CRESCER EM VIDA INTERIOR – A vida interior está destinada a crescer. Corresponder às graças recebidas. – A fidelidade através dos pormenores e o espírito de sacrifício. – A contrição e o crescimento interior.
I. NALGUMAS OCASIÕES, Jesus, ao expor aos Apóstolos a sua doutrina, pede-lhes que prestem toda a atenção; noutras, reúne-os para explicar-lhes de novo, a sós, uma parábola, ou para fazê-los observar algum episódio de que devem extrair um ensinamento, pois receberam um tesouro para toda a Igreja do qual terão depois que prestar contas. Prestai atenção..., disse-lhes Jesus certa vez. E transmitiu-lhes este ensinamento: A quem tem, dar-se-lhe-á; e a quem não tem, mesmo aquilo que parece ter ser-lhe-á tirado1. E a este propósito comenta São João Crisóstomo: “A quem é diligente e fervoroso, dar-se-lhe-á toda a ajuda que depende de Deus; mas a quem não tem amor nem fervor, nem faz o que está ao seu alcance, também não lhe será dado o que depende de Deus. Porque perderá – diz o Senhor – ainda aquilo que parece ter; não porque Deus lho tire, mas porque se incapacita para novas graças”2. A quem tem, dar-se-lhe-á... É um ensinamento fundamental para a vida interior de cada cristão. Àquele que corresponde à graça, dar-se-lhe-á ainda mais graça; mas quem não faz frutificar as inspirações, moções e ajudas do Espírito Santo, ficará cada vez mais empobrecido. Os que negociaram com os talentos que tinham recebido em depósito, vieram a receber uma fortuna ainda maior; mas aquele que enterrou o seu, perdeu-o3. A vida interior, tal como o amor, está destinada a crescer; exige sempre que se progrida, que se esteja aberto a novas graças. “Se dizes «basta», já estás morto”4; quando não se avança, retrocede-se. Deus prometeu-nos que nos concederia sempre as ajudas necessárias. Podemos dizer a cada instante com o Salmista: O Senhor anda solícito por mim5. As dificuldades, as tentações, os obstáculos internos ou externos nada mais são do que ocasiões para crescer; quanto mais forte for a dificuldade, maior será a graça; e se as tentações ou contradições forem muito fortes, maiores serão as ajudas de Deus para convertermos aquilo que parecia dificultar ou impossibilitar a santidade num motivo de progresso espiritual e de eficácia na acção apostólica. Só o desamor e a tibieza é que fazem adoecer ou morrer a vida da alma. Só a má vontade, a falta de generosidade com Deus, é que atrasa ou impede a união com Ele. “Conforme for a capacidade que o cântaro da fé leva à fonte, assim será o que dela há de receber”6. Jesus Cristo é uma fonte inesgotável de ajuda, de amor, de compreensão: com que capacidade – com que desejos – nos aproximamos d’Ele? Senhor – dizemos-lhe na nossa oração –, dai-me mais e mais sede de Vós, que eu Vos deseje mais intensamente que o infeliz que anda perdido no deserto e a ponto de morrer por falta de água. II. AS CAUSAS que levam a não progredir na vida interior e, portanto, a retroceder e a dar lugar ao desalento, podem ser muito diversas, mas por vezes podem reduzir-se a poucas: ao desleixo, à falta de vigilância nas pequenas coisas que dizem respeito ao serviço e à amizade com Deus, e ao recuo perante os sacrifícios que essa amizade nos pede7. Tudo o que possuímos para oferecer ao Senhor são pequenos actos de fé e de amor, acções de graças, uma breve visita ao Santíssimo Sacramento, as orações costumeiras ao longo do dia; e esforço no trabalho profissional, amabilidade nas respostas, delicadeza ao prestar ou ao pedir um favor... Muitas pequenas coisas feitas com amor e por amor constituem o nosso tesouro deste dia que levaremos para a eternidade. Normalmente, a vida interior alimenta-se, pois, do corriqueiro realizado com atenção e com amor. Pretender outra coisa seria errar de caminho, não achar nada, ou muito pouco, para oferecer a Deus. “Vem a propósito – diz-nos São Josemaría Escrivá – recordar a história daquele personagem imaginado por um escritor francês, que pretendia caçar leões nos corredores da sua casa e, naturalmente, não os encontrava. A nossa vida é comum e corrente: pretender servir o Senhor com coisas grandes seria como tentar ir à caça de leões pelos corredores. Assim como o caçador do conto, acabaríamos de mãos vazias”8, sem nada que oferecer. As nossas pequenas obras são como as gotas de água que, somadas umas às outras, fecundam a terra sedenta: um olhar a uma imagem de Nossa Senhora, uma palavra de alento a um amigo, uma genuflexão reverente diante do Sacrário, um movimento imperceptível de domínio da vista pela rua, um pequeno ato de força de vontade para fugir de um dissimulado convite à preguiça... criam os bons hábitos, as virtudes, que conservam e fazem progredir a vida da alma. Se formos fiéis em realizar esses pequenos actos, quando tivermos de enfrentar alguma coisa mais importante – uma doença mais séria, um fracasso profissional... –, saberemos também tirar fruto dessa situação que o Senhor quis ou permitiu. Cumprir-se-ão então as palavras de Jesus: Aquele que é fiel no pouco também o é no muito9. Outra causa de retrocesso na vida da alma é “negarmo-nos a aceitar os sacrifícios que Deus nos pede”10, esquivando-nos a essas ocasiões em que devemos dar combate ao nosso egoísmo para procurar Cristo durante o dia, ao invés de nos procurarmos a nós mesmos. O amor a Deus “adquire-se na fadiga espiritual”11. Não existe amor, nem humano nem divino, sem este sacrifício voluntário. “O amor cresce e desenvolve-se em nós no meio das contradições, entre as resistências que o interior de cada um de nós lhe opõe, e ao mesmo tempo entre os obstáculos que provêm «de fora», isto é, das múltiplas forças que lhe são estranhas e até hostis”12. Como o Senhor nos prometeu que não nos faltaria com a ajuda da sua graça, o nosso progresso só depende da nossa correspondência, do nosso empenho em recomeçar constantemente, sem desanimar, apoiando-nos nos “muitos poucos”13 que compõem a nossa vida e que estão sempre ao nosso alcance, como um convite ao sacrifício por amor. III. A VIDA INTERIOR tem uma oportunidade muito particular de crescer quando depara com situações adversas. E não existe obstáculo maior para a alma do que aquele que resulta do seu próprio desleixo e das suas faltas de amor. Mas o Espírito Santo ensina-nos e estimula-nos a reagir de modo sobrenatural, com um ato de contrição: Tem piedade de mim, Senhor, que sou um pecador14. Os actos de contrição são um meio eficaz de progresso espiritual. Pedir perdão é também amar, pois é contemplar Cristo cada vez mais inclinado à compreensão e à misericórdia. E como somos pecadores15, o nosso caminho há de estar repleto de actos de dor, de amor, que inundam a alma de esperança e de novos desejos de retomar a luta pela santidade. É necessário que regressemos ao Senhor uma vez e outra e mil, sem desânimo e sem angústias, ainda que tenham sido muitas as vezes em que não fomos fiéis ao Amor. Devemos fazer como o filho pródigo que, em lugar de permanecer longe da casa paterna, num país estranho, vivendo mal e coberto de vergonha, caindo em si, disse:... Levantar-me-ei e irei para meu pai16. “De certo modo, a vida humana é um constante retorno à casa do nosso Pai. Retorno mediante a contrição [...]. Deus espera-nos como o pai da parábola, de braços estendidos, ainda que não o mereçamos. O que menos importa é a nossa dívida. Como no caso do filho pródigo, basta simplesmente abrirmos o coração, termos saudades do lar paterno, maravilharmo-nos e alegrarmo-nos perante o dom divino de nos podermos chamar e ser verdadeiramente filhos de Deus, apesar de tanta falta de correspondência da nossa parte”17. Ele nunca nos abandona. Devemos pensar frequentemente nessas coisas que, mesmo sendo pequenas, nos separam de Deus. Sentir-nos-emos assim movidos à dor e à contrição, e, portanto, muito mais perto do Senhor. E assim também a nossa vida interior sairá enriquecida não só dos obstáculos, mas também das fraquezas, dos erros e dos pecados. Façamos muitos actos de contrição no dia de hoje. Repitamos humildemente a oração do publicano: Tem piedade de mim, Senhor, que sou um pobre pecador. Ou a oração do rei Davi: Cor contritum et humiliatum, Deus, non despicies: Não desprezarás, ó Deus, um coração contrito e humilhado18. Ser-nos-á de grande ajuda pronunciarmos mentalmente essas ou outras jaculatórias quando avistarmos uma igreja, sabendo que ali está, em pessoa, Jesus Sacramentado, fonte de toda a misericórdia. A Virgem Maria, que é Mãe de graça, de misericórdia, de perdão, avivará sempre em nós a meta ambiciosa de sermos santos. Ponhamos nas suas mãos o fruto desta oração, convencidos de que quem corresponde à graça recebe ainda mais graça. (1) Mc 4, 24-25; (2) São João Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 45, 1; (3) cfr. Mt 25, 14-30; (4) Santo Agostinho, Sermão 51, 3; (5) Sl 39, 18; (6) Santo Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de São João, 17; (7) cfr. Garrigou-Lagrange, Las tres edades de la vida interior, 4ª ed., Palabra, Madrid, 1982, vol. I, págs. 531 e segs.; (8) São Josemaría Escrivá, Carta, 24-III-1930; (9) cfr. Lc 16, 10; (10) R. Garrigou-Lagrange, op. cit., pág. 533; (11) João Paulo II, Homilia, 3-II-1980; (12) ib.; (13) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 827; (14) Lc 18, 13; (15) cfr. 1 Jo 1, 8-8; (16) Lc 15, 17-18; (17) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 64; (18) Sl 50, 19.
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