CRISTO E A IGREJA – Na Igreja encontramos Cristo. – Imagens e figuras da Igreja. Corpo Místico de Cristo. – A Igreja é uma comunhão de fé, de sacramentos e de regime. A Comunhão dos Santos.
I. A MISSÃO DE CRISTO não terminou com a sua Ascensão aos Céus. Jesus não é apenas um personagem histórico que nasceu, morreu e ressuscitou para ser exaltado à direita do Pai, mas vive actualmente entre nós de um modo real, ainda que misterioso. Ante o perigo de que os primeiros cristãos vivessem somente da recordação histórica daquele Jesus que muitos deles “tinham visto”, e ante a situação de outros que pareciam viver somente preocupados com a nova vinda de Cristo, para eles iminente, o autor da Epístola aos Hebreus escreveu: Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje, e pelos séculos1. Ainda que os Apóstolos e os primeiros guias da fé venham a morrer e chegue um momento em que já não possam dar testemunho directo da sua fé, resta aos fiéis um Mestre e um Guia que não morrerá nunca, que vive para sempre nimbado de glória. Os homens desaparecem; Cristo permanece eternamente connosco. Ele existiu ontem entre os homens, num passado histórico concreto; vive hoje nos Céus, à direita do Pai, e está hoje ao nosso lado, dando-nos continuamente a Vida por meio dos sacramentos, acompanhando-nos de modo real nas vicissitudes do nosso caminhar. A Santíssima Humanidade de Cristo foi assumida a partir de um tempo determinado, mas a Encarnação foi decretada desde a eternidade, e o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria no tempo e na história, nos dias de César Augusto, permanece homem para sempre, com um corpo glorioso em que resplandecem os sinais da sua Paixão2. Cristo vive ressuscitado e glorioso no Céu e, de forma misteriosa mas real, na sua Igreja. A Igreja não é um movimento religioso inaugurado pela pregação de Cristo, pois está directamente relacionada com a própria Pessoa de Jesus. A Igreja torna-nos Cristo presente; é nela que podemos encontrá-lo; a sua grandeza está precisamente nesta íntima relação com Jesus. Por isso, a Igreja é um mistério que não se exprime com palavras. A sua insondável riqueza resulta da própria Pessoa de Jesus e tem como finalidade perpetuar a sua presença salvadora entre nós. Mais ainda: a sua missão consiste em tornar presente Cristo – que subiu aos Céus, mas anunciou que estaria connosco até a consumação dos séculos3 – e em conduzir-nos até Ele. O Concílio Vaticano II afirma que Jesus Cristo é o autor da salvação e o princípio da paz e da união, e que constituiu a Igreja “a fim de que fosse para todos e cada um o sacramento visível desta unidade salvadora”4. II. PAULO VI AFIRMAVA que é indispensável para os que seguem a Cristo conhecerem a natureza da Igreja. “E este conhecimento é deveras importante – especialmente para nós, católicos – quando são tantos os erros, tantas as ideias inexactas, tantas as opiniões particulares que circulam nas discussões do nosso tempo”. Quanta ignorância, quanto erro! Muitos esquecem ou desconhecem que “a Igreja é um mistério, não só na profundidade da sua vida, mas também enquanto realidade não apenas humana e histórica e visível, mas divina e superior à nossa capacidade natural de conhecer”5. A Sagrada Escritura esclarece-nos a natureza da Igreja mediante diversas figuras que se complementam. Todas têm Jesus Cristo por centro e giram em torno da unidade: a Igreja é como um redil, cuja porta é Cristo; rebanho, cujo Bom Pastor – Jesus – nunca o deixará entregue às mãos do inimigo ou sem pastos; campo e vinha do Senhor; edifício, cuja pedra angular é Cristo e que tem por alicerce os Apóstolos e em que os fiéis realizam a função de pedras vivas. Também é chamada Jerusalém do alto e Mãe nossa, e é descrita como esposa imaculada6. Como explica São Paulo aos primeiros cristãos de Corinto, é o Corpo Místico de Cristo7, imagem por meio da qual se diz claramente que a Igreja pertence a Cristo e está unida a Ele: entre Jesus e a Igreja, entre Jesus e os cristãos, estabelece-se uma corrente de vida que os torna inseparáveis8. A união íntima e vital entre Cristo e a Igreja permite afirmar realidades que, tomadas ao pé da letra, só se podem aplicar à Igreja e vice-versa. Assim, pode-se dizer que Cristo é perseguido quando a Igreja é perseguida9; que Cristo é amado quando são amados os membros do seu Corpo; que se renega Cristo quando não se quer ajudar os fiéis10. Também se pode dizer que a “paixão expiatória de Cristo se renova e de certo modo continua e se completa no Corpo Místico que é a Igreja... Com razão, pois, Jesus Cristo, que padece ainda no seu Corpo Místico, deseja ter-nos por sócios na expiação, e isso é exigido também pela nossa inserção n’Ele; porque, sendo como somos Corpo Místico de Cristo, é necessário que tudo o que a cabeça padece, padeçam com ela os membros”11. Trata-se, pois, de uma união íntima e misteriosa. Os fiéis recebem do Senhor a mesma vida da graça; e esta participação na vida divina dá lugar à união entre eles. É uma íntima comunhão que abarca tanto o aspecto interior, espiritual e invisível, como o carácter externo e visível da Igreja. “Se a Igreja é um corpo – explicava Pio XII –, deve ser necessariamente uno e indiviso; conforme dizia São Paulo, muitos formamos um só corpo (Rom 7, 5). E este corpo não deve ser somente uno e indiviso, mas também algo concreto e claramente visível [...]. Por isso, afastam-se da verdade divina aqueles que forjam uma imagem da Igreja de tal ordem que não seja possível tocá-la nem vê-la, sendo somente um ser “pneumático” (espiritual), como dizem, no qual muitas comunidades de cristãos, ainda que separadas mutuamente na fé, se juntam, no entanto, por um laço invisível. Mas o corpo necessita também de diversos membros, que estejam de tal maneira entrelaçados que mutuamente se auxiliem”12. III. A UNIDADE DOS FIÉIS que formam o Corpo Místico de Cristo é constituída por uma comunhão de fé, de sacramentos e de hierarquia cujo centro é o Papa. A Igreja é uma comunhão de fé, isto é, compõe-se de todos os baptizados, que receberam uma mesma chamada de Deus e corresponderam com generosidade a essa chamada divina. Em consequência, todos confessam a mesma doutrina e estão unidos pela mesma vida divina que o baptismo lhes comunicou. Esta íntima união abrange conjuntamente a doutrina e a vida. Nos primeiros tempos, quando um baptizado se separava da doutrina ou da vida professada e vivida por todos na Igreja, era considerado um ex-comungado, quer dizer, alguém que tinha rompido a comum-união de todos. Só depois é que passou a ser um ato da autoridade eclesiástica pelo qual, em casos extremos e especialmente graves, se excluía alguém do seio da Igreja. No Corpo Místico de Cristo existe também uma comunhão de bens espirituais, de que se participa principalmente por meio dos sacramentos. Por eles, confere-se aos fiéis a vida divina, o alimento e a fortaleza. A Sagrada Eucaristia é o cume da vida da Igreja, pois nela se dá a Comunhão no Corpo e no Sangue de Cristo, alcança-se a mais íntima união entre Cristo e os seus discípulos e, ao mesmo tempo, reforça-se a união entre todos os que compõem a Igreja. A Sagrada Eucaristia é “a fonte e o ápice de toda a vida cristã”13. A Igreja é também uma comunhão de mútuas ajudas sobrenaturais. Nela se dá uma grande variedade e pluralidade de carismas e vocações, ordenadas para a unidade e sob uma mesma hierarquia cujo centro é o Papa. A unidade da Igreja concretiza-se na Comunhão dos Santos. Este dogma expressa a união dos cristãos entre si, pois se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e se um membro é honrado, todos se alegram com ele14. “A interdependência dos cristãos unidos a Cristo pela caridade sacramental organiza-se à distância. Dá a cada um os tesouros de todos os outros e aos outros os tesouros de cada um”15. Todos necessitamos uns dos outros, todos podemos ajudar-nos; de fato, todos estamos beneficiando continuamente dos bens espirituais da Igreja. A nossa oração, o oferecimento do trabalho, das pequenas incomodidades que o dia de hoje nos trará, podem ser uma ajuda eficaz para tantos irmãos que estão a caminho da fé e para aqueles que, estando perto, não possuem ainda a plena comunhão. A consideração desta ajuda eficaz que prestamos aos outros deve animar-nos a cumprir perfeitamente os nossos deveres e a dar-lhes um sentido sobrenatural, apresentando-os ao Senhor como uma oferenda, pois, “da mesma maneira que num corpo natural a actividade de cada membro repercute em benefício de todo o conjunto, o mesmo acontece com o corpo espiritual que é a Igreja: como todos os fiéis formam um só corpo, o bem produzido por um comunica-se aos outros”16. Um dia, poderemos contemplar em Deus, cheios de admiração, o bem tão grande que fizemos a muitos cristãos e à Igreja inteira situados no nosso escritório, na cozinha, na sala de cirurgia ou nos trabalhos do campo. Não deixemos que se perca uma só hora de trabalho, uma contrariedade ou uma longa espera. Podemos converter todas as coisas em graça, e assim vivificar, unidos a Cristo, todo o seu Corpo Místico. Ó Deus, olhai propício o vosso povo e derramai sobre ele os dons do vosso Espírito, para que cresçamos sempre no amor da verdade e procuremos com empenho a perfeita unidade dos cristãos17. (1) Hebr 13, 8; (2) cfr. Sagrada Bíblia, Epístola a los Hebreos, EUNSA, Pamplona, 1987, nota a Hebr 13, 8; (3) Mt 28, 20; (4) Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 9; (5) Paulo VI, Alocução, 27-IV-1966; (6) cfr. Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 6; (7) cfr. 1 Cor 12, 12-17; (8) cfr. Conc. Vat. II, ib., 7; (9) cfr. At 9, 5; (10) cfr. Mt 25, 35-45; (11) Pio XI, Enc. Miserentisimus Redemptor, 8-V-1928; (12) Pio XII, Enc. Mystici Corporis, 29-VI-1943, 7; (13) cfr. Conc. Vat. II, Const. ib., 11; Decr. Presbyterorum ordinis, 5; (14) 1 Cor 12, 26; (15) Ch. Journet,Teologia de la Iglesia, Desclée de Brouwer, Bilbao, 1960, pág. 252; (16) São Tomás, Sobre o Credo; (17) Oração colecta da Missa pela unidade dos cristãos, 3, ciclo C.
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