos a ser nós mesmos, o que acaba por nos constituir como deuses de nós próprios, e nós sabemos bem que juiz em causa própria é sempre “justiça” errada.
Assim o Sacramento da Confissão deixa de “fazer sentido”, e lá estaremos nós a dizer ao mundo que apenas nos confessamos a Deus.
Claro que somos livres por vontade de Deus, claro que a nossa consciência é livre por vontade de Deus, mas a nossa vida e a nossa consciência só são verdadeiramente livres quando são iluminadas pela Verdade, quando vivem no amor com e a Deus, e aos outros, porque é em Deus que está a Verdade, porque Deus é a Verdade, e só a Verdade nos libertará.
«Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres.» Jo 8, 31-32
Quase que poderíamos dizer que assim é impossível resistir ao Demónio e às suas tentações! Claro que não!
Porque se a nossa vida, a nossa consciência, estiverem em comunhão permanente com Deus, é por Ele, pelo Espírito Santo, que são iluminadas, e em todo o tempo Ele nos mostrará a insidia do Demónio, e nos dará forças para vencermos as tentações.
E mesmo que caiamos, uma e outra vez, sabemos, porque acreditamos, que a misericórdia de Deus é infinitamente maior do que o nosso pecado, e procurando o Sacramento da Confissão, reconciliamo-nos, por Sua graça, com Deus e com os irmãos.
Não é em vão que Jesus Cristo nos diz repetidamente para não nos deixarmos adormecer (Lc 22,46), para não sermos cristãos “mornos” (Ap 3,16), mas sim para vigiarmos e orarmos constantemente (Lc 21,36), porque é Ele mesmo que nos promete o envio do Espírito Santo, que recebemos no Baptismo, porque é Ele mesmo, o Espírito Santo, que nos iluminará, nos guiará, e até por nós falará (Mt 10,20), se a Ele nos entregarmos confiadamente.
«mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo, e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse.» Jo 14, 26
Monte Real, 26 de Janeiro de 2011
(continua)
Joaquim Mexia Alves
http://queeaverdade.blogspot.com/2011/01/o-medo-do-demonio-3.html
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